Otoniel

As lâmpadas amarelas girando e o ressoar de sirenes estridentes na vastidão da câmara subterrânea não deixavam dúvida: o Portal havia sido ativado no sentido inverso. Volutas de neblina formavam-se sob os arcos dos grandes transformadores, prejudicando a visão além de algumas dezenas de metros. No ponto em que a ponte corrediça, projetando-se como uma língua de metal sobre o abismo, tocava a borda da Zona Restrita, um grupo de soldados em armaduras de combate pressurizadas posicionara-se, prontos para intervir. Atrás deles, uma equipe médica em trajes de proteção NBQ, aguardava. Finalmente, emergindo da névoa que diluía os contornos do Portal, surgiu um vulto cambaleante. Após dar alguns passos, desabou de bruços no meio da ponte.

Da sala de controle encravada na rocha, trinta metros acima da Zona Restrita, Otoniel viu quando um dos técnicos consultou um monitor e virou-se para o supervisor do plantão:

- É um dos nossos!

- Podem fechar! - Gritou o supervisor. - Rápido!

Os técnicos entraram numa atividade frenética, digitando em seus consoles. Era preciso estabilizar e depois desligar os imensos transformadores que criavam o Portal. Somente após concluído o processo seria seguro avançar até o ponto onde o homem estava caído, imóvel.

- Vai! - Gritou o supervisor, olhando por sobre o ombro de um dos técnicos para um monitor onde as barras de um gráfico haviam descido até um nível seguro.

Trinta metros abaixo, os soldados avançaram pela ponte metálica. Cercaram o homem caído, e um deles agachou-se, para verificar os sinais vitais. Em seguida, fez um sinal para a equipe médica. O grupo avançou, carregando uma maca dobrável.

Na sala de controle, agora mais calmo, o supervisor virou-se para Otoniel e disse:

- São e salvo!

- Salvo, sim - retrucou Otoniel. - Mas ainda é cedo para dizermos que está são.

* * *

Julio acordou na enfermaria, parte do corpo enfaixado. Lembrou-se de como saíra do cruzador em chamas e pareceu-lhe um milagre que ainda estivesse vivo. Sentado ao lado da cama, viu um homem rechonchudo, de terno, calvície pronunciada e bigodinho. O homem estava lendo um jornal.

- Que dia é hoje...? - Murmurou Julio.

- Enfim, acordou - disse o homem, fechando o jornal. - Hoje é terça-feira.

- Não, eu quis dizer...

- Quanto tempo ficou desacordado? Quatro dias. Eu estava lá quando o resgataram, na ponte.

E apontando para si mesmo:

- Eu sou Otoniel.

- Olá. E onde estou... Otoniel?

- Numa das enfermarias do Projeto, nível 316. Não se preocupe, vai ficar bem.

- Quando eu perguntei que dia é hoje... - prosseguiu Julio, devagar.

- Sim?

- Não era para saber a quanto tempo estou aqui... mas quanto tempo passei fora.

Otoniel mostrou-lhe o jornal que tinha nas mãos.

- Veja você mesmo.

Julio olhou a data impressa no alto da página e balançou a cabeça, contrafeito.

- Quatro anos! Eu perdi quatro anos lá!

- Sabia que isso poderia acontecer, não é? O tempo transcorre num ritmo diferente do outro lado...

- O que aconteceu aqui... enquanto estive fora?

- Muita coisa - disse Otoniel. - Mas você precisa descansar. Depois conversaremos. E você fará o relatório de suas atividades do outro lado, estamos curiosos para saber como as coisas transcorreram.

Julio fez um esgar.

- Não tão bem, como pode deduzir pelo meu estado.

- Eu vou chamar uma enfermeira para cuidar de você - atalhou Otoniel, colocando o jornal sobre a mesinha de cabeceira ao lado da cama e erguendo-se para sair. Um brilho de esperança percorreu os olhos de Julio:

- Espere! Rebecca está aqui?

Otoniel deu de ombros.

- Não conheço.

A caminho da porta do quarto, voltou-se e disse, bem-humorado:

- Mas posso perguntar!

[27-04-2014]