Depois da chuva

Z'zim-N'margh abriu cautelosamente uma nesga na entrada da tenda e anunciou desnecessariamente:

- A chuva parou.

S'sayr-M'nir colocou mais alguns gravetos no fogareiro aceso no meio do aposento antes de responder em tom despreocupado:

- Que bom!

E após destapar a chaleira sobre o fogareiro:

- Quem quer chá?

Os Aprendizes estenderam as canecas.

Bebericaram calados a infusão escura de folhas de khuma até que o silêncio foi rompido pelo Aprendiz Q'quam-H'hojh:

- Mestre, sempre chove quando inicializamos sequências de montagem?

- Depende - respondeu S'sayr-M'nir. - De uma série de coisas. Um temporal é bom quando a montagem exige o resfriamento de ligas metálicas. Nesse caso em particular, foi utilizada uma quantidade expressiva de metal.

Tomou um gole do chá e prosseguiu, com ar irônico:

- Além do mais, um temporal é bom para espantar curiosos.

- E o tabuleiro? - Indagou Z'zim-N'margh.

- O tabuleiro, depois de ativado, protege a si mesmo - redarguiu o Promotor de Eventos.

Acabaram de beber o chá e, S'sayr-M'nir à frente, saíram da tenda e começaram a descer cautelosamente rumo ao vale, tomando cuidado com o chão escorregadio. Homawa, o sol secundário, já estava quase no zênite, pois a chuva durara horas e até as nuvens negras sobre as montanhas haviam desaparecido. Um pequeno riacho temporário formara-se no fundo do vale e a relva recém-lavada brilhava em tons de cobre sob a luz do astro laranja. Os Mowthumi não precisaram andar muito até encontrar o bloco onde haviam deixado o tabuleiro. E, a poucos metros dali, sobre uma laje de pedra nua, algo que havia surgido depois da chuva.

- Aprendizes, - disse o Promotor de Eventos, parando à frente do artefato - esta é uma réplica da nave usada pelo nosso visitante.

Olhou para o tabuleiro sobre o bloco de rocha - ambos estranhamente enxutos mesmo depois do temporal - e constatou que os três diamantes verdes emitiam uma luminosidade constante.

- Os três diamantes verdes acesos indicam que a sequência de montagem foi finalizada corretamente - explicou ele. E inclinando-se sobre o tabuleiro:

- Fim de sessão. Desligar.

Os três diamantes verdes perderam lentamente o brilho interior. Só quando apagaram-se totalmente ele começou a recolher as gemas e a guardá-las no alforje que carregava no ombro. Após recolher o tabuleiro, dirigiu-se para a proa da nave seguido pelos Aprendizes.

- A sequência de montagem não só reproduz o objeto desejado, - explicou S'sayr-M'nir para seus discípulos, que anotavam as palavras do mestre em seus cadernos de papiro - como também cria uma interface amigável de controle do mesmo. Eu não preciso saber como o visitante controla sua nave: basta que eu diga claramente o que desejo.

- Da mesma forma como o senhor comanda o tabuleiro? - Inquiriu Z'zim-N'margh.

- Não, algo muito mais simples: linguagem natural!

E erguendo a cabeça para a proa da réplica do "Mensageiro das Estrelas", exclamou:

- Quero ir à bordo!

Obedientemente, a rampa de descida da nave começou a descer, até tocar na laje de pedra com um estalo seco.

- Quem me acompanha? - Perguntou o Promotor de Eventos.

[01-04-2014]