O FUNCIONÁRIO

O FUNCIONÁRIO





O Sr. Beltrão encarou friamente o cidadão importante que também o encarava friamente.
— Não há nada para olhar lá, senhor. O meu serviço vem sendo feito rotineiramente, sem nenhuma novidade...
— Sim, há três décadas. O senhor se aproveitou do caos em que o mundo mergulhou após a Guerra da Água, mas agora o Governo Mundial está reorganizando tudo e naturalmente precisamos saber se o seu salário, religiosamente pago a mando do computador-mestre, é merecido. Afinal, as reservas de ouro da Área Sul estão aqui, nesse esconderijo do Brasil Central, sob a sua guarda. E eu vim aqui para vistoriar tudo e fazer o meu relatório. Portanto abra o cofre para que eu faça a inspeção!
O Sr. Beltrão se levantou, impassível, e foi caminhando em direção ao comprido corredor que atravessava o bunker subterrâneo até um grande painel corrediço, de metal cromado.
— Não é realmente um cofre — explicou, enquanto digitava a senha de abertura, fazendo o painel deslizar. — E não há nada lá para ver, nada de útil. Não sei por que o senhor insiste tanto.
— Ora — respondeu Ferdinando, azedo. — Como é que o ouro não é útil?
E foi entrando, procurando acostumar os olhos ao ambiente mais escuro lá de dentro.
AAAAAAAHHHHHH!!!!!!!!!!
O Sr. Beltrão entrou em seguida ao silenciar do imenso grito, mas não foi além de alguns passos cautelosos, parando bem à beira do abismo:
— Pode até ser que o senhor encontre o tal ouro lá embaixo... mas se isso existiu aqui em cima, há muito já foi levado pelos abalos sísmicos...
Retornou à escrivaninha, abriu uma gaveta e dela retirou a revista de palavras cruzadas que escondera apressadamente à chegada do visitante. E concluiu filosoficamente:
— Ah, esses burocratas do governo. Sempre acham que estão com a razão...



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