E LA NAVE VA

— Comandante! Corpo espacial localizado no quadrante superior esquerdo.

— Determinar posição e enquadramento relativo.

O registro do novo corpo astral chegou algum tempo depois à potente estação radio-astronômica orbitando ao redor de Plutão e dali diretamente à Terra. A primeira informação sobre o novo astro foi a última notícia recebida no planeta vinda da nave "Galaxy-500".

Tripulada por 120 astronautas, a imensa nave "Galaxy-500" — a maior até então construída na Terra — já viajava há três anos (tempo da Terra) na direção de Alfa-Centauro. Bilhões de informações astronômicas já tinham sido enviadas ao planeta-mãe, onde os cientistas trabalhavam freneticamente em computadores da vigésima geração, para interpretar tais dados de vital importância para as missões intergalácticas.

Ao se aproximarem do astro (planeta? meteoro? supernave?) os astronautas se dão conta de que algo muito especial e grandioso encontra-se na mira da nave terrestre. O curso da "Galaxy-500" foi ligeiramente desviado à direita. Devido à alta velocidade de aproximação, a visão do novo astro ampliava-se a cada instante. O que foi visto da ponte de comando deslumbrava a todos: um imenso corpo astral, de proporções planetárias e num curso aparentemente independente.

— Comandante, perdemos comunicação com a Estação Orbital de Plutão e com a Terra. — avisou Kevin, o rádio-operador, com voz tranqüila demais para comunicar o evento.

— Descubra as causas e restabeleça a comunicação. - Ordenou secamente o comandante.

— Sim, Senhor!

À medida que a "Galaxy-500" aproximava-se da grande massa notava a crescente força de atração do astro. Sua visão maravilhava os astronautas. A superfície era totalmente coberta por pirâmides, numa regularidade impressionante.

— Só pode ser uma nave, não existe tal padrão em todo o Universo. — O comandante comenta com o chefe da cabine de orientação.

— Naturalmente. Já estabelecemos a direção e a velocidade de seu curso. Trata-se, realmente, de uma nave tripulada.

A aproximação foi tranqüila. Sinais de rádio foram detectados, porém incompreensíveis, em códigos e seqüências impossíveis de serem decifrados pelo computador de bordo.

As pirâmides da superfície estavam agora totalmente visíveis. Irradiavam uma suave luz rósea, que cercava o imenso astro de uma incandescência translúcida. Em alguns pontos da superfície havia superposições de pirâmides, formando elevadas torres.

— Vamos orbitar e observar. Tentem decifrar as mensagens, usem o Decifrador com potencial máximo. E como está a comunicação com a Terra?

— Ainda interrompida, Comandante. Há uma poderosa interferência impedindo o restabelecimento. -- Responde expedito o rádio-operador.

A "Galaxy-500” orbita o astro.

— Comandante, observo que as "torres de pirâmides" correspondem a duas linhas que circundam o astro. — Observou o Sub-Comandante.

— Provavelmente são torres de comunicação.

Toda a medição da superfície foi feita pelo computador de bordo, a fim de possibilitar uma descida da "Galaxy-500" na superfície do astro. Visualmente, as condições eram boas. A luminescência oriunda de cada pirâmide (algumas poucas estavam às escuras, como que apagadas ou desligadas) obliterava uma visão de seu interior, mas evidentemente tratava-se de estruturas ocas, como os aparelhos eco-sonares registravam.

Após várias orbitagens de aproximação, o Comandante ordenou:

— Preparem-se para a abordagem física. Nossa nave pode descer e estacionar comodamente entre as canaletas formadas pelas bases das pirâmides.

A descida foi tranqüila. Além dos indecifráveis sinais de rádio, nenhuma outra manifestação de vida inteligente foi observada. Usando os poderosos dispositivos anti-gravitacionais, obteve-se o ponto neutro e a imponente "Galaxy-500” pousou suavemente entre duas imensas pirâmides.

— Prepararam-se para sair.

Assim que a tripulação iniciou a saída, a nave e todos os tripulantes que desciam pela rampa foram cercados. Seres sem forma definida, esvoaçantes e sutis surgiram de todos os lados.

— Comandante, estamos cercados!

— Calma. Não são belicosos nem mostram hostilidade. Devemos manter-nos tranqüilos e destemidos. Nada de movimentos agressivos.

Os seres etéreos aproximaram-se até uma distância de toque. Translúcidos, movimentando-se com graça, mudavam de forma constantemente. Não tinham formas definidas nem definitivas.

— Credo, parecem fantasmas.

Não causaram aos tripulantes medo ou repulsa, ao contrário, uma sensação de calma e tranqüilidade instalou-se entre todos. Uma forte empatia foi de pronto estabelecida entre os tripulantes e os habitantes das pirâmides.

— Ei, estou sentindo mensagens! Nada ouço, mas posso sentir algo.

— Eu também, Comandante. São mensagens telepáticas.

A abertura no ventre da nave terrestre se constituía numa larga rampa, agora literalmente ocupada pelos tripulantes e pelos seres etéreos. Os terrestres estavam ao mesmo tempo curiosos e ressabiados com relação ao novo mundo.

Logo todos os tripulantes estavam recebendo em seus cérebros mensagens que poderiam ser traduzidas como "boas vindas", "venham até nós", "nós os acolhemos com alegria".

. . . . . . . . . .

Na Terra os cientistas conectados com a missão da "Galaxy-500" tentavam por todos os meios restabelecer os contados radio-telescópicos com a nave. Uma cortina de silêncio havia descido entre a G-500 e a Terra. Sequer sua posição atual era conhecida.

Todos os 120 tripulantes da Nave se sentiam tranqüilos entre os habitantes do astro batizado de "Pirâmides". A comunicação se estabeleceu em nível telepático e os terrestres não tiveram dificuldades para se entenderem dessa maneira. A empatia entre os astronautas e os seres translúcidos era forte e crescia cada vez mais. Nos primeiro contatos o comandante manifestou sua preocupação em se comunicar com a Terra. Imediatamente se sentiu tomado por uma "onda" de tranqüilidade e despreocupação, deixou de lado à vontade de relatar o encontro do Planeta Pirâmides e não voltou mais a pensar no assunto.

Tal estado de aquiescência, conformidade e bem-estar foram pouco a pouco tomando conta de todos, de tal forma que logo a equipe estava misturada com os amorfos habitantes de "Pirâmides". Sem se darem conta, aceitaram a convivência, trocando de hábitos, na verdade, esquecendo-se de suas obrigações ligadas à missão.

— Comandante, temos de registrar toda esta nossa vivência nos computadores.

— Sim, você tem razão, Kevin. Mas vamos aguardar mais um pouco e fazer registros mais precisos.

E foram convivendo com as entidades etéreas locais, aprendendo e fornecendo informações. Certamente, por mais que observassem, não tinham uma compreensão exata do que estavam vivendo. E, se comparadas, as informações que recebiam jamais seriam iguais às reveladas.

Aprenderam, por exemplo, que "Pirâmides" sequer nome possuía. Entre os etéreos era mencionada como "a base" ou "local onde estamos". Totalmente coberta pelas construções piramidais sobre a superfície de um corpo cósmico deserto. Cada pirâmide era uma unidade social e ao mesmo tempo um laboratório, estação receptora de energia e transmissora de dados. Os astronautas da Terra não tinham noção nem mesmo as dimensões de cada pirâmide, iluminada internamente pela luz rosada. No centro de cada pirâmide uma torre fazia a conexão de energia. Ao redor de cada torre se situavam os laboratórios, os habitáculos, jardins, pequenos bosques, áreas de recreação.

Algumas pirâmides estavam desativadas, outras tinham edifícios, construções e equipamentos especiais. Muitas jamais foram visitadas pelos terrestres, não por proibição mas por absoluta falta de interesse. Para eles foram destinadas cinco pirâmides rapidamente adaptadas às necessidades humanas. Eram contíguas e se comunicavam. Assim, podiam se reunir, conversar (o que não faziam, em absoluto, com os etéreos habitantes), discutir a situação.

— Por mais confortável que seja esta situação para nós, não devemos nos esquecer de que temos de prosseguir em nossa missão. — Falava sem muita convicção a psicóloga Dra. Jacqueline Dubois. Ela observava a despreocupação e o acomodamento de todos os colegas. Em sua conversa com o Comandante revelou a preocupação:

— Tenho a nítida impressão de que uma sutil lavagem cerebral foi feita em cada um de nós. Observo que poucos (ou quase ninguém) se lembram da nossa missão. Não vão mais à nave. Nosso espírito de equipe está em um nível muito baixo.

E o Comandante:

— Também observo isto, inclusive comigo mesmo. Uma lassidão, uma vontade insistente de querer permanecer aqui, nesta preguiça sem fim. Você tem razão: temos de ficar alerta contra essa influência que está nos deixando frouxos e irresponsáveis.

Se reconhecia uma situação de fato, nada fazia o comandante para reverter o processo. Voltar à nave, ir adiante na missão da "Galaxy-500". Era como se dissesse "deixa pra lá, vamos curtir essa!”. . . . . . . . .

Em seus contatos telepáticos, afáveis e empáticos, o Comandante procurava saber mais e mais sobre "Pirâmides". Observava uma das torres de pirâmides superpostas, em companhia do etéreo que atendia pela combinação binária de AA-44-PP.

— Seis torres localizadas ao longo de dois círculos ao redor da "Base".

— Como pólos de uma esfera. Para que servem?

— Estações emissoras de sinais. Mandamos mensagens da "base" para a "matriz" (ou "sede" ou "local de onde somos" — nomes alternativos que os etéreos davam ao planeta ou à entidade a que deviam prestar informações.).

— Que tipo de mensagens? — Pensou o Comandante.

— Relatórios de nossa viagem. Percorremos o Universo com a finalidade de informar à "matriz" sobre a situação de cada astro que abordamos. Nossa missão já dura milhares de unidades de tempo intergaláctico.

— Que é isso?

— Nossa medida de tempo. Não tem relação com o tempo do planeta Terra, pela qual já passamos há algumas UTIs.

— Por que essa formação de pirâmides?

— É a forma ideal para nossa "base": cada pirâmide é independente, mas são todas interligadas. Cada pirâmide é um receptor de energia cósmica, convertida em energia apropriada para nossas necessidades. Em cada pirâmide uma comunidade vive independentemente. Em caso de necessidade (um acidente, por exemplo, ou falta de uso prolongado) uma unidade pode ser desativada e permanecer intacta.

— Nesta "base" não existe a alternância de claro/escuro, do dia e da noite. Assim também é na "matriz"?

— Nossa condição não depende dessa alternância. Aliás, peculiar da raça humana. Já conhecemos mais de uma centena de raças espalhadas pelo universo e só a raça humana obedece inflexivelmente a esse ritmo de dia-e-noite.

— Já passaram pela Terra?

— Sim, há milhares de anos. Deixamos lá diversos coletores/transmissores de informações sob a forma de pirâmides.

— Instalam essas pirâmides por onde passam?

— Sim. Quando as condições permitem, instalamos as pirâmides na própria superfície do astro. Como foi feito na Terra. Mas se as condições são adversas na superfície, as pirâmides são instaladas no interior do astro. Enterradas no subsolo ou mergulhadas nos oceanos de mais variados materiais. Em Mercúrio, devido ao calor que recebe do Sol, a pirâmide está dentro do planeta e monitora também o próprio Sol, onde não conseguimos colocar nossa pirâmide.

. . . . . . . . . .

A falta do ciclo dia/noite causava incômodo aos terrestres. Eles mesmos tiveram de estabelecer um padrão para sobreviverem saudavelmente dentro das pirâmides: com anuência dos etéreos, puderam neutralizar a energia luminosa nas pirâmides que habitavam. Por períodos alternados que correspondiam a 10 horas (tempo da Terra). Nesses períodos sem luminosidade os astronautas dormiam.

Registravam o tempo. Usavam relógios-calendários, marcando dias, meses e anos. Os calendários mostravam que estavam viajando há cinco anos, três meses e 9 dias quando desceram em "Pirâmides". Estavam convivendo com os etéreos há sete meses quando Comandante convocou uma reunião.

— Amigos, noto com satisfação que estamos convivendo harmoniosamente com os habitantes de "Pirâmides: nenhum atrito, nenhuma queixa. É bom que estejamos usufruindo deste contato de modo tão tranqüilo. Mas venho conclamá-los ao retorno de nossa nave e ao prosseguimento de nossa missão.

O Comandante fez o apelo mais para desencargo de consciência. À doutora Jacqueline confessou que permaneceria prazerosamente naquela ociosidade. A sua convocação não despertou entusiasmo entre a tripulação. E o que deveria ser uma ordem de retorno à missão dos terrestres, não passou de uma aquiescência ao estado atual de viver por viver.

— Na verdade, fomos seduzidos pelos etéreos — chegou à conclusão a doutora Jacqueline Dubois. — Estou certa de que isto faz parte da sua maneira de ser: primeiro, seduzem. Em seguida, subjugam e finalmente, quando conseguem seu desiderato, fazem com que todo o processo seja esquecido.

— E o que desejam de nós? — Intrigado pergunta o Vice-Comandante.

— Quem sabe? Informação, em primeiro lugar. Depois, nos mantêm aqui, para prestação de serviços em emergências, ou para estabelecer novas colônias cósmicas. Desta forma têm sempre uma boa quantidade de serviçais ou colonos para suas explorações.

Quaisquer que fossem as explicações, contudo, a lassidão em que os terrestres estavam mergulhados de corpo e alma os impedia de manifestar qualquer reação às palavras premonitórias da psicóloga.

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Na Terra os cientistas que monitoravam a missão da Galaxy-500, 38 anos após o derradeiro contato da nave, consideraram-na perdida. Registros, arquivos e documentos foram selecionados e expurgados dos computadores, passaram para o Arquivo de Missões Desativadas e todos os seus tripulantes elevados à honra de Heróis Espaciais.

. . . . . . . . .

Registro no Diário do Comandante Haroldo Harris:

"Estamos há mais de 50 anos (tempo: Terra) habitando a "base" ou "Pirâmides". Não cogitamos de voltar à Terra. Nossa nave permanece onde aportamos. Nossa tripulação é a mesma, não foi registrado nenhum sinal de envelhecimento e nenhuma morte ocorreu entre nós. Eu mesmo me sinto como no dia em que aqui cheguei. Alguns casais estão convivendo juntos e têm filhos: todos saudáveis, sem indícios de mutações genéticas. Também entre os etéreos não notei nenhum sinal de decrepitude, mesmo porque são seres incorpóreos. A quantidade deles, que nunca soube exatamente, parece ser constante. Aparentemente não se acasalam, não se multiplicam nem morrem. De nós, terrestres, nada foi solicitado, seja sob forma de trabalho ou qualquer outro modo. Não sei se somos, todos nós, totalmente felizes; mas ninguém jamais reclamou.

E la nave và . . . "

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ARGOS = ANTONIO ROQUE GOBBO = S.Sebastião Paraíso– 11/julho/ 2000

Conto # 35 da Série Milistórias

Publicado em “O Espião de Bagdá”, volume 3 da Coleção Milistórias.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 06/03/2014
Código do texto: T4717148
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