O consolo

O CONSOLO

Miguel Carqueija


Ao efetuar a experiência de transpor uma mesa de seu laboratório para a pré-história — em pleno período pleistocênico — o Professor Lourenço Vanzolini percebeu de súbito, horrorizado, que a aura temporal, por um inesperado salto de tensão, expandiu-se muito para além do objeto. A luminosidade azulada alargou-se por vários metros, envolvendo o próprio cientista e seu assistente Silício.
— O que está havendo, Silício? Me ajude a desligar isso, depressa!
Lourenço digitou no painel de controle, tentando reverter a programação, mas aparentemente um bug qualquer se instalara no computador. Em desespero de causa ele retirou a tomada do televisor LG de plasma, desligou o circulador e puxou sua tomada, enquanto Silício fazia o mesmo com a máquina temporal. Por fim, Lourenço deu um boot no computador conectado à máquina do tempo, tudo para que qualquer processo dependente de eletricidade cessasse; era tarde porém: a luminescência azul transformou-se num intenso clarão e o sábio sentiu-se como atirado à distância.
Despertou minutos depois, sacudido pelo Silício.
— O que aconteceu?
— Professor, veja só onde estamos!
Estavam em meio a uma mata tropical, repleta de samambaias gigantescas e imensos insetos. Vários objetos do laboratório, como a mesa do experimento original, lá se encontravam.
Horrorizado, o cientista cobriu o rosto com as mãos.
— Que desgraça! Viemos parar no passado pré-histórico, e jamais poderemos retornar à civilização!
Pôs-se a chorar e a tremer convulsivamente.
O auxiliar abraçou-o e tentou reanimá-lo:
— Vamos, Professor Lourenço! Não é tão ruim assim!
— Como não é tão ruim? O que tem de bom em nossa situação?
— Pelo menos uma coisa, professor! A televisão veio junto! Vamos poder nos distrair um pouco! Hoje mesmo passa um bom filme...
Por alguns instantes o Professor Lourenço quedou incrédulo, então reagiu:
— Que asneira você está dizendo? Onde é que você acha que vai poder plugar a tomada?
— Ué, professor, não está vendo naquela árvore ali?
Dito e feito, Silício conectou o televisor na árvore e ligou o aparelho. Embasbacado, Lourenço ainda tentou objetar;
— Mas... mas... estamos na pré-história! Não existem emissoras funcionando...
A tela se acendeu e apareceu um comercial de sabão em pó.
— Eu devo estar enlouquecendo — murmurou o pobre cientista. — Coisas assim só acontecem naqueles desenhos do pica-pau...
E aí ele ficou verde.
— HÊ HÊ HÊ HÊ HÊ! HÊ HÊ HÊ HÊ HÊ! HÊ HÊ HÊ HÊ HÊ HÊ HÊ...


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— Lourenço, acorde! Acorde, querido!
O professor ergueu o torso, sobressaltado, e descobriu que estava na cama, junto com a Eulália, sua esposa.
— O que aconteceu? Cadê o Silício e o pica-pau?
— Que pica-pau, amor? Você estava tendo um pesadelo. Hoje é domingo. O Silício deve estar na casa dele, e dormindo.
Lourenço, aliviado, acalmou-se. E antes de voltar a dormir, resolveu desistir das viagens pelo tempo.
Afinal, na vida real televisões não funcionam no Pleistoceno.


(imagem da franquia)


O Pica-pau (Woody Woodpecker) é um personagem criado pelo animador norte-americano Walter Lantz em 1941.
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 03/03/2014
Reeditado em 04/03/2014
Código do texto: T4714148
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