Contato visual

Otoniel parou o carro ao lado da cerca de tela de arame e voltou-se para seu acompanhante no banco do carona:

- Só posso chegar até aqui. E é bom não demorar, podemos ter sido seguidos.

O acompanhante deu de ombros:

- E se? O que acha que poderia acontecer?

- Com você, talvez nada. Mas, para mim tenho certeza de que não seriam tão complacentes. Essa infração pode custar a minha carreira.

O interlocutor o encarou muito sério:

- Acha que o que fizeram comigo foi uma demonstração de complacência?

Otoniel não respondeu. Pousou as mãos sobre o volante e olhou pela janela aberta: além da cerca, o pátio de uma escola elementar, quadra de cimento, brinquedos, árvores. Os prédios baixos da instituição, pintados em tons pastéis. O sol da tarde descambando para o horizonte.

Uma campainha soou num dos prédios. Em seguida, a algazarra das crianças saindo das salas de aula veio num crescendo, até que as próprias irromperam no pátio. Dez, vinte, trinta...

- Você a conhece? Como vai identificá-la?

O tom de voz do interlocutor transmitia inquietação, mas Otoniel parecia agora absolutamente tranquilo. Exibiu um pequeno objeto preto que lembrava uma lupa de bolso para leitura e virou-o para o pátio cheio de crianças, girando-o vagarosamente para cobrir toda a área. Em dado momento, ouviu-se um "clique".

- É aquela ali, vê? A que está subindo no escorregador.

O interlocutor curvou-se sobre ele, para olhar através da lente.

- Deusas! Ela é linda! - Murmurou.

E depois, num átimo:

- Preciso vê-la mais de perto!

- Onde você vai?! - Exclamou atarantado Otoniel.

Mas seu interlocutor já havia saído do carro pela porta do carona e agora, de pé junto à cerca, olhava fixamente para a menininha que descia o escorregador agarrando-se nas laterais do mesmo. Ao tocar no solo e erguer-se, ela viu um homem desconhecido que a fitava do outro lado da tela de arame.

O homem sorriu para ela.

[17-01-2014]