Metamorfo

Era sexta-feira, acordei cedo para o trabalho. Sensação estranha. O sol escaldante ardia meus olhos pelo vidro da janela. Levantei com um pulo da cama e me espreguicei. No mesmo instante fui a banheiro e encharquei meu rosto de agua. Meus olhos pareciam vermelhos pelo reflexo do espelho:

– Bom dia Ben. Que noite hein!

Logo me arrumei e senti como se algo estranho estivesse em mim. Um arrepio à minha volta. Vultos ao meu redor. Um suor frio exalando do meu corpo...

Decidi seguir para o trabalho quando de repente senti minha pele ardendo, sendo arrancada por dentro, camada por camada, veia por veia. Dor. Insuportável dor! Ajoelhei-me no chão, no meio da rua, minha pasta de trabalho foi para bem distante de mim enquanto eu via o sangue sair, escorrer naturalmente, como água. Sim, sangue! Minha pele estava se esticando, se transformando, escorrendo... Eu não entendia. Rapidamente surgiam pessoas ao meu redor, pessoas de varias maneiras e jeitos. Meu cérebro temia em escolher uma delas. E a cada instante o sol parecia ainda mais insuportável, o tumulto me incomodava. Meus olhos esbulhados derretiam lágrimas. Meu corpo parecia entrar em chamas. O que havia comigo?!

Corri para o lugar mais isolado que consegui encontrar atrás de uma lata de lixo velha e ouvi as pessoas desesperadas me olhando abismadamente. Admirei-as cuidadosamente, e foi um velho de cabelos grisalhos que se apoiava em uma bengala seminova que mais me chamou a atenção. Entre todo o tumulto ele era o único que me encarava sem o semblante de surpresa. Havia seriedade em seu olhar e com um provável brilho de pânico querendo se omitir. Não conseguia deixar de repará-lo, mas ao passar de um veiculo escuro ele desapareceu. Repentinamente a dor sumiu que até me fez esquecera. Sem entender o que aconteceu, permaneci calmo e fui adiante ao meu caminho.

Ainda sentia meu corpo estranho, como se estivesse mudando. Como se, talvez, não pertencesse mais a mim. As feridas e as dores me tomaram. Mãos trêmulas, pele enrugada, lábios secos, mente adulterada. O desespero já não me preocupava mais, e sim quem estava me seguindo. Não pude ver, ele era rápido demais. A rua estreita por onde andávamos tinha poças d’água que me facilitava ouvir seus passos, ele estava poucos metros atrás de mim.

Entrei no primeiro prédio que encontrei, segui pelas escadas e corri para o banheiro. Tirei o paletó e me joguei ao chão:

– O que está acontecendo Ben?! O que? Meu Deus...

Minha pele estava mais escura, com manchas estranhas... Até que ouvi mais passos atrás de mim e uma voz rouca disse:

– Esqueceu sua pasta Ben.

Levantei-me apressadamente. E vi pela primeira vez algo inacreditável, lá, no espelho... Éramos dois.

Ingrid Hanley
Enviado por Ingrid Hanley em 04/01/2014
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