Deus não tira férias
Quando avisou que iria tirar férias, a Filha e o Neto riram.
- Vou tirar férias de vocês dois - disse o Avô, muito sério.
Ante as caras de decepção, complementou:
- Vocês me distraem. Isso é bom, mas eu perco o foco; e o que eu preciso fazer vai exigir concentração.
Perguntaram se ao menos poderiam ir visitá-lo.
- Quando tudo estiver terminado, sim - condescendeu ele. - Eu os avisarei. Enquanto isso, comportem-se.
Dito isso, partiu.
* * *
- Seus visitantes estão chegando.
A voz incorpórea de Zoé soou na sala de estar, enquanto o Avô preenchia as palavras cruzadas no jornal de domingo ("o bom de se estar aposentado", dissera certa vez, "é que todos os dias são domingo"). Colocou o jornal sobre uma mesinha e ergueu-se. Estava vestido a caráter, colete cinza aberto sobre camisa branca de mangas compridas e um kilt com tartan verde e preto, uma bolsa sporran de couro marrom pendendo à frente do saiote.
- Como estou? - Perguntou em voz alta.
- Não está mal - respondeu Zoé. - Mas ponha o Balmoral.
Um boné Balmoral verde-escuro estava pendurado no porta-chapéus do hall de entrada. Colocou-o sobre a cabeça e abriu a porta, a tempo de ver o módulo de pouso Uajig pairando sobre o chalé. Acenou amistosamente.
- Venham, venham! - Exclamou.
Alguns minutos transcorreram sem que nada acontecesse. Finalmente, sem ruído e devagar, o aparelho prateado em formato de lentilha desceu e projetou três trens telescópicos de aterragem, pousando cerca de 50 m distante da cerca que delimitava o terreno. Tudo havia sido tão pacífico que os herbívoros que circulavam ao redor apenas ergueram as cabeças ressabiados, e depois voltaram a pastar tranquilamente.
Uma seção do casco do módulo abriu-se na parte ventral, formando uma rampa. Por ela desceram duas criaturas humanoides de pelo menos 2,5 m de altura, protegidas por uniformes de combate brancos e capacetes com visores espelhados. Nas mãos, armas negras que lembravam o cruzamento de um lança-foguetes com uma besta medieval. Atrás dos armários, vieram duas criaturas com estatura de crianças, envergando túnicas cinzas.
- Bem-vindos! - Exclamou ele num Nart perfeito.
Os guardas continuaram avançando, aparentemente achando corriqueiro que o desconhecido lhes falasse em Nart. Todavia, quando estavam a poucos metros da cerca caiada de branco que delimitava a propriedade, bateram num obstáculo invisível e caíram para trás, sentados. Os Narts olharam a cena deliciados.
- Armas não são bem-vindas! - Informou o Avô.
- É bom desativar essa coisa! - Vociferou um dos guardas. - Temos um cruzador em órbita e contra ele o seu campo de força será inútil!
- Vou pensar na sua oferta - retrucou. - Enquanto isso, os outros dois podem entrar.
E fez um sinal para os Narts, que cautelosamente continuaram do ponto onde os dois Uajigs haviam sido derrubados, até perceberem que para eles, o campo de força não existia. Imaginando que a barreira havia sido eliminada os guardas correram atrás dos Narts, apenas para bater ainda mais violentamente contra um muro invisível.
- Não tentem isso de novo, - alertou o Avô - ou poderão machucar-se seriamente.
E voltando-se para os Narts que haviam parado à sua frente, perguntou:
- Fizeram boa viagem?
Não houve tempo para respostas. Irritado, um dos guardas ergueu a sua pesada arma e disparou na direção deles. Um clarão azulado surgiu no momento em que o raio do desintegrador atingiu o campo de força, mas nada além disso aconteceu. Os Narts, contudo, haviam abraçado-se, tremendo de medo.
- Chega - disse o Avô. - Zoé, creio que os cavalheiros deveriam ter lhe trazido flores.
- Eu cuido disso - respondeu a voz de Zoé.
No instante seguinte, para espanto dos Uajigs e deleite dos Narts, as armas de aparência temível foram substituídas por braçadas de rosas vermelhas.
- Levem meus cumprimentos ao seu comandante - disse o homem, estalando os dedos.
Os guardas Uajigs desapareceram da superfície do planeta, e foram reaparecer na ponte de comando do cruzador "Vimiravayu", para imensa surpresa de todos que ali estavam.
- Você é um Gumir? - Perguntou embevecida a técnica Nart para o Avô, que sorria para ela.
- Isto é você quem está dizendo, menina - retrucou ele.
[07-12-2013]