Mensageiro - Parte 6

Os inúmeros pontos luminosos perfeitamente espaçados no equador e nos polos da solitária rocha cinzenta esférica de 10 quilômetros de diâmetro dava alguma ideia da intensa atividade em seu interior. Mas era apenas uma ideia pálida da intensidade desta vida interna, uma sombra da realidade. Se pensarmos apenas em atividade no nível logo abaixo da superfície ela nos parecerá bem pequena. Mas quem disse que só havia um nível subterrâneo ocupado? Se pensarmos em quantos níveis de superfícies esféricas concêntricas podem ser escavados no interior de uma rocha de 5 quilômetros de raio e somarmos as superfícies que diminuem à medida em que nos aproximamos do centro, chegaremos facilmente à área total de um país pequeno emaranhada no volume de uma esfera de 10 quilômetros de diâmetro! É só fazer as contas...

Ela girava a certa velocidade, e por isso haviam tantas saídas no equador do planetoide: a força centrífuga representava uma economia considerável de combustível no lançamento de corpos de seu interior. Mas o mesmo movimento era prejudicial para quem chegava e tentava entrar, razão pela qual haviam as duas aberturas polares de acesso, os dois pontos mais propícios para as aterrissagens. Tal rotação veloz explicaria também a gravidade artificial em seu interior? Obviamente não! Só um cálculo mental aproximado mostraria que, para um corpo de 5 km de raio, a velocidade de rotação necessária para criar 1g de força centrífuga no seu nível mais externo seria vertiginosa. E esta força apontaria para fora, não para o centro do planetoide. Evidentemente a "gravidade" naquele corpo era criada por um gerador gravitacional localizado exatamente em seu centro de massa.

Mesmo naquela época muita gente ainda não compreende este conceito de gerador gravitacional, apesar de presenciá-lo todos os dias. Vamos esclarecer aqui que "gerador gravitacional" é apenas abuso de linguagem, já que ele não cria gravidade de verdade. Os corpos são atraídos na verdade por um emprego engenhoso do bom e velho campo elétrico. Mas um campo elétrico só não age, afastando ou atraindo, sobre corpos eletricamente carregados? Oras bolas, todos os corpos são eletricamente carregados! São formados de átomos possuindo um núcleo positivo e uma nuvem de elétrons negativa. O fato de um corpo eletricamente neutro não ser atraído por uma carga negativa, por exemplo, se explica pelo fato de seus núcleos positivos serem atraídos com a mesma força com que a carga repele sua nuvem eletrônica negativa. A resultante é nula, e o corpo aparentemente não interage com a carga elétrica...

Mas felizmente para nós prótons e elétrons não têm um comportamento tão simétrico assim! Comparados com os elétrons, os prótons são grandes! Ainda maiores quando agrupados pelos nêutrons, estas sim partículas neutras.

Os elétrons são muito pequenos comparados com os prótons, e menores ainda com o aglomerado de prótons e nêutrons do núcleo. Pense em pequenas moscas voando em volta de uma maçã podre... Ah, me desculpem! A comparação foi infeliz. O fato é que aprendemos a tirar proveito desta assimetria entre as cargas positivas e negativas de nosso mundo. Devidamente modulado, o campo elétrico de uma carga negativa pode continuar interagindo com eficiência com os grandes núcleos atômicos positivos e passar pelos diminutos elétrons como se eles fossem transparentes, invisíveis... inexistentes! Temos então uma carga negativa capaz de atrair cargas positivas sem repelir cargas negativas. Como todos os corpos normais que conhecemos possuem núcleos atômicos de carga positiva, eis aí nossa "gravidade artificial".

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A nave do século XXI atravessou o portal e passou rasante ao planetoide de 10 quilômetros de diâmetro. Não foi atraído por ele. Nem poderia: uma das grandes diferenças entre a pseudo-gravidade e a gravidade real era seu alcance! O "gerador gravitacional" não atuava segundo a lei do quadrado da distância! Na verdade ele decaía rápido, sendo esta uma das explicações de não existir uma atmosfera, nem tênue, na superfície do planetoide! Na verdade uma escolha inteligente das frequência harmônica de modulação poderia tornar o gerador pseudo-gravitacional atuante no raio de atuação que se desejasse...

Mas é claro que os tripulantes daquela nave antiga logo perceberam que aquela distribuição de pontos luminosos do planetoide não era natural, que havia alguma inteligência por trás daquilo. E duplamente surpreendidos, recém cientes de que sobreviviam de uma transformação desconhecida, uma viagem da qual praticamente nenhum pensava escapar ileso, pela primeira vez se preparavam para contactar uma inteligencia estranha, uma forma de vida nova e inesperada. Não sabiam como se comportar.

- Acho que... - o chefe de comunicações da nave estava aflito! Mas, vendo todos os olhos voltados para ele, sentia que era dele a decisão naquele momento! - Vamos enviar a saudação original! A que eles mandaram! A que nos copiaram! O "salvete" em latim!

"SALVETE QUICUNCA ESTIS...", começaram a repetir sem parar os rádios da nave. Que mais poderiam falar? O que encontrariam?

Dezenas de bólidos brilhantes os cercaram no espaço. Tentavam desesperadamente se comunicar, mas... era tudo incompreensível! Os códigos binários eram indecifráveis, de nível de entropia inalcançável! Aparentemente a compressão máxima de informação parecia ser praxe para eles. Não cogitavam outras possibilidades. Tentaram abrir canais de áudio, nenhum deles reconhecíveis! Percebia-se claramente um padrão idiomático de 15 vogais curtas e 8 longas, intercalados com 19 espécies diferentes de consoantes explosivas e um inimaginável repertório de 27 modulações nasais, demonstrando uma fisiologia neste meio que os humanos simplesmente seriam incapazes de reproduzir. Tentaram se comunicar em inglês, francês, coreano, japonês, mandarim, russo... várias línguas humanas, na vã tentativa de se fazer compreendido por alguma delas.

Pareceram enfim se renderem à universal linguagem científica, codificando vetores de força necessários para se deslocarem com segurança ao polo norte do planetoide. Amedrontados, seguiram à risca tais instruções... Afinal, eram apenas números! Aparentemente números eram corretamente compreendidos em qualquer língua, mesmo nas alienígenas!

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Ao pousarem com segurança no polo, verificar que temperatura, composição atmosférica e pressão eram adequados no exterior, abriram e sairão apavorados daquela nave do século 21. Falavam em inglês, entendendo ser uma língua comum. Pelo menos era em sua época. E, afinal, em que época estavam agora? Será que o próprio inglês já havia sido "inventado"?

- We came in peace!- o linguista descia pesaroso da plataforma da nave! E se mordia por dentro: "Por que logo eu, hein!"

Pousado dentro daquela câmera enorme, com a abertura polar fechada acima deles, um "cinzento" descia levitando do bólido. E ele, visto naquela luz, não era cinzento! Bem pálido, mas não era cinza! Cabeça cinza? Um pouco! Grande? Nada exagerado! Uma cabeça ligeiramente maior que a normal, com uma pele bem clara que poderia parecer cinza se observada na penumbra. Olhos enormes? Não, eram olhos normais, mas... Sim, tinhas iris enormes!!! Isto poderia com certeza dar a ilusão de olhos muito grandes!

- "Aerotovo iméa inchst knoliptrovkni aneia eros tuvinokstni... archktôvuik???"

O representante humano, sentindo toda a pequena humanidade de sua nave depositar nele todas as esperanças, se desesperou! Nada compreendeu! Nem fazia ideia do que lhe dizia o alienígena! Lamentou em inglês:

- Meu Deus do céu! Jesus, me ajude!, me conceda o dom das línguas! O que diz este extraterrestre, em pé, parado em minha frente?

A criatura recuou. Lhe deu as costas, voltou pra dentro da nave. Tudo parecia perdido!

- Pai nosso que estás no céu, santificado seja o vosso nome... - cristão, começou a rezar aflito.

Outra criatura desce do bólido. Curiosa, pergunta em inglês num intrigante sotaque alienígena, bem reconhecível apesar de estranho:

- Vocês falam Inglês Arcaico???

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(continua)