Fale-me sobre sua mãe

Dmitry Alekseev acabara de concluir um giro rotineiro pela nave, checando a integridade física do casco e as leituras de alguns instrumentos. Ao entrar na cabine de voo, viu uma lâmpada amarela piscando no console de navegação. Instalou-se na poltrona de pilotagem e apertou um botão. A lâmpada apagou-se e a tela do vidicom acendeu-se no console, mostrando o ícone de um relâmpago amarelo estilizado dentro de um quadrado negro de bordas arredondadas: comunicação direta, ou o mais próximo disso que se poderia obter naquela distância. Um número piscando na parte inferior do vídeo confirmou suas suspeitas: o retardo seria de pelo menos 10 minutos.

O ícone foi substituído pelo rosto sorridente de um homem de barba negra, o que contrastava com uma cabeça praticamente calva, cercada por uma coroa de cabelos cortados rente.

- Pioneiro Dmitry Alekseev? Eu sou o Dr. Lucjan Bosko, do Telesserviço de Saúde Mental. Como estamos numa conexão de longa distância com um retardo considerável, eu vou expor brevemente os motivos que me fizeram entrar em contato com você. Em seguida, você me dará a sua versão dos fatos. Devo avisá-lo de que li seus relatórios sobre sonhos recorrentes, e minha preocupação é que esteja estressado ou sofrendo um princípio de estafa. Como se sente, no geral? Física e mentalmente?

O rosto foi substituído pelo ícone de comunicação remota: estavam aguardando que dissesse alguma coisa.

Dmitry Alekseev recostou-se na poltrona, mãos cruzadas na nuca. Não estava estressado, tampouco à beira de uma estafa. Na verdade, desde que os sonhos recorrentes haviam começado, seu humor andava excelente. Muitas vezes tivera que controlar sua excitação, para poder adormecer e voltar à Paris fictícia onde sua mãe (falecida) e a adolescente que se denominara Sylvie o aguardavam.

Saiu da posição de conforto e, inclinando-se sobre o painel, apertou o botão que permitia a gravação de sua voz e imagem:

- Olá, Dr. Bosko. Não creio que eu tenha algum problema de ordem mental. Sei que pode parecer estranho, da forma como narrei no diário de bordo... a aparição da minha falecida mãe, inclusive... mas o que me parece claro é que estou sendo contatado por uma avançada civilização alienígena, capaz de comunicação telepática instantânea através de anos-luz de distância. Não há razão para alarme.

Soltou o botão e voltou a recostar-se na poltrona, mãos cruzadas na nuca.

"E se fosse um colega que viesse me contar essa história", ponderou Dmitry Alekseev, olhos fechados. "Bem, eu sonho todas as noites com uma garota que fala francês com sotaque da Normandia... e minha mãe, que está morta há mais de dez anos, também vem me ver. O que acha? Estou ficando doido?"

"Com certeza, você está precisando de umas férias", ouviu a resposta em sua mente.

"O que me sugere?"

"Paris. Vá para Paris. Pegue umas garotas - de verdade!"

O diálogo mental acabou com uma gargalhada. Dmitry Alekseev abriu os olhos, subitamente alerta.

Na tela do vidicom, ainda faltavam sete minutos para que o Dr. Bosko desse uma resposta.

[15-11-2013]