Bem-vinda à Camazotz

Acordou como quem vem à tona depois de um mergulho profundo, inspirando o ar num grande hausto. Arregalou os olhos. Tudo estava escuro, exceto pelo círculo de luz ao seu redor, delimitado por uma lâmpada incandescente que pendia de um fio sobre sua cabeça. A lâmpada balouçava suavemente, tangida por uma brisa ligeira que soprava às suas costas. Sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo, embora não fizesse frio.

Havia acordado sentada à uma mesa rústica de madeira, seu corpo apoiado numa cadeira de espaldar reto, também de madeira. O piso era de concreto, sem acabamento. Havia no ambiente um ligeiro odor de óleo combustível e graxa, como se estivesse numa casa de máquinas - sem máquinas à vista. Em algum ponto na escuridão ao seu redor, alguma coisa gotejava em intervalos regulares. E então ouviu passos pesados. Alguém se aproximava, vindo por trás dela.

- Quem está aí? - Perguntou, assustada. Torceu o corpo para olhar para trás e viu-o emergir das trevas e entrar no círculo de luz.

- O que faz aqui? - Perguntou ele, cruzando os braços.

O homem era baixo e já havia passado dos 40. O cabelo desgrenhado começava a rarear no alto da cabeça e as pontas de um vasto bigode castanho pendiam de ambos os lados da boca. Usava um uniforme caqui que lembrava o de um guarda de segurança, com uma estrela branca de cinco pontas rodeada por um círculo bordada no bolso esquerdo do casaco.

- Eu sou a operadora do turno do dia... - começou ela a dizer, a boca seca.

- Eu sei quem você é - cortou ele. - O que quero saber é porque está aqui.

- Eu vim pela Amanda...

Ele deu alguns passos, contornando a mesa, até ficar de frente para ela. Só então perguntou:

- Amanda lhe pediu que viesse?

- Não! Amanda não me pediu nada. Ela não sabe que estou aqui.

- Interessante - ponderou ele, descruzando os braços. - E como acha que ela vai reagir quando souber o que você fez?

- Eu ainda não fiz nada...

- Você veio até aqui - retrucou ele. - Não viria se não fosse para pedir alguma coisa.

- Sim... é verdade - disse ela, olhos baixos. - Eu vim... pedir uma segunda chance.

- Aí está! - Exclamou ele com um sorriso sardônico. - Se Amanda quisesse uma segunda chance, não acha que ela mesma viria pedir isso?

- Amanda é muito orgulhosa - respondeu. - Mas eu creio...

Refez a frase ao encará-lo nos olhos pela primeira vez:

- Eu sinto... que ela vai morrer se não tiver uma segunda chance.

Ele sustentou-lhe o olhar, impassível. Mas algo mudou no seu tom de voz quando perguntou:

- Está tão mal assim?

A operadora lembrou-se de Amanda curvada sobre a mesa de trabalho, o corpo sacudido por soluços.

- Ela chora o tempo todo. Amanda não se perdoa.

Ele balançou a cabeça em concordância, vagarosamente.

- Ela também não vai te perdoar.

Foi só então que a operadora soube que havia ganho a causa.

[09-11-2013]