A receita do bolo

Guba Nobu Dasomon desembarcou de um pequeno helijato no topo de um dos edifícios que ladeavam o espaçoporto de Tissara. Alguns andares mais abaixo, estava localizado o escritório comercial que contratara para lhe assessorar na busca de uma nave de pequeno porte e sem Inteligência Artificial embarcada, que pudesse usar para ensinar o filho pequeno à pilotar. A espera chegara ao fim no dia anterior, quando recebera uma ligação do agente de negócios. O que lhe fora adiantado, contudo, era inconclusivo.

- E então, Nor Tatsun Balor? - Perguntou ao agente, que estava à sua espera no heliponto.

- Vamos vê-la já - assegurou-lhe Nor Tatsun, conduzindo-o para o elevador.

Desceram até o térreo e saíram pelo saguão principal para a rua, onde um turbomóvel automático os aguardava. Após sentarem-se no banco traseiro, o agente indicou a direção de um complexo de estaleiros astronavais próximo, onde o sobrevoo e pouso de aparelhos civis era restrito.

- Ontem você me deu mais evasivas do que respostas - disse Guba Nobu. - Imagino que seja para inflacionar o valor da sua descoberta...

- Sr. Dasomon! - Respondeu o agente com ar ofendido. - Nós assinamos um contrato, as cláusulas são muito claras. Mas, se quiser desistir dele, eu abro mão da sua multa rescisória.

Guba Nobu não tentou disfarçar a surpresa:

- Mas você me disse que havia tido custos adicionais de transporte... e mesmo assim estaria disposto a abrir mão da multa?

- Naturalmente! Qualquer museu no Espaço Conhecido me pagaria uma bela soma pelo brinquedo que vou lhe mostrar. Mas, vou respeitar o nosso contrato. A opção de compra é sua.

"Aí tem coisa", pensou Guba Nobu. Mas não disse nada.

O turbomóvel parou na entrada do estaleiro e os ocupantes desembarcaram. Na recepção, um robô encaminhou-os até um dos hangares de manutenção. Finalmente, Guba Nobu viu-se frente à frente com a oferta de Nor Tatsun.

- Estou impressionado - disse, após alguns instantes silenciosos de contemplação.

Um sorriso de satisfação abriu-se no rosto ao agente.

- Não é tudo o que eu lhe disse?

- Externamente sim. Parece realmente nova... oito mil anos, você disse?

- Sim, 8 mil anos de idade. Mas fez apenas um único voo. Pode considerar como nova.

- Não estou entendendo - reconheceu Guba Nobu. - Como você disse, qualquer museu daria uma fortuna por um aparelho tão antigo e... ao menos externamente... em tão bom estado de conservação. Mesmo assim quer vender para mim?

- Sr. Dasomon, - retrucou o agente. - Dependo da minha credibilidade para continuar nos negócios. Eu até poderia vender esta nave para um museu, mas provavelmente seria preso como falsário.

- Como assim? Não é uma nave de verdade? É um modelo, uma réplica?

- Não, não. É uma nave de verdade sim - respondeu calmamente Nor Tatsun. - Não a testei ainda, mas posso jurar que vai voar como se tivesse acabado de sair da fábrica.

- E então?

- Já ouviu falar que uma réplica perfeita demais acaba tornando-se o objeto representado?

- Sim, mas...

O agente apontou para a pequena nave apoiada em três trens de aterragem articulados.

- Até hoje, isto é o que eu vi que mais se adequa a essa proposição. Quem a fez, queria uma reprodução perfeita de uma nave de Pioneiro. A reprodução é tão perfeita que penso que poderia enganar até o próprio piloto do original.

- E como descobriu que se tratava, ah... de uma réplica?

- Hoje temos tomografia quântica, Sr. Dasomon. Posso descer ao nível dos detalhes subatômicos. O que, aliás, qualquer museu faria. É por isso que lhe deixo a opção de compra. Esta nave não é tão boa quanto uma nave de Pioneiro... é melhor!

- Muito generoso de sua parte manter sua palavra - ponderou Guba Nobu. - Mesmo como réplica, poderia obter preços maiores do que o que eu poderei lhe pagar.

- Sr. Dasomon, - disse o agente com tranquilidade - esta nave é como se fosse um bolo.

E abrindo um vasto sorriso:

- Mas eu não quero o bolo. Eu quero a receita dele.

[03-11-2013]