Conversando sobre poesia com o taxista

A estrada era longa e a conversa rendia. Depois da primeira parada para tomar um café e esticar as pernas, Dmitry Alekseev Siyankovsky sentara-se no banco do carona, de onde podia bater papo sem desviar a atenção do motorista.

- Gosta de poesia, camarada taxista?

- Oh... acho que só dos clássicos, Monsieur.

- Baudelaire, Rimbaud, Verlaine?

- Victor Hugo, Lamartine, Gérard de Nerval.

- Ah! ESSES clássicos! Mas é engraçado você ter falado em Nerval...

- Engraçado, Monsieur?

- Não no sentido do conteúdo em si - ponderou Dmitry Alekseev. À frente deles, a autoestrada A13/E5 parecia estender-se ao infinito, ladeada pelos campos verdes da Alta Normandia. - Essa mulher de que lhe falei, a americana - o nome dela é Aurelia.

O taxista deu uma risadinha.

- E essa Aurelia é atriz?

- Aí também seria demais, camarada taxista. Mas eu a conheci em Paris. Aurelia é uma herdeira rica, de uma dessas famílias tradicionais da Nova Inglaterra.

- Mas não é a garota dos seus sonhos, não é, Monsieur? - Filosofou o taxista.

- Aurelia acha que pode me prender à Terra. Não a culpo, não seria a primeira que surge em meu caminho com esse intuito.

- O seu espírito de aventura o arrasta de volta as estrelas...

- ... e depois as mulheres me atraem de volta à Terra. As mulheres são o meu periastro, camarada taxista.

- Mas nenhuma conseguiu convertê-lo em satélite, correto, Monsieur?

- O periastro é onde a velocidade orbital aumenta, camarada taxista. Eu me aqueço ao Sol e depois volto correndo para as profundezas geladas do espaço!

O taxista balançou a cabeça com expressão divertida, e indagou em tom provocador:

- Então, Monsieur, por quê está indo para Marne-la-Vallée? Já não se aqueceu o bastante ao Sol?

- Vou para me despedir da Aurelia; ela vai assumir a direção de um hotel em Maskelyne, na Lua Velha. E por ela, eu iria junto, embora imagine que conseguir uma passagem de última hora para a Lua seja uma missão quase impossível.

- Com o devido respeito, isso não é problema para um Pioneiro, Monsieur. Bastaria pegar a sua cosmonave em Le Bourget e chegaria lá antes do voo comercial.

- É por isso que eu não estou indo para Le Bourget, camarada taxista - ponderou Dmitry Alekseev.

E depois de um curto intervalo:

- Eu tenho um amigo dos tempos da Academia, Buranek, que formou-se e nunca mais saiu da Lua. Quer dizer, ele vem à Terra para ver a família, essas coisas. Mas escolheu seguir carreira lá, viver lá. Dizia que não havia nascido para enfrentar o mar. Preferia ser faroleiro.

- É prudente reconhecer as próprias limitações, Monsieur - disse o taxista.

- Eu não sei se chamaria isso de "limitações" - retrucou Dmitry Alekseev. - Foi uma escolha que ele fez. Para o Buranek, esses 400 mil km que separam a Terra da Lua são todo o espaço de que ele necessita. Para mim, que sou um peixe do oceano, é como ter que passar o resto da minha vida nadando num aquário.

E, de olhos fitos na estrada em frente:

- É por isso que vou para Marne-la-Vallée, camarada taxista: para me despedir de Aurelia. E lhe dizer que os meus horizontes vão além da órbita da Terra.

O taxista balançou a cabeça em concordância.

- Ainda não foi desta vez que a força da gravidade o segurou neste planeta, hein, Monsieur Pioneiro?

- Não, camarada taxista - concordou Dmitry Alekseev. - Nem neste, nem em nenhum outro...

[17-09-2013]