MULHERES DE BRANCO

MULHERES DE BRANCO


Miguel Carqueija



Numa noite tempestuosa de janeiro Ícaro Tambellini aproximou-se pingando de sua residência que era uma casa velha de subúrbio dando diretamente para a rua, mas ao entrar e acender a luz espantou-se ao deparar com dois homens completamente estranhos que se encontravam de pé e olhando para a porta, como se já o estivessem esperando no escuro e naquela atitude.
- O que é isso? Quem são vocês? – Ícaro voltou-se para a porta, que acabara de fechar a chave, mas um dos homens, o mais corpulento, falou:
- Eu não faria isso. Temos de conversar sobre a revista.
Só então ele percebeu que os dois usavam costumes negros, inclusive chapéus e sobretudos.
Os temidos “men in black”... a revista já falara deles mas Ícaro, como um dos redatores, duvidava que realmente existissem.
O mais baixo, como a sublinhar o ultimatum do colega, exibiu uma 38:
- Afaste-se da porta, brother. Nós não viemos com intenções violentas.
- Está se vendo... – balbuciou o jornalista, mirando o cano do “três-oitão”. – O que querem então?
- Vamos sentar e conversar. Não precisa nos oferecer nada.
Ícaro não tencionava mesmo oferecer nadinha a eles e anuiu silenciosamente.
- Simplesmente – disse o homem maior, que permaneceu em pé enquanto o outro sentava numa poltrona – a sua revista não deve publicar a matéria sob a sua responsabilidade, a respeito dos etês de Laguna.
- Ora essa! E por que não?
- Senhor Tambellini. O senhor é um homem inteligente. Há muita coisa, nessa reportagem, muita inconveniência perturbadora, coisas incertas e perigosas que não devem ser tratadas em público.
- E por que não? Vocês não representam o nosso governo. Não com esse sotaque.
- Isso não importa – disse o homem sentado. – Nós representamos a humanidade inteira.
- Isso eu duvido. Vocês simplesmente são aqueles que não desejam que a verdade venha à tona. Mas como diz o Chris Carter, “a verdade está lá fora” e vocês simplesmente não querem que ela chegue ao nosso planeta.
- Não temos tempo para filosofar – disse o homem de pé. – O senhor, evidentemente, não está pronto para compreender a complexidade desse assunto. O senhor está pondo a mão num ninho de marimbondos.
- Bush e Lula estão de acordo com vocês?
- Isso é outra coisa irrelevante. Se esta reportagem vier a ser publicada as consequências poderão ser altamente desastrosas e o senhor não gostará de ter o resultado a seu débito. Portanto, a reportagem não sairá.
- E se eu não obedecer e a publicar de qualquer maneira? Afinal, nem sei quais são as credenciais de vocês ou da sua agência.
- Esqueça os filmes do Spielberg – falou o mais baixo, que se mantinha de arma em punho. – Não somos uma organização de palhaços; o senhor deverá nos levar a sério.
Ícaro pensou, aflito, em como poderia ganhar algum tempo. Por que não ocorria alguma interrupção? Um celular que chama, uma campainha que toca...
- O MESMO DIZEMOS NÓS!
A interrupção almejada viera, milagrosamente! Brutal, de chofre. Ícaro olhou para o cortinado que ocultava o corredor que levava à cozinha e à copa; de trás dele haviam-se
materializado duas mulheres que à primeira vista pareciam médicas, com uniformes alvos. Porém médicas não costumavam portar armas pesadas, submetralhadoras.
- Você, largue a arma! Ninguém se mova!
O aturdimento tomara conta dos homens de preto. Aquele que portara a pistola teve de jogá-la no chão. Coberta pela loura, a coreana baixou-se e confiscou a 38.
- Vocês de novo! – explodiu o homem alto. – Não podem desafiar o nosso poder!
- Já estamos desafiando – ripostou a coreana. – Estrela, passe o pente fino!
- É pra já, Ariel.
- Como entraram aqui? – indagou o mais baixo.
- Ora, da mesma forma que vocês!
- Eu posso saber quem são? – perguntou timidamente Ícaro.
- Ora! Eles não são os homens de preto? Pois nós somos as mulheres de branco! – esclareceu a sueca.
- Deve estar gracejando – disse o rapaz, embasbacado.
- O que! – exclamou aquela chamada Ariel. – É claro que nós existimos. Não somos tão antigas quanto os “men in black”, mas as “woman in white” são reais. Deve estar se perguntando o que nós somos. Bem, nós somos o reverso dos homens de preto. Somos contra ocultar a verdade e propagandear a mentira. A humanidade tem o direito de saber que disco voador existe e que as suas reais intenções são obscuras.
Terminaram de “limpar” o arsenal particular dos homens e a coreana virou-se para o espantadíssimo Ícaro:
- Preste atenção: você vai ser testemunha de um espetáculo raro!
Estrela, sem deixar de empunhar a submetralhadora com a destra, retirou um objeto que parecia uma pequena luneta da algibeira peitoral de seu costume branco e apontou-o para os homens de preto. Estes, como em desespero de causa, avançaram de súbito; mas uma luz verde apanhou-os, imobilizou-os e rodeou-os com uma esfera transparente que ficou pairando a um metro do solo. Dentro eles se debatiam contra a película verde e gritavam a plenos pulmões, porém nada se escutava.
- O que vocês fizeram? – indagou Ícaro, já no último grau de estupefação.
- Nós os aprisionamos num campo de força – explicou Ariel, sorridente. – Temos um caminhão aí fora, na esquina, vamos estacioná-lo bem na sua porta e metê-los no compartimento de carga. Você não precisa se assustar: não vamos matar os dois sacripantas, vamos só provocar neles uma amnésia temporária e soltá-los lá pelo cais do porto. Eles não se lembrarão de você.
- Se tudo isso é verdade eu terei muito que agradecer a vocês. Mas me digam: vocês acham que podem vencer essa gente? Eles representam os poderes oficiais do mundo!
- Não se pode represar o oceano, meu caro. Mais dia, menos dia, a verdade toda virá à tona. Espere e verá.


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FAREI MEU DESTINO de Miguel Carqueija é uma fantasia mística lançada pela Giz Editorial. Uma versão futurista da "deusa da Lua" (Diana) num mundo futuro decadente e devastado.
Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 09/09/2013
Reeditado em 16/08/2021
Código do texto: T4473945
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