A VOLTA PARA CASA
A volta para casa.
Por ser tão ilustre passageiro, o capitão Duarte convidou Alan para assistir a partida na ponte; onde mais seis tripulantes de comando ocupavam seus postos.
A partida de uma nave desse porte é sempre um acontecimento e até os funcionários do restaurante da estação foram às janelas do promenade a vê-la soltar-se das garras de atracação e afastar-se, puxada pelos rebocadores.
Luzes de sinalização disparadas por naves mercantes ancoradas nas imediações foram respondidas. Salvas de artilharia cruzaram o espaço, na homenagem das belonaves ancoradas no setor militar. A Patagônia agradeceu, acendendo e apagando duas vezes todas suas luzes,
então os rebocadores se afastaram e a nave foi acelerando em manobra máxima, endireitando o rumo, até que numa grande luminosidade, ligou os motores de impulso e desapareceu da vista.
Lá embaixo, em Nova Chile; uma bela mulher; com seus filhos pequenos olhava o céu noturno através da cúpula da sua nova casa:
–Vejam, meninos!
–Onde, mãe? – disse a menina.
–Em Phobos, junto da estação!
Uma estrela alongava-se até desaparecer.
–A nave em que viemos! – disse o menino – Está partindo!
–Partir é o mesmo que morrer – disse Norah.
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12 de maio de 2019 – (190512)
Após uma viagem prazerosa; Alan Claude, no observatório do salão de fumar contemplou a Terra outrora azul. Nuvens prateadas cobriam a superfície do hemisfério norte e um pó cinza, deslocava-se em redemoinhos, deixando ver às vezes uma crosta de neve, e na parte noturna, um brilho ameaçador.
A visão não durou muito, porque a nave embicou para o espaço-porto orbital suspenso acima da Cara Oculta, e a Lua ocultou a Terra para tormento daqueles que ao igual que o coronel haviam permanecido vários anos no espaço profundo.
Saber que estava tão perto era arrepiante. Quando Alan passou pela alfândega, o fez como um zumbi e só acordou ao chegar ao departamento de carga e assinar as formalidades para pegar a AR-1 nos porões da Patagônia.
Decolou sem se despedir e situou-se em órbita; sem saber se alunissar e passar umas horas em Port Armstrong ou ir direto à Terra. Os minutos foram se passando e ele não se decidia. Por fim a órbita o levou ao outro lado.
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A Terra perdera sua beleza.
Ligou os manobradores e acelerou a um quarto. Em vinte minutos estava em órbita à Terra, na altura do equador. Começou a espiral descendente. Era a primeira vez que uma patrulheira AR-l cortava o ar terrestre.
Estava sobre o Atlântico Sul na frente da África, quando apareceram interceptores franceses, ingleses, norteamericanos...
A serviço da ditadura, talvez? O rádio estremeceu com as intimações em varias línguas para que se identificara.
–I am colonel Alan Claude Sarrazin and this is the Martian spacecraft of patrol C1H2 Henna, coming back from Saturn – disse Alan.
–De Saturno?... Essa é boa! – respondeu uma voz em inglês – Aterrisse sem truques na base das Nações Unidas no Saara, seu espertinho!
–Nações Unidas...? Isso existe ainda...? Negativo! – respondeu – Tenho hora marcada com meu dentista em Antártica.
–Seu engraçadinho! Obedeça ou será abatido!
–Não gostei do seu tom de voz. Deixe-me em paz.
–Último aviso!–latiu a voz.
–Que medo! Minhas mãos estão tremendo!
–Mas que petulância! – gritou a voz – Fogo!
O coronel ligou o escudo e esperou que os mísseis se espatifassem.
–Vocês não têm chance, seus lacaios!
De imediato, Alan Claude rumou para o sul, com a esquadrilha atrás.
–Não quero matá-los. Deixem-me em paz!
Outros mísseis partiram no seu encalço, atraídos pelo calor da AR-l.
–Mudei de idéia. Vou matar alguns de vocês! – ele virou em redondo.
Alan disparou varias rajadas de laser e derrubou quatro caças, que afundaram no mar, deixando dois sobreviventes para contar a história aos seus chefes.
–Fujam com o rabo entre as pernas, lacaios!
Dito isto, entrou em picada no mar e desapareceu nas profundezas.
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O espanto dos pilotos sobreviventes foi total.
A patrulheira feita para espaço, ar e água, sumiu de vista e do radar. Uma coluna de água suja elevou-se a considerável altura, marcando o lugar onde o coronel havia mergulhado.
Depois de dar várias voltas no local, os dois caças restantes rumaram para sua base, comunicando que o inimigo fora derrubado.
Embaixo, os potentes holofotes de pouso mostraram que a sujeira só estava na superfície. Cinqüenta metros mais embaixo o mar estava limpo.
Alan acelerou rumo sul para chegar quanto antes a Cidade Antártica sem mais interferências e notou que quanto mais ao sul, menos sujeira havia.
Três horas depois, os sensores indicaram que já era tempo de subir á superfície. A camada de gelo acima de sua cabeça não impedia o passo da luminosidade. Disparou os lasers paralelos fazendo a água ferver e o gelo derreter.
Logo disparou o canhão e abriu o gelo. Acelerou e saltou para cima, no meio de uma nuvem de vapor. De novo estava no ar, agora sobre o mar de Ross.
Não demorou muito em aparecer uma esquadrilha de caças CH-2.
–¡Identifíquese! – disse uma voz em espanhol.
–¡Coronel Sarrazin de Saturno! ¿Seré bien recibido, o tendré que combatir?
–Descanse el gatillo, coronel. Use la pista de visitantes.
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O presidente Marcos estava ansioso para ter notícias de Saturno e de seu irmão Aldo. A entrevista prolongou-se varias horas... Até Alan Claude cansar.
–Agora você já sabe tudo o que devia saber, Marcos. Antes de ir a dormir um pouco, quero saber alguma coisa daqui. Pelo menos para ter uma idéia. Faz seis anos que falto de casa. E fui mal recebido.
–Lamento, coronel. Mas não foi possível lhe avisar da situação.
–Que situação?
–Rapaz...! A Terra está uma mixórdia!
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Depois do Apocalipse.
A apenas seis meses do armistício após uma guerra de quatro anos, a situação mundial pouco havia mudado. Na América do sul, Austrália e África ainda havia uma ordem relativa em comparação ao resto do mundo. Marcos enviara batedores em pequenos caças CH-2 para percorrer o orbe e trazer um relatório coerente da situação mundial.
O governante dos Estados Unidos escapara da morte ao render-se em 4 de julho de 2018. Mas as hostilidades continuaram isoladas até novembro, quando foi assinado um armistício entre Estados Unidos e Marte.
No hemisfério norte já não havia mais serviços públicos. O povo revoltara-se contra o governo militarista que perdera uma guerra iniciada por ele mesmo; uma guerra que ninguém queria, após saber-se do conluio dos traidores com os aliens cinzentos.
A caçada aos traidores ainda estava em curso neste mês de maio de 2019 e torrentes de sangue escorriam nas ruas das cidades americanas e européias onde se encontrava a maioria deles. Algumas emissoras de rádio ainda transmitiam, incitando o povo a degolar os traidores, agora indefesos. Bandos de desertores armados assolavam os caminhos em busca de comida e munição, matando suspeitos de serem traidores e demarcando territórios, neste mundo pós-apocalíptico.
América do Norte regredira ao tribalismo. Bandos armados enfrentavam-se nas cidades em ruínas; brigando por comida, água, munição e combustível para se aquecer no inverno nuclear.
Famílias inteiras em busca de comida e abrigos emigravam para o sul em carros, caminhões, motocicletas e até bicicletas, pretendendo chegar à fronteira mexicana que estava fechada e onde os intrusos eram impiedosamente fuzilados pelos mexicanos que pretendiam impedir a entrada de contaminados de radiação.
Seres cobertos de feridas com a pele caindo aos pedaços vagavam sem rumo pelas ruas das cidades abandonadas. Mães loucas, amamentando monstros com seus peitos secos, esperavam a morte, sentadas nas calçadas, enquanto bandos de desesperados armados de pedras e paus, buscavam algo para comer.
O presidente Arbusto, após render-se e mandar seu exército depor as armas;tentou reorganizar o país desde seu quartel geral nas montanhas rochosas por médio de transmissões de rádio, logo depois que seu estado maior executou na sua frente os assessores civis e ministros membros do grupo de traidores que vendera o planeta aos cinzentos.
Os militares deram um golpe branco contra o presidente e este agora tinha apenas poder simbólico. A Europa estava na mesma situação. A Rússia estava um pouco melhor graças ao seu enorme território e já se pensava em fazer uma aliança com Antártica, à qual agora reconhecia como nação.
A destruição do mundo só não foi total devido a que noventa por cento dos mísseis nucleares foi destruído ainda no espaço pelos canhões orbitais. A intervenção de Marte foi principalmente no espaço e só em alguns lugares da Terra. Os marcianos não suportavam a pesada atmosfera e a forte gravitação terrestre por muito tempo.
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“Naqueles dias, os homens buscarão a morte e não a encontrarão; desejarão morrer e a morte fugirá deles” (Apocalipse 9:6).
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“Foram queimados por um grande calor e blasfemaram do Nome de Deus, que tem poder sobre estas pragas e não se arrependeram para lhe darem glória”.
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“... e blasfemaram do Deus do Céu por causa das suas dores e úlceras, e não se arrependeram das suas obras”. (Apocalipse 16:9-11)
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O gabinete de Marcos estava provido de uma tela de parede, onde aparecia o mapa interativo do mundo com os setores livres de radiação.
–Como vê, coronel, a nuvem mortal alastra-se lentamente para o sul – disse o líder antártico – nos últimos quatro anos quase chegou ao equador.
–Minha cidade... Porto Alegre, Rio Grande do Sul... Ainda está segura?
–Brasil ainda está a salvo, coronel. Mas há radiação mínima por toda parte. E há muito câncer por aí. O ar livre não é mais seguro. Inclusive aqui. Já apareceram pingüins deformados. Logo nossa ave...! Nosso símbolo nacional...!
–Então é grave.
–Dentro da cúpula de Antártica estamos a salvo. Além disso, temos câmaras descontaminantes, que vieram de Marte. Mas no hemisfério norte, a morte por radiação chega logo, cinco meses, mais ou menos...
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“... e foi dado que não os matassem, senão que os atormentassem cinco meses; e seu tormento era de escorpião quando fere ao homem”.(Apocalipse 9:5)
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–Ainda assim, devo ir a Porto Alegre. Quero ver pessoas de minha família.
–Faça como quiser. Mas não traga ninguém aqui e não se contamine com radiação, coronel. Aqui só entra gente limpa. Já derrubamos naves de amigos, de aliados... Gente que combateu a ditadura...
–Como meu pai?
–Martin não estava contaminado. Mas não está na Terra. Consta-me que foi para a Lua, ao complexo INDEVAL, para levar uma nave capturada aos aliens.
–Ele esteve em Saturno e agora deve estar em Júpiter.
–Então vocês se encontraram depois de... Quanto tempo? Vinte anos?
–Vinte e um; mas quando ele chegou à Cidadela eu estava no espaço profundo testando uma nave xawarek. Ele ficou poucos dias. Quando voltei, ele já partira.
–Uma pena.
–O que sabe da esquadra de Skywars-U que não acatou o armistício? Tive uma refrega com piratas que atacaram a Patagônia perto de Marte.
Marcos suspirou longamente antes de responder.
–A frota combinada derrotou a maior parte. A USS Endeavor foi capturada pelos comandos lunares de Nova Argentina. A USS Challenger II e a USS Columbia II foram destruídas perto da lua pelos marcianos, mas a nave capitânia, a USS Enterprise do capitão Eugene T. Rodden escondeu-se na camuflagem com mais um número desconhecido de naves similares e a perdemos. Está fora do alcance dos sensores marcianos e antárticos. Aquele homem é um demônio.
–Por isso a frota combinada permanece em patrulha constante?
–Sim, em volta da Terra e da Lua, esperando o próximo movimento deles.
–Eles costumam atacar com freqüência?
–Não com tanta freqüência como no tempo da guerra. Nos últimos seis meses houve apenas 22 ataques.
–Apenas?
–Não todos vitoriosos. Os nossos resistiram e os colocaram a correr 14 vezes.
–Devem estar desesperados.
–Sim. Eles não têm linhas de suprimento e atacam as nossas.
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Brasil, 13 de maio de 2019 – (190513).
Alan radiou sua senha de identificação e pousou na base aérea da Força Aérea Espacial Brasileira de Canoas, perto de Porto Alegre, onde foi recebido com alegria pelos velhos camaradas após sete anos de ausência.
Sua patrulheira AR-1, fabricada em Marte, mas incrementada com tecnologia milkara e xawarek, foi o centro das atenções. Após apresentar seu relatório ao comandante, houve uma festa de confraternização. Uma grande quantidade de colegas estava maravilhada pelos relatos e ansiosa para fazer parte da grande aventura na fronteira final.
À noite, Alan foi convidado a um jantar na residência do Brigadeiro do ar Carlos Frederico Zenkner, o qual queria saber mais sobre a próxima missão a Vênus.
–Acreditamos que os xawareks estejam estabelecidos por lá, senhor. O doutor Valerión foi categórico quanto a isso, ele acha que o planeta é habitável e a ditadura nos enganou por cinqüenta anos...
–E você pretende ir lá sozinho, coronel?
–Essa é a idéia; senhor.
–Que idéia mais tola. Só pode partir de quem não tem medo de morrer.
–Ninguém mais quis me acompanhar, senhor.
–Aqui há gente que daria um olho, só por estar no seu lugar, coronel.
–O senhor, por exemplo?
–Eu daria um olho, um braço e uma perna, para lhe acompanhar, mas acho que assim não serviria de muito.
Alan sorriu. Estava mais á vontade. O Brigadeiro prosseguiu:
–Não posso sair daqui, ainda há perigo, o fim da guerra foi nebuloso e não descartamos a possibilidade de invasão por parte daquela gente desesperada do norte. Mas posso colaborar com você; posso lhe fornecer um tenente piloto experimentado em combate, com conhecimento de sistemas, para ser seu co-piloto.
–Seria de grande ajuda, senhor. Obrigado, senhor.
–Não me agradeça, ainda não sei se você vai aceitar essa pessoa.
–Qualquer homem da base que o senhor recomende, está ótimo para mim.
–Já mandei um homem para o espaço, coronel. Deve conhecê-lo; meu filho foi engenheiro chefe da Audaz e depois da Milenium... Marcio Zenkner.
–Claro, eu fui piloto de caça da Milenium. Ele assistiu comigo a aula magna do doutor siriano Zyphran Kohuáscar em Rhea. Se tiver outro filho tão capacitado e talentoso como ele, já pode dizer-lhe para fazer as malas e embarcar na minha nave.
–Tenho, sim... Imagino que o presidente Marcos tenha lhe advertido quanto a levar pessoas possivelmente contaminadas para o espaço...
–Sim. Mas não detectei radiação alta demais em Porto Alegre e em último caso, tenho uma eclusa descontaminante na patrulheira.
–Quando pretende partir?
–Amanhã de manhã, após abastecer oxigênio. Meus familiares e minha mãe estão em segurança em Antártica. Nada me segura aqui. Antes de partir quero dar uma olhada na Terra, porque preciso terminar de completar meu informe.
–Entendo. Você tem uma armadura espacial sobressalente?
–Tenho quatro. Quando poderei conhecer seu outro filho talentoso?
–Amanhã cedo seu co-piloto estará na pista com a bagagem e a ordem de embarcar, batendo na eclusa da sua patrulheira. A que hora você acorda?
–Acordarei com a Diana da base, às cinco horas.
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Iara.
Alan acordou antes do toque de Diana e preparou seu café na pequena cozinha da patrulheira. Dormira muito bem depois da noite de massas e vinhos na residência do brigadeiro Zenkner. A nave fora abastecida e municiada no dia anterior. Faltava filtrar oxigênio e decolar.
Terminou o café com torradas ao mesmo tempo em que o sistema avisava que a filtragem estava completa. Tomou banho e envergou a roupa interior de algodão e o macacão reforçado. Vestiu a armadura e terminava de amarrar o cinto de utilidades quando ouviu uma discreta batida no lado de fora. Após um segundo de confusão, lembrou que esperava visitas. Foi até a eclusa e a abriu.
–Tenente Zenkner? – disse antes de olhar para fora.
–Tenente piloto de primeira classe Iara Lívia Zenkner se apresentando para embarcar, senhor. Permissão para subir a bordo.
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A tenente piloto Iara Lívia Zenkner era uma mulher de cabelo aloirado, longo, ordenadamente recolhido num coque regulamentar atrás da nuca. Seus olhos cinzentos tinham a frieza de quem viu muita gente morrer. Sua pele branca, seus lábios róseos e seu rosto perfeito sem qualquer maquiagem; lembrava aquelas bonecas de cabelo liso com que as meninas brincavam no século passado; um século em que as crianças podiam brincar sem medo de que uma bomba nuclear caísse encima de suas cabeças.
Sua voz era delicada e suave, porém firme como correspondia a seu cargo. O uniforme azul cinza da FAEB caia-lhe como uma luva, destacando seu belo corpo, bem proporcionado graças a muitas horas de ginástica e treinamento de campo.
Passada a surpresa inicial, Alan disse:
–Permissão concedida, tenente.
Iara pegou sua bagagem e sua mochila regulamentar e as colocou na eclusa, Alan as pegou e estendeu a mão à jovem.
–Obrigada; coronel.
–Fique um pouco de pé aqui na eclusa, por favor – disse Alan após fechar a porta exterior – preciso examiná-la. Feche os olhos, a luz pode ser forte para você.
–Sim, senhor.
Alan passou ao outro lado e ligou o controle de descontaminação. O scanner de radiação passou de cima a abaixo e vice-versa, e os raios de descontaminação fizeram sua varredura. Em menos de dois minutos Alan abriu a porta interna e disse:
–Está limpa; tenente. Pode abrir os olhos e passar para dentro.
–Sim senhor.
–Escolha um beliche para colocar sua bagagem, enquanto acho uma armadura espacial que sirva em você.
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Terra de ninguém.
Alan sentou-se na poltrona do piloto e solicitou permissão para decolar. Iara já estava de armadura completa na poltrona do co-piloto, examinando os controles com os quais não estava totalmente familiarizada.
Uma vez no ar, passaram sobre a cidade, numa volta de despedida.
–Antes de ir para cima, vamos dar uma olhada por aí, tenente...
–Sim senhor. O brigadeiro explicou-me a missão.
–Ótimo. Então podemos começar. Alguma pergunta?
–Aonde vamos primeiro?
–Quero ver como está passando o território de nosso inimigo.
Iara quase tremeu de felicidade. Por primeira vez em sua vida sobrevoaria um território hostil. Até agora só tinha participado em missões de defesa.
–Devo registrar dados?
–Sim. Preciso enviar todos os informes possíveis para Saturno.
–Enviar por rádio desde o espaço, senhor?
–Não. Com um torpedo programado, porque não voltarei tão cedo para lá.
–Gostaria de conhecer Saturno – disse ela, divagando – e também os demais planetas, é claro, senhor.
–Cuidado com o que você deseja, tenente.
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Por volta das oito da manhã atravessaram o equador sobre o Brasil. O céu estava fechado e cinzento. Os índices de radiação no exterior na nave aumentavam perigosamente. As oito e media passaram sobre Cuba e o Caribe, avistando a costa sul dos Estados Unidos, coberta de neve. Alan ligou os sensores externos.
–Parece que o inverno nuclear os pegou de vez. Até você conhecer estes instrumentos, vou operá-los. Preste atenção no que faço e pergunte o que quiser.
–Sim, senhor.
Pouco depois sobrevoavam a imensa destruição e mortandade a uma altura de menos de cinco mil metros sem que ninguém os interceptasse. Os sensores registravam todas as minúcias do território da que uma vez foi a nação mais poderosa da Terra.
As telas telescópicas e os microfones de longo alcance registravam apenas parte da realidade; bandos de desesperados em lutas nas ruas por comida, mortos apodrecendo nas ruas, incêndios, caravanas de pessoas...
–E eu achava difícil morar em Porto Alegre... – murmurou ela.
–Entendo como se sente.
De repente ouviu-se a voz metálica do sistema:
–Fomos enquadrados por baterias.
–Computador! Sistemas de defesa! Levantar escudos, carregar lasers!
Iara sentiu a adrenalina invadir seu corpo.
–Há mísseis por bombordo, coronel. Manobras evasivas?
–Não. Vamos destruí-los.
O sistema automático de defesa localizou e destruiu dois mísseis e logo outros dois. Não houve mais ataques.
–Parece que eram os últimos de um bando de desesperados – disse ele.
–Dignos de pena.
–Em outra ocasião sentiria pena, tenente, hoje não. São uns ignorantes que aceitaram a marca e você sabe o que acontece com quem faz pacto com o Diabo.
–O resultado está lá embaixo – disse ela estremecendo.
–Aqui não há mais nada para ver. A informação foi gravada no sistema. Vamos prosseguir para o norte, quero ver a Rússia.
Alan acelerou e em minutos passavam sobre o pólo norte, avistando a costa de Ásia, completamente branca, apesar de ser maio. Não divisaram cidades devastadas, até porquê o território era extenso demais.
–Ah!... Nos pegaram, coronel. Migs 2211 por estibordo.
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Após dois Migs derrubados, a patrulheira prosseguiu seu vôo em linha reta ao redor do mundo, agora ao sul, passando por cidades ainda em chamas, provavelmente produzidas por disputas internas, como em Estados Unidos e Canadá. Não houve mais tentativas de interceptação.
–Vamos continuar até o Himalaia, tenente.
–Parece que não há nada mais para ver – disse ela.
–Concordo. Há uma desolação bem monótona.
As terras estavam arrasadas e os mares poluídos. Aviões de países outrora civilizados; carregados de dissidentes atravessavam o mar para descarregá-los sobre os tubarões; eram aqueles que no século passado horrorizavam-se disso e agora o faziam abertamente. Tudo para eliminar competidores a uma ração de batatas podres, arroz e farinha contaminada.
O canibalismo tinha voltado a África e a certas regiões da Ásia. Na América do Sul a situação estava bem melhor, mas havia filas de candidatos a um emprego fora do planeta, aguardando sua vez em estações de triagem em Brasil, para serem chamados às estações de controle de radiação em Antártica, esperando serem considerados aptos para embarcar à Lua, Marte ou qualquer outra colônia.
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Por volta do meio-dia, hora antártica, já tinham bastante informação registrada no sistema. Não conseguiriam ver mais nada diferente.
–Aqui já não há mais nada para ver, tenente.
–Concordo com o senhor, coronel. Vamos para Antártica?
–Para quê? Não há sentido. Vamos transmitir os dados para Antártica e iniciar a missão, agora que você aprendeu a usar os sensores. Deverá operá-los em Vênus.
–Já vamos para Vênus?
–Sim. Amarre bem o cinto e encoste a cabeça na poltrona.
A patrulheira levantou o nariz e acelerou para as nuvens espessas, que logo ficaram para trás; aparecendo um céu azul e algumas estrelas.
Logo se tornou negro mostrando todas as estrelas do quadrante. Estavam no espaço, onde Iara experimentou a sensação de perda de peso, maravilhada.
De novo Alan estava no seu elemento, onde era dono do seu destino. Mas não tinha palavras para explicar isso à sua nova parceira.
–Computador! Marcar curso 002, marco 1.002, setor 001.
A nave endireitou seu rumo em direção ao sol, para atingir a órbita de Vênus.
–Estamos em curso, coronel?
–Sim, tenente.
Ela não pode ocultar sua emoção, apesar do seu autocontrole.
–Aposto que você nunca esteve tão longe de Porto Alegre – disse ele.
–Tem razão, coronel. O mais longe que fui foi até Antártica, antes da guerra, com meu pai, para treinamento nos aviões da classe Martelo.
–Durante nossa jornada você deverá conhecer bem a pilotagem desta minha navezinha C1H2 Henna. Isso pode vir a ser vital nesta missão.
–Procurarei aprender tudo. Haverá tempo?
–Tenho certeza que sim, tenente. Vênus é bem perto. Apenas quarenta e cinco milhões de kms. Cinco dias de viagem bem tranqüila a esta velocidade.
Não sabiam eles que a viagem não seria tão tranqüila.
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14 de maio de 2019 – (190514).
O primeiro dia, eles aproveitaram a conversar e conhecer-se melhor, enquanto ela aprendia a operar os comandos e recursos da nave. Ela sabia pilotar aviões orbitais antárticos da classe Martelo e o caça espacial da classe CH-1 que tinha controle padronizado como os CH2, CH3 e as patrulheiras da classe AR-1.
Iara era uma excelente aluna e aprendia rápido. O seu pai, o brigadeiro, não estava enganado quanto às suas qualidades. Era culta e bem informada.
Além disso, ela tinha passado por algumas sessões numa das máquinas de táquions de Antártica para aprender os rudimentos da língua marciana. Seu pai, prevendo que Marte entraria na guerra, tinha feito questão de se preparar e preparar a filha para os tempos que viriam.
Quanto a Alan, um herói legendário, pouco havia que ela não soubesse; de tanto ouvir boatos antes da guerra e ter lido sua ficha na FAEB.
–Coronel, seria muito atrevimento pedir-lhe que me chame de Iara?
–Não, tenente. Se você me chamar de Alan.
–Alan... Sim, pergunte-me o que quiser.
–Quando entrou para a FAEB, Iara?
–Há dez anos. Entrei como cadete aos quinze.
–Foi vocação, ou seu pai teve algo a ver?
–Foi vocação mesmo. Meu pai não queria. Ele teve que se conformar quando passei todos os testes. Acho que ele me mandou nesta missão para me salvar. E você?
–Foi vocação. Entrei aos 18. Meu pai já estava há três anos lutando contra a ditadura e eu queria fazer alguma coisa.
–Meu pai disse que você esteve no espaço profundo, em Júpiter e Saturno.
–Sim. Mas você deve de saber...
–Não tanto como gostaria... Como foi?
–Depois das minhas conhecidas andanças na Lua, na Selene II e na Brasil I; fui a Marte como piloto da Prometeu com o capitão Silveira. De lá fui a Júpiter como piloto da Milenium com o capitão Stefansson e tive que combater os piratas milkaros e kholems. Antes disso, a Hércules foi quase perdida em Io, após um ataque dos piratas. A nave foi consertada em Ganímedes e o capitão Aldo me chamou para sua tripulação como piloto de caça e fomos a Saturno em perseguição da Wodan do capitão troiano Ulfrum, que seqüestrara a esposa grávida de Aldo e tivemos que combater. Descemos em Titã, governado pelo Imperador Tao, o Impiedoso e encontramos a aldeia Vurians, onde nasceu o filho de Aldo. Encontramos os xawareks e tivemos que combater até que a paz foi feita e os tigres viraram aliados. Treinei combate na lua deles, Japeto, e depois fomos a Titã a combater rebeldes que queriam depor o Imperador. Os derrotamos e foram executados pelo carrasco. Logo disso os tigres fizeram as pazes com o Imperador e tudo ficou uma maravilha até que resolvi voltar. Cortando a órbita de Júpiter achei uns troianos inimigos. Tive que combater e matar alguns. Em Ceres, quatro colonos tentaram me matar. Matei três e prendi outro. Chegando a Marte encontrei os piratas atacando a Patagônia, e os matei todos. Na Terra, fui atacado por uma esquadrilha de caças inimigos e tive que combater. Derrubei quatro e deixei dois fugir para contar aos outros. É só isso.
–Só isso?
–Resumindo, sim. Ainda se acha segura comigo?
–Agora mais do que nunca – disse ela com um olhar encantador.
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A seguir: A AVENTURA CONTINUA.
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O conto A VOLTA PARA CASA forma parte integrante da saga inédita
Mundos Paralelos ® – Fase 2 - Volume IV, Capítulo 29 Páginas 36 a 44;
e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com.
O volume 1 da saga pode ser comprado em:
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