Próxima parada: Cosmonautas

Desceu do metrô na estação Porte de Paris ainda se recusando a aceitar a ideia de que Evangeline não queria mais vê-lo e que isso era o ponto final.

- Mas é verdade - ouviu-se dizer em voz alta, enquanto subia para a superfície pela escada rolante.

Lá fora, o sol de verão descambava para o outono, envolvendo os subúrbios de Paris numa luz dourada, mágica. Aprendera a amar aquela luz e aquele lugar aparentemente sem graça, com seu casario velho e sua população de imigrantes.

"Dez anos é muito tempo", dissera Evangeline. E era verdade.

"Você está fazendo isso para se livrar de mim", ouvira. E não era verdade.

Ficou alguns minutos parado na calçada da estação, olhando o trânsito mover-se sem pressa. Logo seria noite, tinha que ir para casa e fazer as malas.

Ligou para a senhoria:

- Madame Peyroux? É o Dmitry. Acabei de sair do metrô, estou indo para casa...

- Salut, Dmitry! Eu estou no "tramway", também a caminho. Mas acho que você vai chegar antes de mim. Vai jantar conosco, eu espero?

- "Conosco"? Eu, a senhora e mais quem?

- É uma surpresa - riu-se a senhoria. - Ah, e vai ter "cassoulet"!

- Não perco o seu "cassoulet" por nada! Au revoir!

- À bientôt!

Uma possibilidade fugaz cruzou-lhe o fundo da mente. Nada que se atrevesse a cogitar conscientemente, pois era altamente improvável que fosse real. Mas, precisava ir andando. Tinha que fazer as malas, pegar um táxi, ir para o Le Bourget...

Um súbito senso de urgência lhe fez pensar em fazer o trajeto restante à pé, mas essa não era uma ideia das mais lógicas. Levaria quase uma hora para chegar à Cidade dos Cosmonautas. Melhor alugar uma bicicleta...

Havia um posto de aluguel de bicicletas próximo à estação do metrô. Pegou uma e lá se foi pedalando: avenida Victor Hugo, Boulevard Anatole France, por baixo do viaduto da A86 e continuando ao longo do Boulevard Pasteur. Ao contornar a praça de l'Armistice, a paisagem de casas antigas tornou-se subitamente contemporânea, com os blocos brancos da Cidade dos Cosmonautas emergindo dentre as árvores. Subiu a rua de Saint Denis até a estação de troca de bicicletas na parada Cosmonautes do "tramway"; devolveu o veículo, e fez a parte final do percurso à pé, voltando cerca de 250 m para atravessar a praça Youri Gagarine e chegar à rua Valentina Téréchkova - seu endereço parisiense.

- Quinze minutos! - Constatou satisfeito, ao olhar para o relógio de pulso.

Subiu para o apartamento de quarto andar, com vista para a praça Y. Gagarine. Estava vazio, conforme esperara. Foi para o seu quarto alugado, tomou um banho, colocou o uniforme dos Pioneiros, fez as malas - duas apenas, com as roupas civis que usara durante a licença de quinze dias - e quando saiu para a sala, Madame Peyroux havia chegado. Ao lado dela, uma menina magrinha, praticamente só olhos e cabelo, não mais de 8 anos de idade.

- Dmitry, essa é Sylvie, a minha neta mais velha - disse Madame Peyroux. - Eu disse a ela que você estava partindo hoje, e Sylvie quis conhecê-lo.

Dmitry agachou-se para ficar ao nível dos olhos de Sylvie. Subitamente, tudo aquilo começara a parecer muito engraçado. Deviam ser as endorfinas produzidas pela corrida de bicicleta...

- Enchanté, Sylvie. Ça va?

- Ça va, Monsieur Siyankovsky. Et toi?

Não adiantaria dizer que as coisas não haviam terminado da forma como ele gostaria, portanto, apenas sorriu e respondeu:

- Ça va!

[09-06-2013]