PIRATAS!

Piratas!

...Entretanto, a Hércules orbitava tranqüilamente. Inge e Regina monitoravam o diálogo de Aldo e os nativos. De repente, Konstantin, anunciou:

–Objeto desconhecido a estibordo, comandante!

–Aos seus postos! – gritou Boris – alerta amarelo! – Identificação?

–Não responde à freqüência de saudação – disse Inge.

–O sensor mostra um objeto discóide de trinta e cinco metros de diâmetro por nove de espessura, com vinte pontos quentes dentro – disse Regina desde sua sala.

–Há um ponto de calor... – disse Inge – Alerta! Torpedo por estibordo...!

–Alerta vermelho! Levantar escudos! Carregar lasers! Armar torpedos! Parece uma carga calorífica, os escudos devem resistir.

–Não, comandante, aproxima-se rápido demais! Estou detectando uma onda de decodificação...! Pegaram a freqüência do nosso escudo! – gritou o navegador.

–Vamos sair daqui! – gritou Boris, voando na gravitação zero à cadeira do piloto e dando a partida – Trocar código!

Mas já era tarde. A Hércules estava com os motores aquecidos e partiu adiante com violência, mas o torpedo já quase tocava a popa de estibordo.

–Vai acertar na popa! – gritou Konstantin – Não dá tempo de trocar o código!

O choque estremeceu a nave; o brilho ofuscante entrou pelas janelas e um calor infernal invadiu tudo, provocando incêndios nos painéis. A energia falhou, restando a luz de combate. A comoção do choque fez parecer o fim de tudo. A nave parecia um carrossel sinistro, girando em sentido horário sem parar.

–Controle de danos, informe! – gritou Boris pela rede de emergência, enquanto tentava dar outra vez a partida, mas os controles não respondiam.

–Os tubos estão apagados! – informou Henschel – Incêndio na engenharia, condutores fundidos, uma válvula explodiu.

–Apague o fogo! Ative os motores, precisamos impulso!

–Os escudos caíram de vez – disse Konstantin.

–Dreisen para a ponte, o gerador queimou; auxiliar ligado; há um incêndio!

–Apague-o! Ponte para Báez! Use o canhão de estibordo e atire!

–Tentarei, senhor, mas a nave está girando muito rápida!

–Pilotos! Abordem seus aviões e ataquem!

–Henschel para a ponte! Não podemos agüentar outra dessas! O ar escapa pelas juntas dos motores!

–Vire-se, Henschel! Quero a nave em condições de revidar em um minuto!

–Impossível! Acabou a antimatéria, tento evitar a reação em cadeia!

–O fluido escapa dos tanques oito e nove! – disse Basil Muslimov.

–Henschel para a ponte! O reator está entrando em ponto crítico!

–Dreisen para a ponte! O incêndio está avançando!

A situação era desesperada. Boris usou energia dos manobradores auxiliares para deter a louca dança da nave, que foi detendo seu giro. Metade dos instrumentos não funcionava e os aviões aproveitaram a parada momentânea para decolar e atacar.

–O combustível continua escapando! – gritou Basil Muslimov.

–Inge, Regina, Mudo! Tampem as juntas e os escapamentos, rápido!

–A caminho! – disse Inge, ainda com seu braço entalado.

–Ponte para Dreisen! Desligue os sistemas não essenciais!

–Torpedo por bombordo! – disse Konstantin.

–Báez! Por quê não atirou neles?

–Atirei mais de vinte vezes, comandante, mas não há como acertar... A nave está girando ainda!

–Ponte para sala de torpedos!

–Não há ninguém lá, comandante – disse Wassermann – Báez está no canhão de estibordo e Grubber está em Ganímedes. Ainda que houvesse gente, não há energia. Os homens estão ocupados apagando os incêndios.

–Vai acertar na ponte – disse Konstantin – não podemos mover-nos!

–Podemos! – disse Boris ativando os freios ao máximo.

A nave pulou atrás e o míssil roçou a proa, enchendo de calor a ponte.

–Por pouco – disse Konstantin.

–Piorou – disse Boris – não podemos parar, os manobradores não funcionam; falhou o gerador de emergência.

Como resposta, a luz da ponte apagou-se; seguida dos poucos instrumentos do painel que ainda funcionavam.

–Ponte para Henschel! Desativou o reator, presumo?

–Presume corretamente, comandante! Caso contrário; há cinco segundos que estaríamos transformados em mésons.

–Mas como? O sistema caiu há dez segundos!

–Manualmente, comandante! E o fogo já está na sala de torpedos de popa!

*******.

A nave inimiga acusou os disparos do canhão de Báez e fugiu em direção a Ganímedes com os caças atrás, como três falcões; atirando sem parar com canhões marcianos e laser. Entraram na atmosfera ardendo no atrito, direto ao solo, a pouca distância do topo das montanhas.

A nave nivelou-se para se livrar dos perseguidores que talvez não supunha ser tão velozes; mas nem assim escapou deles; que lhe acertaram repetidamente. Tentou aumentar a velocidade sem sucesso. Esteiras de fumaça apareceram detrás, enquanto diminuía a velocidade e altura.

–Já é nosso; camaradas! – gritou Kowalsky.

A perseguição estava no fim. Tom Cikutovitch adiantou-se, cobrou altura e atacou em picado. Apontou e metralhou a torre central com balas de urânio. O disco descontrolou-se e Tom soltou um míssil, gritando:

–Debandar! Subir! Rápido!

Os camaradas obedeceram, subindo a toda velocidade. Sabiam o que viria.

*******.

Na aldeia, Osen o líder dos centauróides ganimedianos, tinha uma pergunta entalada na garganta ou seu equivalente:

–Vocês são os ranianos superiores?

Quando Aldo abriu a boca para responder, sobre eles passou um disco voador perseguido pelos caças da Hércules, fazendo o solo estremecer com a onda sônica.

A batalha foi vista à enorme distância, antes dos combatentes perderem-se atrás das montanhas e logo um clarão nuclear mais brilhante do que Júpiter e o sol; pareceu incendiar as montanhas distantes, recortando suas silhuetas no horizonte.

–Aos aviões! – ordenou Aldo, enquanto os nativos faziam um rebuliço.

Aldo e seus camaradas correram aos aviões e se elevaram de imediato, a tempo de ver as esteiras de fumaça dos caças acelerando rumo ao espaço.

*******.

A bordo da Hércules, a situação estava cada vez pior.

–Tampamos os vazamentos, Boris – informou Regina.

–Voltem para dentro e ajudem a combater o fogo!

–Consegui apagar o fogo nos circuitos – avisou Konstantin.

–Comandante, a engenharia vai explodir! – informou Henschel – a sala de torpedos de popa está queimando e vai nos levar junto!

–Abram todas as válvulas de inundação! – ordenou Boris.

Imediatamente todo o ar perdeu-se no espaço, apagando os incêndios.

–Todo mundo a consertar os danos! – ordenou Boris.

–Paramos de girar e vamos para trás... – informou Konstantin.

–Porque ativei os freios por alguns segundos – disse Boris – Ainda há energia neles, podemos voltar a usá-los até acabar o fluido, que não é muito. Estamos sem manobradores, mas os homens os estão consertando. Vai demorar porque não há energia a bordo nem para acender uma lanterna.

–Já viu o que eu vi? – perguntou o russo, cada vez mais nervoso.

–Não, o que foi?

–Veja à frente, comandante. O quê vê?

–Não vejo nada demais, estrelas, Ganímedes...

–Isso é o que me preocupa. Ganímedes se afasta.

–Onde está Júpiter? Se não o temos à frente, então o temos atrás...!

–Percebeu? Estamos caindo de ré em Júpiter!

–Percebi. Rápido! Ponte para Muslimov! Conserte a antigravitação!

–A caminho, senhor!

Boris não demonstrava tensão nem medo, suas palavras foram duras e diretas:

–Estamos caindo como uma pedra em Júpiter, que tem o tamanho de 1.300 terras. Não há salvação para nós ali. A pressão vai nos esmagar antes de espatifar-nos no solo; transformados numa gosma. Consertem a antigravitação a todo custo!

*******.

Os cinco caças encontraram-se no local onde deveria estar a Hércules.

–Não está – disse Tom Cikutovitch.

–Não estava em condições de combater – afirmou Ivan Kowalsky.

–Estava sem máquinas – acrescentou Ives de Saint-Hilaire.

–Estaremos no local correto? – perguntou Jacques Cartier.

–Sim, é aqui, sem dúvida – respondeu Aldo.

–O radar não detecta nada – informou Lídia Maximova Diakonova.

–Talvez consigamos vê-lo à simples vista – aventurou Grubber.

Ives instintivamente cravou seus olhos em Júpiter e viu:

–Lá está ela; indo de ré para Júpiter.

–Estão em queda livre, temos que alcançá-los! – disse Kowalsky.

–Não há tempo a perder – disse Aldo – Vamos!

Os aviões aceleraram ao máximo rumo ao gigante gasoso, onde; se caíssem; seriam esmagados pelas grandes pressões de um mundo onde o hidrogênio encontra-se em estado líquido, a água é um metal e o frio é absoluto.

–Acelerem! – ordenou Aldo.

–Como evitaremos sua queda? – perguntou Lídia, pensando em Konstantin.

–Veremos isso ao chegar – respondeu Aldo, pensando em Inge.

*******.

O beijo da morte.

–O colapso é total – informou Konstantin – nada funciona. O sistema está inoperante por falta de energia, isso se o dano não for maior...

–Boris para Basil! Não há modo de ligar o antigravitator?

–O gerador principal está morto e o auxiliar queimou, senhor.

–Os freios têm energia. Henschel! Transfira energia de freio aos acumuladores!

–Boris, os caças chegaram.

–Tente entrar em contato com Aldo, Konstantin.

–O rádio não funciona. Mas eles podem ouvir nossos capacetes...

Passaram cinco eternos segundos:

–Konstantin! Temos pouco tempo, ouça com atenção! Vocês estão caindo para trás, vamos aproveitar isso. Imagino que os freios ainda funcionam. Ivan e Tom estão no delta traseiro por cima; Jacques e Ives por baixo e eu em cima da ponte, estamos endireitando a nave em posição horizontal.

Os aviões colaram-se ao contrário na fuselagem para reforçar o freio quando fosse ligado. Sua antigravitação foi ligada, e a Hércules mudou sua posição de queda de ré para uma queda horizontal. Pela frente, Boris pôde ver um pedaço de Júpiter.

–E agora, capitão? Ainda estamos caindo!

–Calma Konstantin! Vamos ativar os motores ao mesmo tempo em que vocês ativarem os freios. Funciona a antigravitação?

–Basil a está consertando!

–Rápido; Boris! A velocidade aumenta e nem nós conseguiremos nos salvar agora! Dezoito segundos! Um segundo a mais e já não importará mais nada!

–Espera Aldo!... Boris para Basil! Terminou com isso?

–Sem energia não posso soldar o cabo de meia polegada ao gerador!

–Vamos morrer! Solde essa merda AGORA nem que seja com cuspe!

–Emenda feita, comandante! Ativar! Pelos Deuses! Pela Causa! Pela morte aos inimigos! Pelo Paraíso...! – gritou Muslimov como um possuído.

–Boris para Aldo! Estamos prontos!

–Ativar em zero... Três, dois, um... Agora!

A Hércules saiu da queda livre; impulsionada pela antigravitação, os motores dos caças e os freios incandescentes ao máximo; como nunca foram usados. Júpiter afastou-se do visor dianteiro e a velocidade aumentou à medida que a atração do planeta enfraquecia com a distância. Finalmente Aldo disse:

–Vamos para Io, a lua que está lá na frente... Já não há mais perigo.

–Escapamos dessa, Aldo. Ainda bem; o gerador de freio parou de funcionar.

–Como está a situação, Boris?

–Estamos às escuras, sem ar, sem sistema... Rádio, só dos capacetes.

–Comandante – disse Dreisen – os injetores dos freios se fundiram.

–Era de se esperar – disse Boris.

–Estão superaquecidos – interveio Henschel – precisamos trocar as juntas e retemperar as câmaras de combustão.

–Já ouviste o engenheiro, Aldo. A nave está morta.

–A salvaremos, Boris. Há bastante combustível nos aviões para descer em Io.

–Estamos sem manobradores, Aldo.

–Um passo de cada vez, Boris.

–Certo. Verei os danos – Boris suspirou e dirigiu-se aos níveis inferiores.

–Basil nos salvou a todos – disse Simon Gart, acompanhando o comandante.

As luzes dos trajes eram vaga-lumes na escuridão e o frio era de cem graus negativos. Entraram na sala de acumuladores, um apertado compartimento, onde para trabalhar deviam mover-se entre a aparelhagem.

Iluminaram um corpo flutuando no vácuo, segurando com ambas mãos as pontas firmemente soldadas de um grosso cabo.

–Basil! O quê houve? – gritou Simon, aproximando-se.

–Não toque nele! – gritou Boris, puxando seu astronauta pelo braço – Há estática residual! O gerador ainda tem um resto de energia.

Basil Muslimov ainda segurava as pontas do cabo de energia de freio para os acumuladores do antigravitator, agora firmemente soldadas até nas luvas. Do capacete, grossas faíscas azuis pulavam esporádicas à parede metálica, a um metro de distância.

–Está morto? Mas... O traje é isolante! – gritou Simon – O quê o matou?

–O campo magnético. Por isso ninguém entra aqui com o sistema ligado. As partes metálicas do traje e do capacete se eletrificaram e queimaram seu cérebro...

–Ele sabia, mas uniu os cabos para que a energia os soldasse!

–Claro que sabia – disse Boris com voz rouca – eu também sabia, mas a nave vem em primeiro lugar... Por isso dei a ordem que o matou...!

–Sacrificou-se por todos nós! – disse Simon Gart com as lágrimas embaçando seu visor – Esse sim; que era um herói!

*******.

Continua em : PIRATAS II - NÁUFRAGOS!

*******.

O conto PIRATAS! forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® – Fase 1 - Volume II, Capítulo 14 Páginas 77 a 81;

e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 07/06/2013
Reeditado em 01/11/2016
Código do texto: T4330123
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.