A PERSEGUIÇÃO

23 de junho - Em algum lugar da órbita de Júpiter.

Olaf, conde Ulfrum, não estava satisfeito. Singrava o espaço na Wodan com sua tripulação de trinta homens e sua prisioneira, a Reverenda Sacerdotisa Ingeborg, que raptara dois dias atrás. Não estava satisfeito porque não só não conseguira os favores da Ilustre Dama; senão que fora ruidosamente rejeitado.

Inge dera uma surra terrível em Olaf na frente dos tripulantes com seus amplos conhecimentos de luta antártica, elevando-se no conceito daqueles homens curtidos do espaço que a fizeram sua heroína em pouco tempo. Olaf descartou a idéia de matá-la, pois uma olhada nos rostos da tripulação mostrou-lhe que não havia clima. Não estava trancafiada; era-lhe permitido circular pela nave livremente, afinal não havia para onde fugir.

Agora mais tranqüila, engenhou-se para voltar às suas costuras e tricôs como se ainda estivesse em sua mansão de Germânia III. Convenceu um tripulante a fazer agulhas de tricô para ela passar o tempo e providenciar algumas mantas de lã de wok para desfiar, em troca de costurar as roupas dele.

Logo Olaf descobriu a Hércules no seu encalço, a poucas dezenas de milhões de kms e diminuindo. A Wodan era rápida, mas a Hércules o era ainda mais e tinha mais raio de ação. Mas isso ele não sabia. De todas formas, Olaf percebeu que a partir de agora, não teria paz.

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Inge descobriu a perseguição e num descuido do radiooperador contatou a Hércules para tranqüilizar seu marido e amigos. Quando Olaf soube, esbofeteou-a e espalhou suas coisas, mas a tripulação secretamente odiava seu capitão e interpôs-se.

Um tripulante solícito recolheu seus tecidos e todos viram as roupinhas de bebê que ela tricotava.

Os troianos respeitam as mulheres grávidas, pois no espaço cada criança é preciosa. Olaf percebeu que estava sendo ridículo perante a tripulação e a mulher. Já não poderia tê-la sem infringir ainda mais os códigos troianos de moralidade e agora; perseguido pela nave terrestre; viu que sua vida não valia nada.

A tripulação estava descontente com a situação em que seu chefe a tinha metido por um dos seus caprichos. Perdiam-lhe o respeito aos poucos. Em contrapartida, Inge era adorada por sua simpatia, porque era solícita, porque fazia comida para eles, porque cuidava de suas roupas e porque esperava um filho.

No decorrer dos dias, falava-lhes da Terra, de Antártica, de Marte, do poderio da Hércules. Isso os atemorizava, considerando que estavam a tiro de torpedo da famosa nave.

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A primeira vez em que Aldo comunicou-se com Olaf, este pôde constatar que se colocasse um dedo encima da Grande Dama, era um homem morto. Não adiantava nada continuar ameaçando a mulher.

–Matem-na e só a sobreviverão dois minutos – disse Aldo friamente – estão ao alcance dos meus torpedos. De todas maneiras, quero que você morra, matando ou não minha esposa.

–E se eu a entregar agora mesmo?

–Igual mato-lhe para lição dos outros – disse Aldo num tom que gelou o

sangue dos troianos – Seja qual for o resultado disto, sua morte é certa. Claro que pode escolher morrer com ou sem sofrimento.

–Já que não há remédio a mato agora – disse Olaf sem convicção.

–Mate-a na frente da tela, para saber quando devo apertar o gatilho.

–Não acredito que faça isso.

–Já decretei sua morte, Ulfrum. Ninguém rapta minha esposa e fica por isso mesmo. Você está praticamente morto. A vida dela apenas prolonga sua agonia.

Olaf afastou-se da tela, onde os olhos de Aldo brilhavam como gelo, e encarou seus tripulantes de comando.

–Carregar torpedos de popa.

–Torpedos carregados.

–Disparar número um. Fogo!

Antes do torpedo da Wodan chegar a percorrer dois mil kms, foi desintegrado pelo phaser da Hércules. Olaf finalmente compreendeu a magnitude do que tinha feito e começou a tremer histericamente.

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A bordo da Hércules podiam ver a Wodan a considerável distância. Aldo

estava pendente dos sensores e ninguém a bordo ousava dirigir-lhe a palavra por respeito. A nave estava com os motores apagados, navegando por inércia, o que ainda era bastante para diminuir a distância entre perseguidor e perseguido.

Seis caças CH-3 e três patrulheiras AR-1 descansavam magnetizados nas novas garras de atracação da Hércules. Sua tripulação estava desfalcada em dez homens, mas estava com carga total. A Wodan também navegava por inércia, mas se a Hércules ligasse seus motores de impulso eles também os ligariam. Konstantin informou:

–Vão para os Posteriores. Atrevo-me a jurar que a Enéas-1172.

–A ratazana vai à toca – disse Valerión, visivelmente irritado – menos 90 graus da órbita de Júpiter. Podemos seguí-los com folga.

–Moram bem longe – disse Konstantin.

–Quanto tempo até eles chegarem lá, tenente? – perguntou Aldo, sentado na cadeira central, com Boris de pé ao seu lado.

–Trinta dias padrão, capitão – disse a eficiente piloto russa Nebenka Marusitch.

Aldo afastou os olhos da tela do telescópio e os dirigiu ao infinito, pelo párabrisa, onde a Wodan era um pequeno ponto entre as estrelas.

–Um mês – sussurrou.

*******.

Os Posteriores.

A perseguição levou a Hércules por regiões do espaço nunca antes visitadas, chegando perto do remoto feudo do conde Olaf Ulfrum.

Havia um enxame de asteróides habitados na região, mas nenhum dos senhores feudais; seus amigos; ofereceram ajuda ao desonrado Ulfrum na sua ridícula e louca empreitada.

Apenas um poderia ser seu aliado potencial, o perigoso Wilfred West, mas este tinha ficado prudentemente em Ganímedes, aparentemente desinteressado do caso.

Lúcio Cardelino estava com a Vingador de prontidão para persegui-lo se fosse necessário, mas o troiano ficara bem quieto, carregando calmamente suas mercadorias.

Enquanto isso, na Terra realizavam-se as profecias do Apocalipse.

Os horrores do Armagedon estavam para ser desatados.

*******.

5 de agosto de 2014.

Aproximando-se de Enéas-1172, a Wodan preparou-se para ancorar, sendo recebida por uns vinte discos, provavelmente capturados aos piratas milkaros, tripulados pelos lacaios do conde.

–Isto eu já esperava – disse Aldo e ordenou:

–Ives e Adolphe, abordem suas patrulheiras e ataquem.

–Sim senhor.

–Valerión para ponte!

–Prossiga.

–Estou captando emissões fortes de energia cósmica redirecionada.

–Será a estação convertidora?

–Tudo indica, mas não vem daí de baixo. Tentarei localizá-la – disse Valerión olhando os instrumentos e calculando as coordenadas – sim, é para aquele lado.

–Onde?

–Cinco graus a estibordo, marco 25 – disse o cientista regulando o telescópio.

Konstantin, que estava atento às telas visuais disse:

–Diomedes-1437, o mundinho do Wilfred West!

*******.

Lobsang Dondup, o grumete alferes tibetano, nunca pensou que sua missão em Diomedes-1437 fosse tão importante quando foi chamado à ponte. Em poucas palavras Aldo explicou-lhe a missão à que foi indicado pelo coronel Sarrazin.

Lobsang estudara a aura corpórea do capitão, na qual refletia-se a angústia que lhe dominava. Por isso compreendia o sentimento do torturado Aldo e decidira ser fiel a esse homem até a morte. Com estes pensamentos, encontrava-se agora na patrulheira AR-1 do capitão Jacques Cartier.

Desde que se desprenderam da Hércules, só trocaram uma dúzia de palavras, já que o menino só falava chinês e português, e apenas arranhava um pouco o inglês.

Jacques falava um espanhol fluente e um inglês aceitável. Entendia o português, mas não o falava com fluência, e pensava numa forma melhor de se fazer entender.

–Façamos o seguinte; você me fala em espanhol, que entendo, mas não falo; e eu falo em português, que você entende, mas não fala – disse o menino em português.

–De acuerdo, me parece muy bien... pero... usted está leyendo mi mente?

–Sim.

Jacques empalideceu. Esse era um dos poderes de Lobsang Dondup.

*******.

Enquanto a Hércules mantinha-se alerta, três caças apresentaram batalha e o resto aguardava. Os discos praticamente não eram rivais para os caças CH-3.

Duas naves AR-1 patrulhavam em volta da a Wodan; mas esta se mantinha inativa. Sabiam que estavam sob a mira do canhão da Hércules. Da ponte, Olaf assistia às escaramuças. Inge aplaudia cada vez que um disco era destruído, fazendo mímica para os tripulantes, que não deixavam de observar que nenhum avião da Hércules fora atingido. Os disparos não penetravam nos escudos, visivelmente superiores.

–O avião 002, é o do tenente Tom Cikutovitch. Na batalha de Amaltea matou dezenas de piratas e destruiu mais de...

–Cale-se, senhora – interrompeu-a o irritado Olaf – acabarei com seu herói.

Segundos depois, um Horten M-2020 pintado com as cores do conde se

desprendia a toda velocidade do hangar da Wodan.

–Bjorn Petersen, meu melhor piloto. Destruiu e capturou dezenas de piratas.

–Prepare o funeral – pavoneou-se Inge – Já contei que Tom foi o primeiro a destruir uma nave milkara em Ganímedes?

Tom foi encima do Horten M-2020 e disparou o laser, destruindo seus motores e deixando-o à deriva, indefeso.

–Tom não matou seu piloto – disse Inge – deve estar em sua fase altruísta.

Em efeito, Tom desentendeu-se de Bjorn Petersen e virou em redondo para apoiar seu amigo Ivan Kowalsky e o novo piloto, o coronel Alan Claude Sarrazin. De repente desprendeu-se da Hércules um CH-3, diferente dos outros; com pintura negra branca e vermelha nas pontas das asas; o número 001.

–Esse é Aldo, meu marido! – chiou Inge, aplaudindo e pulando na gravitação mínima – Ele deve estar a fim de se exercitar...! Esta batalha acabará logo.

Olaf foi contagiado pelo pânico dos tripulantes. Aldo, Tom e Ivan pareciam dançar um balé de morte. Com acrobático sincronismo sobrevoavam-se destruindo inimigos sem piedade. Alguns disparos já começavam chegar perigosamente perto da Wodan. Olaf não pôde mais:

–Ligar máquinas! Carregar acumuladores! Fechar escotilhas!

–Partimos? – perguntou o imediato, o comandante Karl Regert.

–Sim, quanto antes. Traçar curso para Diomedes-1437 para reabastecer. Aqui não dá, não temos cobertura.

–E o que lhe faz pensar que lá a terá? – perguntou Inge venenosamente.

–Wilfred tem melhor armamento, senhora.

–Vai deixar Petersen à deriva, capitão? – perguntou Regert, com receio.

–Sim, é um idiota.

–Morrerá lá fora, capitão!

–Que morra. Perdeu seu avião e não foi capaz de acertar esses terrestres.

Uma Reverenda Sacerdotisa Odínica não podia tolerar tanta perversidade:

–Ele estava disposto a morrer por você! – gritou Inge, fora de si.

–Agora ele terá esse privilégio.

–E você o abandona covardemente, seu bastardo sem honra! – gritou Inge com os olhos cheios de lágrimas – Seu monstro...! Maldito monstro...!

Ela não pode mais se conter e desabou lentamente de joelhos no chão da ponte a chorar desesperada, cobrindo o rosto. Olaf levou a mão à pistola, decidido a matá-la pelo insulto, mas com um canto do olho reparou na tripulação de comando com os olhos fixos nele. Começou a suar frio. Por fim disse:

–Parada total! Reverter máquinas!... Schultz!

–Senhor?

–Pegue a espaço-moto! Traga de volta aquele idiota, rápido!

Baldur Schultz, foi a cumprir a ordem e Inge tentou enxugar as lágrimas,

enquanto sua percepção de sacerdotisa captava uma poderosa vibração...

–Carinho, amor... De quem?... Quem me ama, aqui dentro?

Quando olhou para trás, na ponte e no corredor, viu sorrisos agradecidos.

*******.

Sobrevoando a superfície de Diomedes-1437...

Jacques Cartier olhou interrogativamente seu co-piloto enquanto atravessavam o lado noturno do asteróide troiano. Lobsang devolveu o olhar e assentiu. Naquele momento a pequena cicatriz da sua testa pareceu latejar, ou pelo menos isso achou o francês. O garoto indicou um lugar embaixo. Por toda resposta, Jacques manobrou a pequena; porém potente e versátil nave espacial, que como uma gaivota mergulhou e pousou numa deserta planície rochosa. Intrigado Jacques nada perguntou, mas desceu detrás do alferes, que olhando o solo, parecia procurar uma coisa invisível.

–Está sob os nossos pés, capitão. Há uma caverna aqui.

Jacques olhou incrédulo para o jovem.

–Sei o que digo, capitão. Temos que perfurar.

Jacques disparou a pistola em regulagem máxima onde o alferes indicara. O solo partiu-se e afundou. A poeira ficou suspensa na quase inexistente atmosfera e logo divisaram a escada que descia num ângulo de 25 graus.

–Entremos – disse Lobsang descendo primeiro.

–Espere rapaz – disse Jacques acendendo a lanterna do capacete e regulando a pistola para concussão mínima – pode ter alguém.

–Não há ninguém aqui – disse o alferes – venha.

–Está bem – disse Jacques, ligando a autodefesa automática da nave.

Desceram às profundezas de Diomedes-1437, por vários minutos, até que avistaram uma luminescência, que aumentava ao se aproximar. Desligaram as lanternas e Jacques verificou sua pistola.

Entraram numa caverna que parecia uma catedral, no meio da qual havia uma enorme maquinaria coruscante, de tecnologia nunca vista, da qual emergiam tubos transparentes que entravam no teto da caverna, conduzindo faíscas de luz esverdeada e rósea para cima. Painéis de metal ostentavam círculos brilhantes que pulsavam sem parar, produzindo estática que afetava os fones dos capacetes dos terrestres.

–O direcionador de energia cósmica de Milkar – disse Lobsang – os milkaros nunca imaginaram que seria usado para piratear.

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–A Wodan levantou âncoras!

O alarme foi dado pela piloto Nebenka, a primeira em perceber.

–Preparar para partir! – ordenou Boris – Carregar acumuladores, fechar escotilhas! Ponte para Engenharia!

–Prossiga – respondeu Otto Dreisen.

–Pressão para partir...! Konstantin! Determine o curso deles.

–Estão indo para Diomedes-1437; comandante – disse o navegador russo.

–Nebenka, trace um curso de perseguição. Ponte para Regina!

–Prossiga.

–Recolha os caças, envie as patrulheiras a localizar Jacques e Lobsang.

A nave agitou-se em preparativos. O Doutor Valerión entrou na ponte.

–Vamos partir deixando Aldo e os pilotos lá fora?

–Regina os está reunindo por rádio.

Tom e Ivan retornaram aliviados, estavam cansados de combater e escassos de munição. Aldo e Alan, ainda em ação, viram que os inimigos fugiam sem apresentar mais combate. Aldo viu a partida da Wodan e lançou-se atrás, sabia que a Hércules o seguiria, pois monitorava as conversas. Alan Claude acabou de liquidar mais dois inimigos quando percebeu que Aldo partia.

–Vou atrás de você, capitão.

–Venha. Como está de munição?

–Restam dois torpedos.

–Dá para o gasto. Só vamos seguí-los. Aldo para Regina!

–Prossiga.

–Para onde vão?

–Diomedes-1437.

–Jacques e Lobsang deram notícias?

–Não. Ives e Adolphe foram abrindo caminho.

–Alan e eu vamos incomodar à escolta deles e depois retornamos a bordo.

–Certo, querido. Não se arrisquem demais.

–Sim, mãe.

–Bobo!

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Jacques e Lobsang estavam perdidos no meio das instalações alienígenas.

–Nossa missão é clara. Devemos desativar tudo isto, para que as naves piratas fiquem sem energia em todo o sistema. A questão é: como fazer? Não sabemos onde está a chave que desliga tudo; podemos mexer em algo que desintegre este asteróide e morremos. Poderíamos passar meses percorrendo os painéis e os corredores e não achar nada. Não leio estes caracteres nem acho que vamos aprender nunca...

–Deixe comigo, capitão.

–Vou me sentar enquanto você trabalha, moço?

Lobsang não respondeu. Foi até um painel e indicou um dial de oito polegadas:

–Aqui está a chave. Temos que girá-la um quarto à direita e assunto terminado.

–Assim tão fácil?

–Quem montou isto há milhares de anos, nunca pensou que seria encontrado, capitão – disse Lobsang estendendo a mão para a chave; mas deteve-se:

–Não estamos sós. Acho que subestimamos os construtores.

Um robô deslizando a meio metro do chão aproximou-se. Jacques puxou a pistola. O robô falou num idioma há muito tempo esquecido, que não entenderam.

–Ele quer nos impedir, capitão!

O robô disparou uma descarga phaser e Jacques esquivou-se.

–Distraia-o mais um pouco, capitão! – gritou Lobsang girando a chave.

As luzes diminuíram de intensidade. O robô perdeu energia enquanto Jacques regulava a pistola para força total. Antes de cair no chão sem energia; o robô ainda disparou sua última rajada, acertando na armadura de Jacques que caiu inerte, enquanto faíscas de energia dos tubos paravam de circular. O alferes ajoelhou-se junto do francês, que parecia morto. Lobsang colocou-lhe as mãos no peito da armadura e concentrou-se, com a cicatriz da sua testa a latejar. Jacques reviveu aos poucos enquanto as luzes de iluminação davam uma luz mortiça e triste.

–Acorde capitão!

–Estou melhor. Acho que estou inteiro.

–Está sim. Devemos sair daqui, capitão. As luzes estão a se apagar.

Jacques ficou em pé, amparado pelo alferes tibetano. A luz morreu.

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Aldo e Alan voltaram a bordo. Faltava pouco para chegar ao lar de West, quando os discos que escoltavam a Wodan dispersaram-se descontrolados. Gritos de socorro ouviram-se no rádio, alguns colidiam entre si e outros eram abandonados por suas tripulações em espaço-motos com as cores de Ulfrum. E ele não parou.

–É um malvado, um maldito desgraçado filho da mãe – disse Aldo – abandona os camaradas que estavam dispostos a morrer por ele.

–Há mais de cinqüenta seres lá adiante, capitão! – disse Konstantin – Os mataremos se os atropelarmos a esta velocidade.

–Nos desviamos? – perguntou Boris.

–Não. Parada total! – disse Aldo – Vamos recolhê-los.

–Regina para Aldo! De Júpiter avisam que há piratas à deriva.

–Jacques e Lobsang devem ter tido sucesso.

–Valerión para a ponte! Os indicadores estão em zero. O emissor parou.

–Ganhamos meia guerra – disse Boris – vamos recolher esses coitados.

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Em Diomedes-1437 Olaf não pôde ancorar.

Sem energia; só funcionavam algumas naves como a Wodan e caças fabricados em Germânia III. Olaf presenciou um massacre. Naves do porte da Wodan foram destruídas sem piedade pela Hércules com disparos de phaser.

O senhor feudal ficou novamente histérico e fugiu a toda máquina sem abastecer. Aldo desembarcou sessenta e dois náufragos que agora odiavam de morte o conde Ulfrum de Enéas-1172 e retomou a perseguição com um atraso considerável, seguido de perto pela nave de Jacques e Lobsang, que fecharam a entrada do túnel milkaro com um torpedo térmico que derreteu a rocha.

–Passarão séculos antes que seja encontrada de novo – observou Jacques.

–Só nós sabemos a sua localização – acrescentou o alferes tibetano.

–Parabéns – disse Aldo – venham a bordo que temos uma longa viagem pela frente ao que parece.

A patrulheira magnetizou-se no dorso da Hércules, que acelerou ao máximo para alcançar a Wodan, que se perdera de vista.

–Essa é toda velocidade que podem desenvolver – disse Konstantin – presumo que nesse curso pretendem cortar a órbita de Júpiter até os Anteriores, isso significa oitenta dias em regiões desconhecidas para nós... A menos que façamos alguma coisa.

–Fazer o que? Alguém me diga! – Aldo já estava perdendo a calma.

–Somos cem por cento mais rápidos – disse Valerión – podemos atirar nos motores e deixá-los à deriva. Admira-me que não tivesses pensado nisso antes, Aldo.

–Claro que pensei, mas algo pode dar errado; eles podem matá-la para se vingar, ou na pior das hipóteses podemos errar e explodi-los.

–Sim. Lamento. Enquanto estejam com ela...

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Nas proximidades de Eros-433. 10 de Agosto.

A Wodan conseguira rapidamente abastecimento completo em Eros-433, uma de suas bases, e sem demora prosseguiu sua fuga para os Troianos Anteriores, acelerando o suficiente como para manter sua vantagem de uma hora sobre a Hércules, vantagem que em breve seria reduzida pelos potentes motores com a nova tecnologia de impulso, VAL-1000, construídos pela INDEVAL, do Doutor Valerión.

Longe do sol, dependiam apenas da energia gerada pelo combustível.

Deveriam economizá-lo a partir de agora.

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Nas proximidades dos Troianos Anteriores. 10 de Setembro.

A Hércules já estava à vista do território dos Troianos Anteriores, pisando os calcanhares da Wodan. Aldo resolvera não agir por enquanto, para não colocar em perigo sua esposa, refém do pérfido Olaf Ulfrum.

Os Anteriores eram território hostil para Olaf. Seu único amigo era Jorge de Príamo-884, para onde a Wodan dirigia-se desesperadamente.

De repente surgiu uma frota no espaço à frente. Eram as naves de Darío Kercher de Patroclo-617 retornando de Ganímedes após uma lucrativa viagem de negócios. Seu curso convergia em Príamo-884.

Logo o cosmos pareceu explodir quando uma segunda e uma terceira frota apareceram à frente, freando furiosamente.

Olaf reconheceu as cores:

–Tristão de Aquiles-588! E o poderoso Valentin de Nestor-659...!

Tristão Holtz e Valentin Northern, poderosos senhores feudais eram amigos de Jorge Kartwright de Príamo-884, mas odiavam Olaf, que agora estava com medo, enquanto de Príamo-884; surgia uma frota a toda velocidade, para interceptá-lo.

–Olaf! Responde!

–Sim, Jorge.

A bonita voz de Jorge de Príamo-884 era música puríssima no éter, que estava sendo monitorado pela Hércules.

–Olaf! Serei breve. Sei que vens a te esconder como um rato covarde.

–Jorge! Por quê o insulto?

–Porque mereces. Não devias ter raptado a Ilustre Grande Dama Ingeborg! Ora!... Logo uma Reverenda Sacerdotisa Odínica! Onde estavas com a cabeça?

–Mas... Mas... É esse o nosso costume...!

–Mas não o deles. O Sistema Solar está mudando, Olaf. As regras vão mudar com os terrestres entrando no jogo. Tua vida não vale nada. És um perfeito estúpido. Darío e os outros me deram um ultimato; até sem necessidade, porque concordo com eles: se te der cobertura em minha casa, me declaram guerra. Sinto muito, amigo.

–Jorge! Não podes fazer isto comigo!

–Posso e vou fazer. Meu povo aqui embaixo confia em mim porque sabe que respeito as regras, como um cavaleiro. O que tu não és.

–Somos amigos...!

–Sim, somos. Mas se pensasse primeiro nos amigos e depois no meu povo e na minha casa, estaria sendo infiel a eles. Além do mais não roubo mulheres casadas.

–Jorge! Isso é uma traição!

–Sim, mas não pretendo trair meu povo.

–Maldito!

–Segue teu caminho Olaf.

–Vou me vingar!

–Não, não vais. Não te resta vida para tanto.

Olaf não respondeu. Era inútil.

A Wodan mudou o curso, desta vez para fora do sistema, abandonando a órbita de Júpiter, para regiões ainda inexploradas, onde nunca ninguém jamais esteve.

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–Não abasteceram – disse Valerión – Para onde vão agora, Konstantin?

–Presumo que pegarão carona em Hidalgo-944. Nesta época afasta-se do Sol rumo a Saturno – respondeu o navegador, após consultar a telemetria.

–São espertos – disse Boris – pensam que não iremos tão longe atrás deles.

–Essas naves fabricadas em Hiperbórea estão equipadas com processadores de minério – disse Valerión – podem fazer água e combustível no asteróide.

–Até onde Hidalgo-944 chega na sua órbita, Konstantin? – perguntou Aldo.

–Até a terceira parte da distância entre Júpiter e Saturno, capitão.

–E quando será isso?

–Em torno do dia 12 de novembro, senhor.

–Podemos interceptá-los. A órbita é elíptica e se pousarem lá, economizarão seu combustível. Embora a velocidade será menor do que a nossa em linha reta.

–Não seria prudente nos afastarmos deles, Aldo – interveio Boris – se nos perderem de vista, podem fazer algo imprevisível.

–Concordo – disse Valerión – é bom que saibam que estão na nossa mira.

–Vocês estão certos – disse Aldo – mas não podemos perseguir um asteróide em inércia sem gastar combustível para corrigir um rumo curvo. Melhor ir direto onde Hidalgo-944 faz a volta. Vamos economizar energia em inércia e os surpreenderemos.

–Estão a menos de um dia de Hidalgo-944; capitão – interveio Nebenka – nós estamos a cinco horas deles.

–Mantenha o curso e a velocidade por enquanto, Nebenka.

Regina, revezada pela doutora Lídia, entrou na ponte, meio alterada:

–Se entendi bem eles estão indo para perto de Saturno! Inge querida! O que estarás passando? – choramingou Regina e sua voz engasgou-se num pranto que vinha contendo há meses, mas enxugou as lágrimas e ajoelhou-se junto à cadeira do capitão.

–O quê faremos? – disse ela.

–Estou perdendo de ver a barriga da minha mulher. Já deve estar aparecendo.

–Um pouco, já deve estar com cinco meses.

Regina levantou a vista e fez um discreto sinal de olhos para seu marido, que se aproximou e ficou do lado deles. Valerión, na estação de ciências, olhou para eles e uma fina lágrima rebelde deslizou por cima da sua barba, oculta pela fumaça azul do seu cachimbo aromático; prontamente absorvida pelos exaustores do teto.

Nebenka e Konstantin, nas poltronas de pilotagem, estavam alheios a tudo o que não fosse o curso e os instrumentos.

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Esse mesmo dia; 10 de setembro de 2014 , em Ceres.

No hospital de Nova Tókio, Chiyoko contorcia-se nas dores do parto, atendida pela doutora Yashuko. Patrick Cabot estava presente e pensava nas últimas palavras do Décimo Terceiro Conselheiro Zvar Zyszhak. Às 12:30 nasceu Hadime Cabot Terasaki. Um possível futuro Senhor do Mal, segundo seu horóscopo chinês. Às 12:33 nasceu Tadashi Cabot Terasaki, seu irmão gêmeo. O irmão bom. Mas ambos

nasceram sob o Cavalo de Fogo... Os Mundos Paralelos estavam em colisão.

Quando em Ceres ouviam-se os vagidos dos recém nascidos; na Terra, ao mesmo tempo caiam bombas. Os homens matavam-se e matavam a Terra; as naves atiravam umas nas outras no silencio do espaço e os mísseis singravam o ar terrestre.

Cidades protegidas por escudos, resistiam, outras desapareciam sob cogumelos terríveis. Da Lua, mísseis, visíveis na noite, aproximavam-se cada vez mais.

“–... e subiram sobre a largura da Terra, rodearam o acampamento dos

santos e a Cidade Amada; e de Deus desceu fogo do céu e os consumiu.”

(Apocalipse 20:9)

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Continua em QUE LUGAR FANTÁSTICO PARA MORRER!

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O conto A PERSEGUIÇÃO forma parte integrante da saga inédita

Mundos Paralelos ® – Fase 1 - Volume III, Capítulo 20 Páginas 17-18; 20 a 27; e cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

clubedeautores.com.br/book/127206--Mundos_Paralelos_volume_1

Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 30/05/2013
Reeditado em 03/07/2013
Código do texto: T4317416
Classificação de conteúdo: seguro
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