Uma noite de inverno - Capítulo 1

A neve caia desde cedo deixando as ruas de toda a grande Nova York mais pálidas do que já estavam nos últimos dias. Olhando através da janela de seu pequeno apartamento, Bruce não via qualquer ser vivo caminhar pelas ruas brancas e geladas. Era uma noite como as outras - o silêncio era uma companhia inconveniente e deixava todo o ambiente solitário como sempre.

Naquele momento Bruce suspirou e olhou para si mesmo pelo reflexo do vidro da janela. Pôde ver um homem com uma expressão fria e caída, os cabelos castanhos estavam bagunçados e os óculos se encontravam no lugar de sempre - as lentes contornavam um olhar cansado e desolado. Após mais alguns longos minutos de pensamentos vazios, Bruce se virou, atravessou a sala de estar cinzenta e sentou-se no sofá.

Era engraçado como as coisas podiam mudar, pensava ele. Durante todos os dias úteis da semana, Bruce acordava as seis da manha, fazias tarefas cotidianas e ia trabalhar como funcionário público. Nunca imaginou que sua vida chegaria neste ponto. Mas ele sabia que era necessário, sabia que não podia mais viver como vivia há cinco anos atrás.

Tentou desviar seus pensamentos e se concentrar em parecer um homem estável, pois em dentro de meia hora, segundo suas contas, algo raro iria acontecer: Bruce iria receber uma visita.

Selly era sua colega de trabalho. Há duas semanas aproximadamente, os dois começaram a se aproximar. Era incrível a capacidade que aquela mulher tinha para fazê-lo sentir-se bem. Até que na tarde da última terça-feira ela se ofereceu para visitar o lar de Bruce. Ele, surpreendido com a proposta, aceitou. Apesar de até aquele momento a noite estar como as outras, ele sabia que ela acabaria de um modo diferente - não que algo fosse acontecer entre os dois, porém o simples fato de alguém ir visitá-lo já mudava muitas coisas.

A mesa já estava arrumada. Sobre ela estavam dois pratos, duas taças e no centro se encontrava um vinho barato. Desde que havia se mudado para aquele local, a mesa circular de quatro lugares nunca havia ficado daquele modo. Bruce deu um leve sorriso e fechou os olhos enquanto continuava a esperar.

Como ele havia imaginado, a campainha tocou na hora certa. Bruce ficou de pé e caminhou em direção a porta. Quando ele a abriu viu Selly sorrindo.

- Entre e fique à vontade – Dizia Bruce retribuindo o sorriso. – Não é o melhor ambiente do mundo, mas espero que goste.

Selly entrou enquanto Bruce a observava: era uma mulher bonita, seus cabelos eram negros e contrastavam com a cor de seus olhos. A palidez de sua pele era atraente e seus lábios eram rosados e carnudos. Naquele momento ela usava uma jaqueta jeans escura não muito elegante, porém isso não fazia a mínima diferença para Bruce – com o passar dos anos ele aprendeu a não se importar mais com roupas ou com o status das pessoas.

- Não diga isto. Este lugar é perfeito - disse Selly enquanto sentava-se no sofá.

Bruce se sentou ao lado dela. Se fosse qualquer outra pessoa que estivesse ali seria impossível ele sentir-se à vontade. Selly se demonstrou parecer tão especial que Bruce chegaria a contar seus segredos mais profundos e secretos. Entretanto ele sabia que isso era inviável e caso acontecesse, o equilíbrio que ele se dedicava a manter em sua vida iria desmoronar. Mais uma vez tentando ofuscar os mesmos pensamentos que chegavam a sua mente corriqueiramente, Bruce iniciou a conversa:

- Comprei um vinho para nos fazer relaxar um pouco. Semana difícil, concorda?

- Sempre é. Mas o que podemos fazer quando não nascemos com privilégios? – Respondeu ela suspirando e sorrindo, fazendo Bruce perceber seu conformismo debochado. – Bem, não vamos pensar nessas coisas chatas, pois fiz o que geralmente os homens fazem, ou seja, marquei um encontro. Então quero que esta noite seja agradável.

- Tudo bem. – Disse Bruce sorrindo. – Mas quero que você fique sabendo que eu já estava pensando em chamá-la para um jantar.

Selly o olhou ironicamente.

- Sei... acredito. – Disse ela enquanto tirava de dentro da bolsa uma carteira de cigarros e um isqueiro. – Quer um?

- Agradeço. – Disse ele, aceitando.

Os dois começaram a conversar. Cada um contava mais detalhes de suas vidas de forma descontraída. Mas era fácil perceber que Bruce era mais fechado. Havia perguntas que Selly fazia que, ao invés de respondê-las, Bruce mudava de assunto bruscamente. Houve um momento no qual ele chegava a ficar de pé e caminhar de um lado para o outro na tentativa de achar palavras melhores para responder as perguntas. Em uma hora que Bruce estava prestes a ter a mesma atitude, Selly colocou a mão no ombro do homem, fazendo o relaxar.

- Não estou te obrigando a falar o que você não queira falar. Está bem? Então que tal abrir aquele delicioso vinho? – Perguntou ela sorrindo carinhosamente.

Os dois ficaram de pé e caminharam até a mesa. Porém, antes de apanhar a garrafa com a bebida, Selly disse que queria ir ao banheiro. Enquanto ela saia, Bruce começou a servir o vinho e então ficou esperando ela retornar.

Quinze minutos se passaram e nenhum sinal da volta de Selly. Preocupado, Bruce andou até o banheiro e ficou em frente à porta fechada.

- Selly?

Silêncio.

- Selly?!

Assustado, ele entrou no cômodo pequeno e úmido, mas encontrou-o vazio. Saiu e então começou a procurá-la pela casa. Foi então que um pensamento veio-lhe a mente deixando-o mais preocupado ainda. Não pensou duas vezes e correu para o seu quarto. Chegando a este encontrou Selly petrificada segurando algo.

O segredo de Bruce naquele instante fora revelado. Não havia mais volta. E ele sabia que, a partir daquele momento, não poderia mais medir suas palavras. Apenas fechou os olhos e baixou a cabeça enquanto Selly começava a se aproximar dele. Com uma das mãos tirou os óculos do homem pálido e triste e com a outra encaixou a pequena máscara negra em sua face que contornava seus olhos e lhe cobria uma parte da maçã do rosto.