Mensageiro - Parte 3

A mensagem alienígena não estava necessariamente encriptada, mas sim compactada. Nem faria sentido esconder uma mensagem que se desejava que fosse compreendida. A compactação foi de certa forma obrigatória, única forma de tentar fazer com que tanta informação coubesse na memória limitada do computador primitivo. E por que aquele computador primitivo? Eles desejavam que o compreendêssemos, e temiam que um mais sofisticado tornaria isto impossível? Difícil conhecer as razões de uma inteligência alienígena, suas motivações...

Como disse, a mensagem era compactada, e não criptografada. Mas, quando se desconhece o algoritmo de compactação utilizado, não existe realmente grande diferença entre mensagem compactada e mensagem criptografada. Critoanalistas e matemáticos de todos os cantos do mundo se esforçavam a uns 70 anos para decodificar aquela mensagem. Desde que se descobriu que era uma informação binária, no começo dos anos 70, e se encontrou uma maneira de trazer para fora tais informações, por volta de 1980.

Um dado muito importante para iniciar qualquer tipo de criptoanálise é conhecer, ou ao menos ter uma suposição muito boa, de qual a linguagem codificada na mensagem em questão. Isto permite procurar padrões, associar combinações de bits a palavras comuns de um idioma, por exemplo, e usar esta informação mínima como chave para decodificar todo o resto. E aí estava o grande problema: ninguém sabia qual era a língua alienígena usada na mensagem original! "Klingon", diria algum engraçadinho. Ora, poupe-nos de tais piadinhas infames...

Em meados do século 21 foi sugerido que deveriam existir números na mensagem, qualquer que fosse a língua alienígena na qual ela estivesse escrita. Como o alienígena encontrado possuía, como nós, 5 dedos em cada mão, pareceu razoável supor que tais números estivessem notados no sistema decimal. Foi assim que começou a busca por constantes matemáticas e cosmológicas no conteúdo daquela mensagem. Precisavam começar com alguma coisa, não é? Era inaceitável que a mensagem estivesse para completar um século sem luz alguma quanto ao seu conteúdo. Com isto em mente, qual não foi o espanto quando começaram a decodificar dentro dela citações explícitas de vários PIs, tabelas de logaritmos... Encontrar vários casos de fórmulas (ainda incompreensíveis, infelizmente) que citavam a Constante Gravitacional e a Velocidade da Luz deixou os pesquisadores ainda mais radiantes, lhes deram a certeza de que, de onde quer que fossem os criadores daquela mensagem, ao menos parecia que estavam no mesmo Universo que nós! Mas o fato dos números, apesar de decimais, serem escritos sempre de trás para a frente, era no mínimo intrigante. A constante PI, que tanta vezes encontraram na mensagem, não era nosso conhecido "3.14159265", mas algo como "562951413 01 8 ^/". A terminação misteriosa costumava ser interpretada pelos cientistas como "314159265/(10^8)"

Cientistas da computação rapidamente reconheceram que as fórmulas codificadas pelos alienígenas eram posfixas, e não infixas como estamos acostumados. Os operadores não eram colocados ENTRE os operandos, mas sim DEPOIS deles, bem parecido com instruções da antiga linguagem Forth que eles haviam estudado nas suas aulas de História da Computação. Eles não escreveriam "1 + 2 * 3 = 7", por exemplo, mas algo parecido com "1 2 3 * + 7 =". Também representariam a fórmula "(a+b+c)*((d/(e+f))^g" em algo equivalente a "ab+c+def+/g^*", dispensando totalmente a necessidade de parêntesis e outros símbolos para agregar operações, bem como dispensando a necessidade de qualquer tipo de regra de precedência entre os operadores: você resolve na ordem em que lê, memorizando os últimos resultados.

Muitos defendiam que esta escolha dos alienígenas foi para facilitar a inserção de suas fórmulas diretamente nos seus computadores. Um alívio, pois começaram a desconfiar que os alienígenas talvez vivessem "de trás para frente" dada sua curiosa representação invertida dos números. Por exemplo, o número "vinte mil trezentos e dezenove" era representado por eles como "91302", ao invés de "20319". Como argumentaram os cientistas da computação que descobriram o caráter posfixo das fórmulas, isto também deveria ser assim para facilitar a entrada de números decimais nos computadores, permitia esforço menor na conversão dos decimais para representação binária interna deles.

De nada adiantaria reconhecer números sem entender o texto, sem decodificar a língua em que eram escritas as explicações. E que língua seria esta? Nenhuma humana, sem sombra de dúvida! Seria coincidência incrível descobrir que os alienígenas escreviam em inglês, francês, alemão... ou qualquer outra língua terrena. Estavam num impasse insolúvel...

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Precisavam de uma "pedra de roseta" para a mensagem. Decodificar números e fórmulas, embora sendo um avanço considerável, não era suficiente... Existiria um alfabeto na língua alienígena? Um conjunto limitado de símbolos que formassem palavras? Mais que isso: existiriam PALAVRAS na língua alienígena? Algo equivalente ao nosso espaço separando os símbolos alfabéticos?

Era absurdo total tentar decodificar o alfabeto alienígena pareando-o com o nosso próprio alfabeto ocidental. De tal forma que o linguista se surpreendeu ao, assumindo o binário de oito bits 32 como separador de palavras, começou a ler em seu terminal a palavra:

- SALVETE!

- Que você disse?

- SALVETE! Faz sentido pra você?

- Oras! Um chute! Pura coincidência, não deve significar nada na língua deles! Por que eles codificariam algo em ASCII?

- Eles têm nos ouvido a algum tempo! Podem ter formado algum padrão.

- Não, duvido, mas... continue! Existe uma próxima palavra também bem delimitada pelo byte 32?

- QVICVNQVE ESTIS...

- Não disse! coincidência pura coincidência! Isto não faz o mínimo sentido!

- PONTO-E-VÍRGULA...

- Que?

- Ponto e vírgula! O próximo conjunto de oito bits representa um ponto e vírgula!

- Mas que raio de língua é essa?

- Posso continuar?

Nem é preciso mencionar a excitação em que se encontravam os dois cientistas naquele momento, não é? Continuaram decodificando aquela mensagem, usando os parâmetros e algoritmo recém descobertos:

- BONAM ERGO VOS VOLVNTATEM HABEMVS - ele não acreditava nos caracteres que surgiam em seu display... - VÍRGULA...

- Caramba! Isto parece uma língua nossa!! Só não sei dizer qual é...

- Chame o Marcos! Ele conhece línguas antigas!

- Mas por que raios eles estariam se comunicando por línguas antigas?

- Não sei, cara! Chama o Marcos!

Continuou decodificando aquele trecho da mensagem, enquanto o colega buscava o especialista.

- ET PACEM PER ASTRA FERIMVS.

Ele releu aquilo com olhos vidrados no display. Não era possível! Nada entendia, mas... Havia uma língua antiga em que U e V eram a mesma letra, não havia? Releu aquilo, com esta ideia em mente:

- "Salvete quicumque estis; bonam ergo vos voluntatem habemus, et pacem per astra ferimus."

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Marcos observou atônito aquela mensagem sem acreditar.

- Fala alguma coisa, cara! - os cientistas tentavam tirá-lo do transe.

- Isto é... Latim!!!

- Latim??? Por que cargas dágua os alienígenas tentariam se comunicar conosco em latim?

Ele releu aquilo com cuidado.

- Posso traduzir facilmente.

- O que está esperando?

Ele pensou uns segundos.

- As autoridades já foram comunicadas?

- Óbvio que sim! Vai logo, Marcos! Quer nos matar de curiosidade?

Ele releu a frase inúmeras vezes, sem acreditar.

- Eu conheço esta frase!

- Desembucha!!! - ambos os cientistas berraram simultâneos.

Marcos pigarreou. Queria colocar uma voz bem dramática naquilo. Artes cênicas era sua segunda opção no vestibular que fizera 20 anos atrás.

- "Saudações quem quer que sejam; para convosco boa vontade temos, e paz pelo espaço trazemos."

- Caramba!! É um dos "viemos em paz" mais bonitos que já ouvi na vida!

- Fomos nós que mandamos isto! Sabia que já tinha ouvido esta frase!

- Nós?

O estreante a ator disse em tom grave, fechando sua cena:

- Nós, gravado nos discos dourados das Voyagers...

*** CONTINUA ***