A FESTA EM GANÍMEDES

Hiperbórea, 17 de junho de 2014.

Enquanto na Terra aproximava-se o cataclismo da guerra, nas luas de Júpiter tudo era harmonia nesses dias tranqüilos. As más notícias ainda não tinham chegado, devido às interferências solares no rádio; e a prolongada lua-de-mel de Aldo e Inge já durava dois meses.

O casal dispunha de uma patrulheira da classe AR-1, construída em Marte; para fazer suas excursões pelas luas. A nova patrulheira preenchia o vazio entre os caças da classe CH-3 e as naves da classe Antílope. A AR-1 era a menina dos olhos do doutor Valerión, que a considerava a melhor nave que já fabricara.

Quanto à Hércules; parecia recém saída do estaleiro; fora consertada e estava totalmente renovada depois da queda em Io e das batalhas contra os piratas. Contava agora com um computador positrônico raniano. Os motores foram substituídos pelos impulsores de plasma VAL-1000 que atingiam um milhão de kms por hora; tecnologia das naves ranianas.

Os impulsores ainda precisavam ser aperfeiçoados. Segundo os ranianos, essa velocidade era o dobro da manobra máxima deles, mas quase 50 vezes menos de um quinto do impulso das naves interestelares, que era de 74.940,62 kms por segundo, ou seja, 269.786.232 de kms por hora em impulso total; um quarto da velocidade da luz; o necessário para entrar na dobra gerada por outra tecnologia ainda longe do alcance dos humanos. Entre outras modificações, na ponte foi colocada uma poltrona central para o capitão, agora ocupada por Boris.

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A velha tripulação ainda permanecia em seus postos, adaptando-se aos novos equipamentos; com Boris, comandante; Konstantin, navegador o chefe Marnes, primeiro contramestre; Regina, acumulando as funções de Inge, Lídia, médica chefe; Henschel, engenheiro chefe; Dreisen, segundo engenheiro; Grubber e Báez como artilheiros; Ivan Kowalsky e Tom Cikutovitch, pilotos de caça; o Mudo Gatti, sobrecargo e cozinheiro; os astronautas Simon Gart e Karl Wassermann, sempre como improvisados foguistas da engenharia, sujos, cobertos de graxa, com chaves inglesas e estopas nos bolsos.

Foram incorporadas à estrutura novas garras de atracação para seis caças CH-3 de última fabricação e três patrulheiras da classe AR-1;

pilotadas pelos três mosqueteiros franceses Ives, Jacques e Adolphe.

Para compensar perdas e mortes eram necessários mais dezesseis tripulantes, mas foram recrutados quatro. A cadeira do piloto foi para Nebenka Marusitch, uma experimentada astronauta russa, habituada a pilotar naves em teste; amiga do Doutor Valerión, que como cientista chefe, mudou-se com malas e bagagens para a cabine que foi do Professor Von Kruger; quem passou em definitiva para a Vingador.

Foi necessário também incluir um mecânico de caça para os novos aviões, Felipe Carlos Martinez, brasileiro, mistura de japonês com uruguaio e um novo primeiro piloto; o coronel Alan Claude Sarrazin piloto de caça da FAEB (Força Aérea Espacial Brasileira); filho do desaparecido Martin Juan Sarrazin, um dos fundadores de Antártica. Alan Claude trouxe seu protegido, o alferes Lobsang Dondup, grumete tibetano de 14 anos, filho de um camarada assassinado pela Nova Ordem Mundial.

Com eles a tripulação passou para 22, além de Aldo e Inge. A nave está em estado permanente de alerta, para rigorosos testes com seus aviões auxiliares, assim como também as tripulações da Vingador e da Milenium, com todas as atualizações; que estão sempre em prontidão de treinamento.

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Neste meio tempo, os piratas cessaram suas incursões e parece haver uma relativa paz nas luas por enquanto. Valerión estudou as naves piratas capturadas e construiu um detector de energia cósmica retransmitida, para tentar localizar a fonte de emissão de energia dos piratas. Se isso for possível, os piratas podem ficar a pé e sua derrota seria questão de tempo. A conclusão do Doutor Valerión foi de que tal emissor não se encontra nas luas de Júpiter, senão em outro lugar, talvez nos asteróides Troianos. Seria imperativo ir a eles para destruir o emissor. Valerión e von Kruger comunicaram-se nave a nave, para trocar idéias:

–Após tantos anos descobrimos raios cósmicos aproveitáveis, professor.

–Já Herr Doktor. Há naves que os recebem diretamente, sem o emissor.

–Sim, as maiores; mas nunca as pudemos ver nem de perto nem de longe.

–Quando tentei desmontar o receptor da máquina hibernadora de Pomona, este se desintegrou, Herr Doktor.

–Deve ser por segurança. Os receptores piratas são mais simples, Professor.

–Se conseguirmos parar o emissor, só sobrarão naves interestelares no sistema, e esses pequenos discos deles ficarão inoperantes, Herr Doktor.

–É o que pretendo fazer, Professor. Estou planejando os passos a dar.

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A festa em Ganímedes.

Aldo e Inge viviam felizes; compraram uma mansão de dois andares com

terraço redondo coberto por uma cúpula de alumínio transparente, rodeado de um sofá semicircular; do qual admiravam o disco de Júpiter que ocupava três quartos do céu, tomando seu chá da tarde.

–Faz quase dois meses que nos casamos e ainda não tens falado em voltar ao espaço – disse ela enquanto colocava manteiga na torrada.

–Por causa de nós – respondeu ele servindo chá para ambos – quero aproveitar nossa solidão todo o tempo possível para recuperar o que perdemos em todos estes anos de luta e trabalho. Ao voltar ao serviço não teremos intimidade. Estaremos rodeados de gente...

–Gente íntima, Aldo. Gente como Konstantin, Lídia, Boris, Regina, o Mudo, Henschel, Simon, Marnes, Kowalsky, Dreisen... Gente que lutou bravamente e sangrou conosco, gente que naufragou conosco, gente que trabalhou conosco recuperando a nave para nos tirar de Io, gente que lutou lado a lado conosco contra os piratas... Gente em que podemos confiar nossas vidas.

–Concordo. Mas este isolamento, esta paz, não tem preço.

–Germânia III tem sido pródiga conosco, Aldo...

–Sim, tem sido. Mas vamos alegrar-nos, Inge. Recebi um convite do Barão von Ritcher-Braun para a festa da colheita de folhas de akok em Ganímedes. Ele vai levar a Astrid. De passo saberemos quando ele pretende se casar com essa menina.

–Quando será a festa?

–Começa na próxima noite da colônia Ganímedes, daqui a cinco horas e meia e parece que pode durar até quatro dias. Será bom levar roupa adequada para...

–Vou fazer as malas e me arrumar.

–E eu vou esquentar os motores da patrulheira.

–Nossa primeira festa depois de casados, percebeu?

–Vai para o diário de bordo.

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Ganímedes, cinco horas depois.

Todo o mundo estava aí... Vários mundos estavam aí. Terrestres, marcianos, ranianos, hiperbóreos, colonos espanhóis, portugueses e escandinavos. Também havia milkaros e uns humanos desconhecidos, em naves rápidas de desenho arrojado.

–São colonos dos Troianos – disse Paco Del Puerto – alguns são espanhóis e outros escandinavos; as naves são da classe Wernher-1999, compradas em Hiperbórea. Com algumas modificações atingem de um quarto até meia manobra.

–Notei que as cores dos brasões são diferentes – disse Aldo.

–Estão divididos em clãs familiares. Cada asteróide tem um conde, ou um barão, como os antigos senhores feudais. São auto-suficientes e livres.

–Fascinante. Como vivem naqueles asteróides?

–No subsolo. Parecem colméias cheias de galerias e alojamentos.

–Você os conhece?

–Já visitei alguns deles. Por exemplo, aqueles que parecem cavaleiros da mesa redonda são Darío de Patroclo-617 e Jorge de Príamo-884.

–E aqueles barbudos que parecem Vikings?

–O de barba ruiva é o temível senhor de Enéas-1172, Conde Olaf Ulfrum, e aquele outro com olhos de ratazana é o seu comparsa, o sinistro Wilfred West, de Diomedes-1437; senhores feudais dos Posteriores. Eles me dão arrepios.

–Por quê?

–São tiranos perversos.

O Barão von Ritcher-Braun aproximou-se e interveio na conversa:

–Não entendo espanhol, mas imagino que estão falando daqueles dois.

–Estamos, Karl – disse Aldo em raniano – Paco disse que não gosta deles.

–Concordo. Esses dois não prestam, são indignos do privilegio que significa ter achado um novo mundo; talvez por não possuir genes sadios com a grandeza dos seus conterrâneos. Deve ter sido a péssima mistura de sangue em todos estes anos. Cuidado com eles, Aldo.

–De que vivem?

–Exploram minas de irídio, selênio, cristais de diankrap, urânio, boro, lítio, ferro e outras coisas – disse o Barão, esvaziando uma jarra de cerveja calistana.

–Que outras coisas?

–Comerciam o minério, os alimentos, o combustível, e outras coisas...

–Que outras coisas? – insistiu Aldo.

–Prisioneiros; os piratas milkaros e os desprezíveis kholems.

–O quê? – se escandalizou Aldo.

–Fale mais baixo – disse Paco, olhando para todos lados.

–Expliquem isso – exigiu Aldo, alterado.

–Os põem a trabalhar nas minas – disse o Barão – Os trocam entre eles quando sobra serviço num lugar e falta em outro.

–E vocês o toleram? – quase gritou Aldo.

–Não há prisões por aqui – disse o Barão – Em Hiperbórea não se cometem crimes, nem nas luas e nem nos troianos. Os únicos criminosos por aqui são os piratas.

–Necessitamos o mineral – disse Paco, laconicamente.

O Barão acrescentou:

–O comércio é de vital importância para todos. O urânio mantém nossas naves operacionais e as usinas funcionando. Além disso, os piratas são uma praga.

–Eles têm que pagar seus crimes – disse Paco.

–Colocá-los a trabalhar para compensar os danos e as mortes que ocasionaram é bem melhor do que matá-los. Não acha? – disse o Barão.

–Entendo – concordou Aldo – me desculpem, ainda estou chocado.

–Há outra visão das coisas por aqui – disse Paco, devorando um canapé e bebendo um gole de cerveja calistana – na Terra existe a escravidão sob outro nome.

–Tem razão. O que não entendo é de onde é que esses piratas vêm.

–Vamos perguntar ao capitão Pru, que aí chega.

–E bem acompanhado – disse Karl – trouxe as quatro esposas e as respectivas cunhadas, irmãs, primas... E com certeza suas sogras...

–Não exagere – disse Paco – as sogras devem ter ficado no planeta dele. Nem sequer um milkaro seria capaz de conviver com quatro sogras a bordo de uma nave.

–Talvez ele consiga – observou Aldo – a nave é grande como uma cidade.

–Até que são bonitinhas de corpo, essas milkaras...

–Você é casado, Paco!

–Só comentei, Karl.

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–Eles vêm de Milkar, são proscritos que não se adaptaram às leis do Império.

O capitão Pru Atol 7752, sentou-se à mesa dos três humanos e beliscou umas iguarias compatíveis, que uma das fêmeas de silício colocara na sua frente.

–Se entendo bem, Milkar está numa galáxia que os humanos conhecemos como M-31 NGC 0224 Andromedae, na constelação que denominamos Andrômeda.

–Deve ser, capitão Aldo... Se você o diz.

–Pelo que sei fica a 2.200.000 de anos luz, ou seja, a 674.846,73 parsecs daqui, em medidas que você pode entender.

–Está correto.

–É um bocado longe. Quanto se demora em vir aqui?

–Em dobra 9,99, na nave mais rápida da Suprema Confederação... 157 anos de suas medidas de tempo, mas a velocidade só pode ser mantida por alguns minutos do seu tempo antes das bobinas queimarem e o reator explodir. Se fosse uma das nossas demoraria 11 anos do seu tempo em dobra 9,9999, mas em alguns minutos explodiria.

–Então, como conseguem? – perguntou Aldo incrédulo.

–Ninguém consegue, capitão. Existe um atalho, uma anomalia espaço temporal instável que eles aproveitam quando podem e pela qual eu passei, assim como meus antepassados fizeram muitas gerações atrás.

–Anomalia espaço temporal?

–Uma fenda espacial, perto de uma estrela que vocês chamam de Almach. Está a 79,75 parsecs daqui. Existem muitas anomalias por aí fora.

–Almach é Gamma 1 Andrômeda, a 260 anos luz – disse Paco – mais ou menos 295 dias padrão em dobra 5,5 em nave de batalha da Suprema Confederação.

–Disse que a fenda espacial é instável?

–Sim, capitão. Ela passa por Almach a cada... 56 anos do seu tempo.

–Quer dizer que a cada 56 anos eles nos invadem?

–Não necessariamente. Às vezes eles não vêm aqui, senão que visitam outras estrelas deste quadrante. Talvez esses piratas nem nasceram em Milkar.

–A fenda fica aberta muito tempo? – perguntou Paco.

–Em suas medidas de tempo... 240 dias padrão. Eu passei logo que abriu e me encontrei com meu pai que retornava. Muitos viajantes devem ter se perdido ao sair de Milkar e tentar vir aqui. Não faço idéia de onde eles podem ter ido a parar.

–Quando foi que você chegou? – perguntou Aldo.

–Em medidas do seu tempo... 45 anos. Foi quando seu povo conseguiu chegar a sua lua... Presenciei a caminhada de dois humanos no local.

–Você deve ter visto a nave de Armstrong e Aldrin, em 1969.

–Esta nave – disse o milkaro mostrando um holograma – eles também me viram, como você deve de saber.

–Sim, é ela, mas a ditadura terrestre nega que você exista... Mas então, se você quiser voltar deverá esperar onze anos padrão...? Até 2025?

–Isso é correto.

–Mas a sua galáxia é muito grande, talvez outras raças tenham passado...

–A outra ponta é fixa, capitão. Há uma base imperial perto dela para impedir que entrem seres indesejáveis. Quanto a sair... Eles o fazem por conta e risco.

–Existem outras fendas espaciais neste quadrante?

–Há uma anomalia fixa que comunica com o quadrante Delta. Os alakranos a descobriram na época da guerra contra o Império Raniano; há mais de 10.500 anos terrestres e a usaram para passar. Nós a redescobrimos há mais ou menos 200 anos.

–Onde?

–Perto de Shaula, a estrela Lambda do Escorpião – interveio Paco.

–Está a 175,22 parsecs daqui, ou 571,21 anos luz em suas medidas – disse Pru.

–Vinte e um meses de viagem em dobra 5,5 em nave de batalha confederada.

–Você está muito bem informado, Paco.

–É o privilegio de morar aqui, Aldo.

–Você já viajou numa nave dessas?

–Não, mas estive a bordo uma vez, quando abasteceram no entreposto que temos em Plutão. Conversei bastante com o capitão confederado e até pedi para que me levasse num passeio, mas ele se negou, apesar de que vendi cristais de diankrap.

–Por quê?

–Eles têm uma série de diretrizes de como proceder com os povos que não têm capacidade de dobra. Uma delas é a de não intervenção com os menos avançados.

–Para mim isso é uma bobagem. Se não fosse por nós, os marcianos nunca sairiam do seu planeta. Agora estão lado a lado conosco no sistema solar.

–Do nosso ponto de vista você está certo, capitão – interveio o Barão – mas eles têm suas leis e são rigorosas.

–E vocês, milkaros... Também têm essas diretrizes? – perguntou Aldo.

–Temos algo parecido.

–Nos ajudariam a conseguir a capacidade de dobra?

–Para seu bem... Não.

–Por quê? Ah!... Entendi... Ainda está zangado comigo, quando pensei que você era um pirata e o joguei na masmorra da Vingador. Saiba que me arrependo até hoje. Aquele dia eu tinha matado muita gente, estava estressado, cansado, não dormira por quatro dias e estava acordado à força de drogas... Esse não era eu.

–Não fiquei zangado, apenas ressentido, você estava no meio de uma guerra e fez o que eu faria na mesma situação. Além disso, já me pediu desculpas, lembra?

–Sim... Então porquê...?

–Porque você não tem idéia de quanto isso é perigoso. Vocês lidam com quantidades ínfimas de antimatéria, apenas criam uns poucos átomos para mover suas naves. Se tivessem que lidar com as quantidades necessárias para criar uma dobra espacial, poderiam se autodestruir... E ao planeta onde estiverem.

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O troiano.

Olaf Ulfrum estava num dos seus melhores dias.

Estreava uma nave nova da classe Wernher-1999, a Wodan, recém adquirida em Germânia III; fabricada ao seu gosto. Efetuara excelentes negócios e também estava se divertindo bastante. Suas naves de carga transbordavam de mercadorias destinadas ao seu pequeno mundo e suas tripulações apenas esperavam a festa acabar para partir. Além do mais aquela cerveja de Calisto estava boa demais e já esvaziara algumas jarras. Só precisava de uma mulher para que sua alegria fosse completa, mas isso era algo que sempre foi difícil para ele.

Olaf não era um homem bonito.

Não era alto e garboso como seus tripulantes. Era meio torto e contrafeito; seu cabelo e barbas ruivos eram duros e encaracolados, diferente do padrão escandinavo.

Havia uma lenda escura do seu passado, que mencionava que sua mãe, a velha condessa, sempre fora estéril. Também era mencionada uma mulher, seqüestrada na lua Io, onde viviam colonos espanhóis... Mas isso nunca foi provado e o velho Conde Gunther Ulfrum levou seu segredo ao túmulo.

Mas agora este jovem conde observava as belas mulheres presentes com olhos anuviados pela cerveja calistana; e aquela jovem humana, loira, alta, elegantemente vestida, enfeitada com ricas jóias, que conversava animadamente com um grupo de fêmeas marcianas, humanas e milkaras; atraiu sua atenção. Era um sonho de mulher.

Olaf alisou seu bigode ruivo, passou a mão na barba e aproximou-se da deusa nórdica que talvez fosse Brunhild, a rainha das Walkírias...

–Permite-me o prazer de sua companhia? Sou o Conde Olaf Ulfrum, de Enéas-1172; mundo que governo – disse ele, conforme o protocolo.

Ela observou-o de cima a abaixo sem se impressionar, mas seguiu o protocolo:

–Eu já estou bem acompanhada, meu senhor; mas... Por quê não...? Eu sou a Dama Ingeborg Stefansson Wilkins de Santos Drummond; de Germânia III, de Marte e da Terra. Deve ter percebido, pela minha tatuagem, que sou Sacerdotisa Odínica.

Olaf ficou de boca aberta.

–Uma Reverenda! Como dizem em Io; Beso sus pies, señora!

Inge sorriu, mas sua intuição lhe fez notar algo de maligno naquele homem.

–Obrigada, meu senhor conde. Já conhece meu marido?

–Não, Ilustre Dama. Deve ser o homem mais afortunado destas luas. Acredite que a partir deste momento começarei a invejá-lo terrivelmente.

–Não será para tanto, meu senhor conde. Venha. Vou lhe apresentar.

–Não faço questão, Ilustre Dama, mas se insiste...

Não foi inadvertido para ela o gesto de ódio que Olaf lutou para ocultar.

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A festa da Colheita de Folhas de Akok prolongou-se os quatro dias previstos. Aldo e Inge dormiram todas as três noites no palácio do governador milkaro; de quem eram hóspedes, junto com outros convidados ilustres.

Na última noite, como era o costume, foi feito um concurso de beleza entre as fêmeas presentes. Deveriam ser três delas; uma de cada espécie; as mais belas da festa pelos padrões de cada povo. Todos os seres presentes podiam votar e Inge foi escolhida a rainha das humanas.

Danai Vurián, esposa de Lon, foi eleita a rainha das marcianas e a milkara Tules Atol, a mais jovem das quatro esposas de Pru Atol 7752, foi eleita a rainha das milkaras.

Mas essa noite Aldo estava de mau humor.

Era obvio que Olaf cobiçava sua mulher e essa última noite; ele e o troiano tiveram uma violenta discussão no salão que quase provocou uma briga para espanto dos convidados que se uniram para afastá-los.

–Terrestre debilóide! – cuspiu Olaf.

–Quer experimentar? – disse Aldo.

–Não vale a pena – respondeu o troiano avaliando os músculos do oponente.

Aldo tirou uma luva e esbofeteou com ela o rosto do troiano.

–Desafio-lhe a duelo – disse.

Olaf empalideceu.

–Ah... Aceito – balbuciou Olaf – Como...? Como será?

–Escolha as armas; pistola, espada ou faca.

–Ah... Pistola phaser.

–A 20 metros, sem armadura, na pista de pouso.

–Ao amanhecer – disse Olaf meio sem jeito – Deixemos a festa acabar.

–Muito bem – disse Aldo virando as costas e retirando-se.

Paco chamou Karl com um gesto:

–Isso não me agrada. Isto não podia acontecer.

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Essa noite, na cama, Inge estava inquieta.

–Não há como te fazer desistir dessa bobagem?

–Não. O sujeito é um cretino; não te deixou em paz nestes quatro dias e além do mais o desafiei na frente de todos. Sabes que a cultura do meu país exige o duelo.

–Teu país é a Antártica.

–Ainda assim. Não vou deixar por menos.

–Esses homens latinos...!

–Mas tu gostas deste latino, minha deusa nórdica.

–Sim. Mas não precisas te arriscar, seu bobo.

–Preciso adquirir prestígio entre essa gente. Já que estamos aqui, precisamos deles, e para tanto devemos mostrar que não estamos aqui para brincar.

–Há outras formas...

–Não há. Temos que falar na linguagem que eles entendem. Agora dorme.

Inge estava realmente cansada e dormiu logo.

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Aldo levantou-se procurando não acordar a Inge. Paco e Karl esperavam no corredor com um traje sobressalente. A colônia controlada por milkaros estava situada nas antípodas da base terrestre que agora dormia.

Júpiter levantava-se no céu, iluminando as ruas desertas, enquanto os três amigos caminhavam até o astroporto.

–As naves cargueiras de Enéas-1172 decolaram esta noite – disse Paco.

–A Wodan está na cabeceira da pista – disse o Barão.

–Isso é mau – disse Aldo – sinto perigo.

De repente vários atacantes atiraram neles, entre a entrada e a pista principal. Aldo e seus amigos responderam com suas phasers sem resultado devido às armaduras dos inimigos. Aldo lamentou não ter sua pistola marciana que teria dado conta deles. Aldo foi atingido e caiu. Depois seus amigos caíram. Quando a segurança apareceu, era tarde. Os atacantes sumiram deixando os três homens inertes no chão.

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Ganímedes, 21 de junho de 2014. (140621).

Aldo acordou na enfermaria do astroporto com dor de cabeça. Tentou se levantar, mas não conseguiu. Estava enjoado e dolorido.

Paco e Karl estavam do seu lado.

–Ah. Você voltou – disse o Barão.

–Como não estou morto?

–Era para estar, mas estes trajes têm tecnologia milkara.

–Vocês trapacearam...?

–Claro. Não íamos permitir que esse bastardo sem casta lhe matasse num duelo estúpido – disse o barão.

–O pegaram, pelo menos?

–Decolou há uma hora com tripulação completa – disse Paco.

–Um covarde – disse o Barão – desonrado para sempre!

–Ninguém terá mais respeito por ele – disse o colono espanhol – Nunca!

–Ninguém saiu em perseguição?

–Tomaram a base de surpresa e danificaram as naves de patrulha.

–Nos enganaram direitinho.

–Não vão longe – disse Karl – vamos castigá-los.

–Concordo.

–Pedimos ajuda à base terrestre. A Hércules está a caminho – disse Paco.

–Ótimo. Que alguém busque minha esposa.

–Um dos meus homens já foi buscá-la.

–Obrigado.

–Veja, a Hércules está chegando.

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A famosa nave tocou o solo. Em um minuto, Boris, Regina e Valerión corriam às construções. Ao mesmo tempo retornou o homem que foi buscar a Inge. Aldo colocou os pés no chão e encarou o homem:

–Cadê a minha esposa?

–Não estava no quarto, senhor.

–Como que não estava? Deixei-a dormindo!

–Havia sinais de luta, capitão. Encontrei esta bolsa no corredor.

Aldo empalideceu.

Regina pegou a bolsa da sua amiga e a abriu.

–Vejam – disse a psicóloga, pálida, quase a ponto de desmaiar.

Quando viu o que havia dentro da bolsa, Aldo começou a dar ordens ao seu pessoal rapidamente. Sabia muito bem que dez minutos mais tarde, a magnitude da sua tragédia não o deixaria pensar.

Em seguida Paco e o Barão foram procurar seu pessoal e os demais correram atrás de Aldo até a pista, onde a Hércules esperava com os motores ligados.

Regina carregava a bolsa de Inge; na qual havia uma madeixa de lã de wok, um par de agulhas de tricô e um par de sapatinhos de bebê.

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Continua em A PERSEGUIÇÃO

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O conto A FESTA EM GANÍMEDES forma parte integrante da saga inédita Mundos Paralelos ® – Fase 1, Volume 3, Capítulo 19, Páginas 9 a 16, cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com

O volume 1 da saga pode ser comprado em:

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Gabriel Solís
Enviado por Gabriel Solís em 19/05/2013
Reeditado em 02/06/2017
Código do texto: T4298728
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