Oceano Gasoso - Parte 10

- Vê o batiscafo daqui, Aruna? - as queixas de Mary Jane começavam a se tornar chatas!

- Já estamos bem perto! - ele mentia descaradamente, sem nada distinguir à sua frente! Será que Mary Jane não percebia? Parecia que não...

Sim, Mary Jane sabia que Aruna estava tão desorientado quanto ela! Mas não podia deixar isto aparecer! De um jeito ou de outro, eles sairiam desta enrascada!

A cidade flutuante mostrava a direção a seguir, de qualquer forma. A densa atmosfera logo obscurecia tudo no seu laranja pálido, mas ainda era possível avistar o ponto escuro da cidade, repleta de ar terrestre, flutuando no céu! Aquele imenso balão rígido, preenchido de nitrogênio e oxigênio, bem mais leves que o predominante dióxido de carbono da atmosfera de Vênus! Na falta de qualquer outro guia, havia este indicador confiável a seguir!

- Eles parecem gostar de mim! - dizia Mary Jane, vendo as criaturas venusianas percorrendo seus braços e pescoço.

- Você pretende levá-los?

- Óbvio que sim! Tem alguma dúvida?

Aruna empalideceu...

- Elas... morreriam!

- Não nas cápsulas pressurizadas a que temos direito! Mantidas à pressão e temperatura de Vênus na superfície... Ninguém vai perguntar do que se trata! Você vai dizer que são amostras de rochas especiais, se for realmente necessário!

- Eu????

- Duas possibilidades, Aruna: ninguém sabe sobre estes seres, e a desculpa vai parecer totalmente plausível! Possibilidade dois: saberão o que encontramos, mas vão continuar tentando encobrir. Sabendo que nós também sabemos, tentarão fazer um acordo... e acabarão deixando a gente passar com isto com ressalvas... Pra mim está ótimo também!

Aruna olhava o deserto desolado em todas as direções. Era o mais prático naquela situação.

- Nada vai acontecer se primeiro não descobrirmos como voltar, minha querida Mary Jane.

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A atmosfera densa dava um ar estranho a tudo que estava mais distante. O dançar bruxuleante das imagens indicava que estavam debaixo dágua, mas a clareza e transparência indicavam que estavam numa atmosfera. Estranha, de comportamento inesperado, mas... uma atmosfera! Composta de elementos gasosos! Um gás mantido a uma pressão tão forte que às vezes se comportava como líquido! Começava a fluir livre, dissolver elementos do solo, manter partículas em suspensão, até que algo lhe avisava: "Ei!!! Pode parar!!! Você é gás!!!" Era esta a realidade do fluido supercrítico que recobria a superfície de Vênus...

Aruna voltava seguindo seus instintos. Não poderias se guiar por campos magnéticos por um motivo simples: Vênus não tinha um campo magnético! Era consenso que a rotação do núcleo metálico dos planetas criavam seus campos magnéticos pelo efeito dínamo, e aparentemente, isto não existia em Vênus! Bem, como seu dia, sua rotação, era maior ainda que seu ano, isto nem deveria ser grande surpresa. Se o planeta praticamente não girava, muito menos seu núcleo! E, se o núcleo não gira, não existe campo magnético. Para sermos bem rigorosos, havia sim um fraquíssimo campo magnético, só que criado por um fenômeno bem diferente: da interação de partículas solares com as camadas mais altas da atmosfera do planeta! Incapaz de protegê-lo ou conseguir segurar íons mais leves em sua atmosfera.

- Pode ter sido isto que condenou Vênus ao efeito estufa! - começou Aruna a dizer, tentando descontrair o ambiente, se esquecer do calor que começava a se tornar insuportável dentro do traje robótico que agora funcionava apenas parcialmente.

- Como assim? Vênus já foi como a Terra?

- Ao que tudo indica, bem parecido! Inclusive com imensos oceanos de água! Mas parece que algo desandou. A água se evaporava e se dissociava em hidrogênio e oxigênio na alta atmosfera, por causa da radiação solar intensa. Sem um campo magnético forte o suficiente este hidrogênio acabava sendo perdido para o espaço interplanetário, e o oxigênio que sobrava se combinava com carbonatos da superfície formando CO2. Este CO2 esquentava mais ainda o planeta, evaporava mais água dos oceanos, mais hidrogênio era perdido e mais CO2 se formava, numa reação em cadeia fulminante. Veja bem que são só hipóteses, Mary Jane! Muita coisa ainda precisa ser confirmada...

- Continue, querido...

Fortalecido com este incentivo sutil, Aruna foi em frente:

- Bom, o dióxido de carbono começou a se acumular acelerado na superfície do planeta! Sem campo magnético, a radiação solar intensa só acelerou ainda mais o processo...

- Que horror!

- Quanto mais dióxido de carbono, mais subia a temperatura! Quanto mais subia a temperatura, mais dióxido de carbono se desprendia! Até tudo culminar neste inferno que você vê aqui em volta!

- E isto começou a acontecer na Terra no século 21, não é?

- Na verdade, consequência do que fizemos no século 20. Mas... conseguimos controlar a tempo! Felizmente! Se demorássemos mais um pouco, estaríamos perdidos...

- Talvez teríamos agora duas Vênus orbitando o Sol.

- Ainda bem que não! Ah!!! Agora é sério! - e ele estava sendo bem sincero agora... - Vejo nosso escafandro a uns 500 metros. Você aguenta até lá?

Neste momento Mary Jane desmaia de calor e cansaço...

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- Não faz isso comigo, garota!

Ela acorda reconhecendo o interior do escafandro por onde desceram.

- Chegamos!!!

Ela tateia o vazio, procurando:

- Cadê o Gregor e a Valentine?

- Quem??? - perguntou Aruna surpreso.

- Nossos bichinhos venusianos? Você os trouxe, não é, Aruna?

Sim, ele trouxe. O que não sabia era que já tinham até nomes!!

- Coloquei nas caixas pressurizadas. Vão perguntar sobre elas! Nem sei o que dizer!

- Amostras da superfície! É isso que você vai dizer! - afirmava Mary Jane decisiva!

- Isto se eles não inutilizarem os inspetores robóticos com seus campos magnéticos, né?

- Você me trouxe aqui?

- Você desmaiou, Mary Jane...

- Ah, aquele traje robótico... - ela estava aliviada de estar agora desfeita daquela carcaça angustiante, embora ainda estivesse bem quente dentro do batiscafo!

- Relatei o mal funcionamento dos nossos robôs. Não exigiram maiores detalhes, me parece que estão acostumados com isso. Liberaram rápido nossa subida...

Logo começaram a fazer a viagem de volta, levando uma carga inesperada. Inesperada? Não tinham certeza. Na dúvida decidiram, cúmplices, manter em segredo. Ao menos até descobrirem que não era tão secreto quanto imaginavam a princípio...

*** continua ***