VINGANÇA!
A Queda de Borália.
Amanhecer de 12 de abril de 2020 (200412).
–Os rebeldes estão desembarcando na praia, Djekal – disse Hung.
–Já? Como é possível? Em canoas?
–Pegaram todos os navios de carga e militares que havia na ilha. E parece que exterminaram até o último xawarek que não conseguiu fugir.
–Mande pará-los, Hung! Precisamos de tempo!
–Já fiz isso. Há três batalhões de xawareks mantendo-os à raia, e um grupo de helicópteros está indo para lá.
–Ótimo. Meu plano está dando certo.
–Está brincando, Djekal?
–Esta é a oportunidade que esperávamos, Hung. Podemos ir. Agora já não há mais perigo de ataque da Suprema Confederação.
–Mas assim perdemos o planeta!
–Por enquanto, Hung. É aquela retirada estratégica que falamos há sessenta períodos. Borália já estava a ponto de sublevar-se. Com isto podemos ir. A Suprema Confederação vai pensar que fugimos e não voltaremos. A notícia deve estar se espalhando e eles vão saber, porque o outro agente secreto não apareceu, lembra?
–Sim. Vamos partir e que os xawareks fiquem segurando a kinoah quente.
–Eles que se danem.
–E o prisioneiro?
–Tron o levou ontem de tarde para Zhoro. Tem contas a acertar e vai usá-lo como isca para pegar o outro, que está solto, fazendo toda essa confusão.
–Bem pensado. Vamos; governador?
–Sim.
As naves de Djekal e Hung remontaram-se no céu venusino atravessando a espessa cortina de nuvens rumo às estrelas.
Deixaram uma guerra em andamento no país de Borália, uma revolução
vitoriosa em Greena e uma promessa:
Voltar.
*******.
Gritando o nome do seu líder Alan, os agora poderosos rebeldes entraram triunfantes em Walhall, cujas ruas estavam cheias de populares aplaudindo os vencedores. Ainda ouviam-se disparos nas imediações, embora a resistência dos xawareks fosse fraca.
Kufu, o filho mais velho de Xufu, que fora treinado pelo terrestre, era agora o generalíssimo das tropas de assalto rebeldes.
À frente de sua escolta de fuzileiros nativos da ilha, Kufu invadiu o hospital.
–Onde está o coronel Sarrazin? – gritou.
Os médicos e enfermeiras, amedrontados pela ostentação de armas, não sabiam o que dizer. Por fim apareceu o médico chefe e disse:
–Chegaram tarde.
–O quê?
–Foi levado ontem para Zhoro.
–Quem o levou?
–O peludo Tron. Ele está a fim de torturá-lo.
*******.
Zhoro.
Atirado numa escura cela de pedra, o coronel Alan Claude Sarrazin pensou que não tinha salvação. As paredes cobertas de limo estavam infiltradas por fios de água que escorriam e sumiam por um buraco no chão.
Com dores no corpo, decorrentes do maltrato sofrido na viagem terrível desde Walhall, Alan tentava dormir para se recuperar. Seu passado desfilou na sua mente castigada pela febre. Vagas lembranças de tempos quase esquecidos martelavam cruelmente sua mente alucinada.
Parecia ouvir a voz do seu pai. Um pai do qual já não lembrava o rosto. Um pai que o chamava desde o passado, um pai que não vira em mais de vinte e dois anos, apesar de que estivera tão perto dele em Rhea.
A alucinação foi sumindo aos poucos e ele tentou se lembrar do que acontecera nas últimas horas...
No hospital de Walhall os médicos o consideraram completamente curado e ele sentira-se forte e sadio. Seus músculos estavam ótimos e já pensava em fugir, quando de repente os tigres entraram no seu quarto.
Reconheceu o tenente Tron, que comandara o grupo que o encurralara no cais e que depois o perseguira pela margem direita do rio até que caiu. Os outros eram desconhecidos. Arrancaram-no da cama e o levaram embaixo de socos e pontapés até o helicóptero, onde perdera o conhecimento.
Não vira o momento em que o jogaram na masmorra. Onde estava? Pela
temperatura podia ser no norte, pelo cheiro de cinzas, poderia ser na terra dos vulcões, pelo barulho de veículos militares, talvez fosse a base de Zhoro, que nunca vira, mas da qual tivera referências...
*******.
Assim a noite passou e veio o dia. Uma luz cinzenta entrou por uma clarabóia na parede, perto do teto. Estava acordado, mas parecia morto, sem vontade, como um zumbi. Talvez tivessem lhe dado uma droga...
De repente ouviu o barulho das botas dos tigres aproximando-se pelo corredor. Vinham por ele. Ouviu o barulho da fechadura. Os tigres entraram rugindo, o agarraram com violência e arrastaram-no pelo corredor até uma escada de pedra gasta que dava ao pátio externo.
A luz o deslumbrou e fechou os olhos. Quando os abriu, na frente dele
estava o tenente Tron, ansioso. Alan foi amarrado com cordas de inchu a um poste de madeira dura encostado num tabique de tábuas, em frente á parede dos fuzilamentos.
O coronel não queria lutar, estava entregue. A droga e as visões noturnas o deixaram extenuado.
–Está acordado, rebelde? – disse Tron – os soldados vão se divertir um pouco antes da execução.
Os tigres rodearam seu tenente fazendo apostas a ver quem conseguia tirar o maior pedaço de carne do prisioneiro sem matá-lo, como faziam, brincando, os tigres de Japeto. Por turnos, atiraram machados nele no meio de discussões, comentários e risadas. Os machados, afiados como navalhas começaram a cair longe, e depois se foram aproximando, até quase raspar o rosto do terrestre. O último raspou seu ombro direito, provocando dor. Logo o sangue surgiu.
Alan, sob o efeito da droga, estava decidido a morrer. Sentia dor no corpo ainda não totalmente curado; sentia saudades de Iara e falta de fé na sua própria vontade. Não via motivos para viver. As cordas que lhe amarravam eram frágeis, ele poderia estourá-las com só o desejar. Mas sua mente alucinada não desejava isso.
Outro machado tirou-lhe sangue.
Os tigres não tinham pressa e trouxeram uma mesa para perto, onde colocaram comida para beliscar, entre uma machadada e outra.
Alan viu que essa brincadeira ocuparia o dia todo. Não tinha salvação. Os rebeldes não o resgatariam, tinham coisas mais importantes para fazer; como organizar o novo governo e só depois se sentiriam fortes para atacar Zhoro.
Era xeque mate. De novo.
Mas precisava agir, devia vencer a droga que lhe tirava a vontade de lutar. No fundo ele sabia disso e não queria morrer estupidamente, não depois de tudo o que fizera. O médico de Walhall dera-lhe uma nova oportunidade, e ele devia aproveitá-la assim que fosse a última coisa que fizesse na vida.
*******.
Os Xelianos.
De repente sua atenção foi distraída por um grupo de mais de vinte tigres e tigresas que atravessavam o pátio em direção a um veículo. Tigres diferentes, com uniformes diferentes, versão moderna da roupa dos tigres de Japeto; que caminhavam com a graça e a nobre altivez dos amigos tão distantes.
Quando o grupo chegou mais perto; entre o suor da testa que lhe anuviava os olhos; Alan viu a tigresa...
–Henna! – gritou – Henna querida! Eu estou aqui!
A belíssima tigresa virou-se, surpreendida de ouvir um humano falar no
idioma de Amaru Xel. Não conteve sua curiosidade e aproximou-se dele. O humano; vestido com uma rasgada bata de hospital, sangrando, amarrado no poste para diversão dos desprezíveis soldados de Xawarek Amaru; não parecia com medo apesar da situação.
–Tikal Henna de Xel Amarna! Sou Alan, não me reconheces?
––Não sei quem é você, humano! Nunca o vi antes! – disse ela, com uma bela voz de contralto – Como fala minha língua?... E meu nome não é Tikal!
–Não é? – Alan acabou de recuperar-se da droga dos tigres. Aparentemente os médicos o consertaram bem demais – Enganei-me, você não é minha Henna!
–Eu sou Lilla Henna, Baharnum de Amaru Xel, humano. Nunca ouvi falar
de Xel Amarna. Acho que esse lugar não existe.
–Ah! Existe sim! – disse Alan – é uma lua, não muito distante. Foi um prazer conhecê-la, linda jovem Lilla Henna. Gostei de você. É muito bonita.
Envaidecida, a altiva tigresa sorriu por entre as afiadas presas, enquanto seus companheiros, curiosos se aproximaram e rodearam o humano.
–Este humano fala nossa língua, capitão – disse Lilla Henna – mas numa
versão antiga, onde será que a aprendeu?
–Aprendi com uma bela moça, uma moça tão linda como você, Lilla Henna.
–Fascinante! – disse um tigre altivo com divisas de capitão estelar – parece-me o antigo dialeto dos guerreiros Amarna... Mas eles não existem mais!
–Eles existem, nobre capitão, seus descendentes moram numa pequena lua de um planeta deste sistema.
–Como pode ser? – perguntou outro tigre.
–Os guerreiros vieram a combater os ranianos, e sua nave ferida caiu numa lua, onde eles fundaram o mundo Xel Amarna. Vocês são de Xel, não são?
–Somos, mas onde fica essa lua? – perguntou o capitão.
–Não vou dizer, porque se supõe que eu sou um rebelde inimigo...
De repente, o tenente Tron gritou, grosseiro:
–Vocês estão atrapalhando a diversão, seus xelianos! Saiam da frente ou vão levar umas machadadas!
–Atreva-se, xawarek! – disse o capitão xeliano, glacial.
–Atrevo-me, xeliano!
Tron atirou um machado, que assoviou descrevendo curvas mortais no ar até o grupo de astronautas que rodeavam o terrestre.
Impassível, o imponente capitão estelar segurou o machado mortal no ar, como se sua mão peluda fosse uma parede de pedra.
–Errou tenente. O quer de volta?
Tron ficou paralisado. A expressão feroz do capitão, um autêntico guerreiro, o amedrontou. Ele segurava a arma em posição de atirar.
–Eu vou pegá-lo, xeliano! Não atire! – e começou a se aproximar.
Os outros fizeram lugar. Quando estiveram frente a frente, o capitão colocou a afiada lâmina quase no rosto do outro e rosnou:
–Meu nome não é “xeliano”, seu tenentezinho de tchirguan! Meu nome é
Capitão Estelar Mestre de Clã Huáscar Linx, Baharnum de Amaru Xel...! Agora pegue seu machado de tchirguan e enfie-o bem dentro do seu gronko fedorento!
Um antepassado remoto do tenente Tron reagiria a esses gravíssimos insultos matando o capitão na hora. Ele não. Pegou seu machado e com as orelhas abaixadas, deu meia volta, retirando-se em silêncio.
O prisioneiro começou a rir.
–Muito bem, capitão! Gostei do senhor! Quando os humanos dominarem este planeta, os nobres xelianos serão poupados! Dou minha palavra de honra!
Huáscar aproximou-se do prisioneiro, sorrindo com as presas à mostra.
–E isso vai a acontecer?
–Dou minha palavra, capitão. Não tenho nada contra os xelianos. Se o senhor e seus nobres tripulantes abrirem espaço, vou começar agora a matar esses xawareks.
Huáscar e seus tripulantes, divertidos e incrédulos, grunhiram suas risadas e abriram um corredor entre Alan e seus algozes.
Os poderosos músculos do terrestre dilataram-se, arrebentando as cordas que o amarravam. Rápido como um raio arrancou dois machados do poste e arremessou-os contra dois xawareks, que caíram com as cabeças partidas.
Sem dar tempo a nada, arrancou mais dois machados e os arremessou. Mais dois tigres caíram mortos. Tron e outros dois fugiram, estavam sem as pistolas. Alan arrancou outros dois machados e correu atrás deles, perante os olhares de admiração dos tigres xelianos, que rugiram de satisfação.
Alan precisava uma pistola, mas não queria tirá-la dos xelianos. De repente o alarme de ataque aéreo disparou. Alan olhou para cima e viu a nave.
–Iara!
Os canhões da patrulheira começaram a disparar laser sobre os tigres.
–Capitão Huáscar! Lilla Henna! Protejam-se no porão das masmorras!
–Não é honrado fugir de uma batalha! – protestou Huáscar.
–Minha parceira não fará distinções, capitão. A guerra é minha! Proteja-se e proteja sua nobre tripulação! Não sou seu inimigo, dei minha palavra de honra! Quero vocês vivos, haverá grandes caçadas no futuro! Faça o que digo!
–Como desejar, guerreiro – disse Huáscar, retirando seus tripulantes.
Alan correu às construções para achar uma arma e encontrou-se com uma sentinela armada com pistola e fuzil, que corria em sua direção.
–Você mesmo! – disse Alan e atirou um machado.
O tigre caiu, já sem cabeça, no chão. Em menos de um minuto, Alan estava de pose do armamento do tigre, cinto de utilidades, armadura e munição.
Abater os tigres em igualdade de condições foi fácil, estavam apavorados pelo ataque aéreo.
*******.
Iara viu Alan correndo esfarrapado e descalço, atirando e dando ordens a um grupo de tigres de uniformes diferentes, que foram se proteger nas construções.
–Alan! Ele está lá embaixo, Lin!
–Já o vi – respondeu a moça – está dando trabalho aos peludos, mas porquê mandou aqueles para o porão?
–Talvez fez uma aliança – disse Antar – a frota não se dá com a infantaria.
–É possível, é bem coisa dele! – disse Iara – vamos descer. Arme-se Antar!
–Sim senhora.
Enquanto a patrulheira descia na praça de armas no meio de uma nuvem de pó, Alan encontrou Tron frente a frente.
–Morra humano! – disse o tigre apertando o gatilho.
–Fico devendo – disse Alan rolando rapidamente pelo chão, para esquivar os tiros e escondendo-se por trás de uma viatura.
–Pare, humano! Está todo perdido, mas você também!
–Hoje não, Tron, onde está sua honra?
Por toda resposta Tron atirou, e Alan devolveu os disparos com o fuzil.
O tigre esquivou-se, respondendo o fogo e concentrando o laser no cano do fuzil de Alan, que esquentou demais, obrigando o terrestre a atirá-lo longe para evitar que explodisse. Alan atirou-lhe o machado restante. Tron o esquivou com agilidade e aproximou-se, confiante.
Alan puxou a pistola e atirou no meio dos olhos do tigre, fazendo-lhe um
buraco de cinco milímetros com entrada e saída na cabeça.
–Morra maldito!
Tron caiu no chão, com a cabeça fumegante. Morto.
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Continua em: DEPOIS DA VINGANÇA
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O conto Vingança! forma parte integrante da saga inédita
Mundos Paralelos ® – Fase 2 - Volume IV, capítulo 32, páginas 96-102-103-104-105-106, cujo inicio pode ser encontrado no Blog Sarracênico - Ficção Científica e Relacionados, sarracena.blogspot.com