Mensageiro - Parte 1

Não daquela vez! Já os perseguia fazia quase uma hora, apesar de todas suas manobras absurdas tentando despistá-lo. Iniciando a perseguição sobre o deserto do Novo México, já atravessara praticamente metade do planeta atrás daquele OVNI. Tentaram sair da atmosfera do planeta desafiando-o, imaginando que assim escapariam de seu perseguidor, mas... estavam enganados! O caça que pilotava estava adaptado para percorrer o vácuo! Sua bela forma aerodinâmica nenhuma serventia tinha naquela região, mas o experiente piloto de caça bem rápido trocou os jatos atmosféricos pelos novos propulsores iônicos, mais adequados para continuar acelerando o caça no vazio. Que faria se conseguisse enfim capturá-los? Nem fazia idéia. Mas desta vez os capturaria! Ah, se capturaria! Desde que eles, seja lá quem são, não fizessem AQUILO de novo.

A aura violeta pálida começou a se formar em torno do OVNI. Estavam se preparando, fariam aquilo de novo! Mas desta vez ele os pegaria!

- Sargento Davidson, as medidas gravitacionais estão variantes de novo.

- Sei disso, Tenente! Os cinzentos vão fazer aquilo de novo! Vou segui-los.

- Abortar! Não vá atrás deles!

- Não posso! Estou tão perto... Vou em frente!

- Sargento Davidson, é uma ordem!!

Ele sabia que desta vez tinha alguma chance! Que acelerando no momento certo, poderia prosseguir na captura daquele OVNI antes que o portal se fechasse.E que portal era aquele? Um portão de teletransporte? A entrada de um buraco de minhoca? Ele descobriria isto agora!

- Consigo atravessar a passagem antes dela se fechar, senhor!

- Sargento! Você será julgado em corte marcial se desobedecer esta ordem!

"Isto se eu sobreviver a isto", pensou o Sargento davidson.

- Não posso parar agora, senhor!

- É uma ordem direta do General de Armas da NASA, sargento!

O ONVI começava a cruzar o portal. Ele tinha poucos milissegundos para decidir. Acelerou os propulsores iônicos o máximo que pôde, enquanto respondia pelo rádio comunicador:

- Dane-se, senhor!!!

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Que lugar estranho era aquele? O OVNI permanecia na sua frente, isto estava óbvio! Mas parecia agora estático! Cadê o túnel que sempre imaginou que veria ao entrar num buraco de minhoca? Bem, nunca existiram provas de como eles seriam! Na verdade, nunca houve provas de que eles sequer EXISTIAM!

Se frustrou a princípio por não presenciar nenhum túnel colorido, não ver nada parecido com as aberturas de Doctor Who que tanto apreciava na infância. Mas a lógica falou mais alto! Por que teriam mesmo forma de túnel? Não eram túneis tridimensionais como os que estávamos acostumados, mas túneis escavados num espaço-tempo de quatro dimensões. Ou seriam mais? O fato é que, exceto pelo próprio OVNI à sua frente, todo o resto era breu absoluto em todas as direções. Nada mesmo! Nenhuma estrela, nenhuma nebulosa, nada!Uma viagem silenciosa e vazia...

Ah, o vazio! Seu caça, na verdade um híbrido de caça com nave espacial, estava preparada para isolá-lo do vazio do espaço. Do vazio de matéria! Suportaria muito bem o espaço rarefeito à sua volta. Mas agora, perseguindo o OVNI, começou a desconfiar de que deveriam existir "vazios" ainda mais vazios que o vácuo! Que a tecnologia do OVNI certamente o protegia deste vazio maior, sem matéria nem um monte de outros elementos que os físicos, matemáticos e filósofos da atualidade nem sequer sonhavam! Mas seu caça não estava. Não era por incompetência de seus projetistas. O fato era que ninguém poderia pensar em proteger os ocupantes da máquina de perigos que nem imaginavam que existiam...

Desde o início da era espacial, todos os astronautas traziam aquele pequeno frasco de vidro. O pequeno kit de suicídio. Coloque na boca, morda... e espere pelo descanso eterno! Que sofrimentos inimagináveis poderiam estar reservados se algo desse errado, se os antigos astronautas, por alguma falha, ficassem condenados a vagar para sempre pelo espaço sideral? Era desumano exigir que alguém corresse este risco. A decisão cabia a cada um. E o sargento percebeu que não lhe restaria mais muito tempo ao perceber as rachaduras luminosas que começavam a se espalhar ao redor da cápsula de sobrevivência do caça. Ejetar? Que idéia mais idiota! Não é hora pra essas piadinhas sem graça...

Mas ainda se lembrou de liberar a pequena cápsula robótica, presa na fuselagem do caça. Confiaria à rudimentar inteligência da máquina a continuação daquela perseguição cósmica. Tudo fôra feito no momento correto. O veneno agia rápido, e o sargento já não se encontrava mais entre os vivos quando o caça foi dissolvido pelo vácuo absoluto do buraco de minhoca. O caça e toda a matéria de seu interior, entre ela o recém-cadáver do piloto do caça, se converteu em Energia Escura, absorvida pelas paredes cilíndrico-esféricas daquele túnel tetradimensional. A pequena sonda robótica não foi afetada. aparentemente a dissociação da matéria era seletiva, dependia do tamanho do objeto. Uma micro-cápsula de meio metro cúbico parecia não ser afetada por ela. Ainda assim, sua inteligência interna considerou mais prudente guardar certa distância do OVNI que perseguia. A perseguição durou séculos, mas as baterias termo-nucleares da sonda estavam preparadas para esperar todo este tempo. Para os ocupantes do OVNI, a viagem toda durou microssegundos...

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A semelhança de dimensões com a Terra era impressionante! O OVNI se estabilizou em uma órbita ao redor dele, e a diminuta cápsula robótica o acompanhou. Séculos de perseguição já haviam feito sua inteligência quase desistir, perder as esperanças de algum dia chegar a algum lugar, encontrar a saída daquele longo túnel.

Seus registros ainda estavam intactos. Se lembrava bem da Terra, do belo azul de seus oceanos. E o planeta que suas câmeras viam lá embaixo, praticamente seco, definitivamente não era a Terra! A ausência de nossa Lua confirmava as suspeitas de se tratar de um planeta alienígena, e o enorme Sol vermelho ao longe eliminava qualquer dúvida, deixava claro que nem mesmo no conhecido Sistema Solar original da humanidade ele se encontrava!

Duas figuras vestindo trajes espaciais se aproximavam. A sonda conseguiu captar uma comunicação de rádio entre elas, embora fosse completamente incapaz de detectar em que língua falavam, apesar de seus sofisticados algoritmos de reconhecimento vocal combinados a programas de interpretação de linguagem natural, desenvolvidos pelas melhores cabeças da época especializadas em inteligência artificial.

Desligados todos aqueles estranhos campos externos que lhe davam o famoso ar sobrenatural, o OVNI se parecia agora uma simples estrutura metálica. Imensa, sem dúvida, mas uma nave espacial, digamos assim, "convencional". Tinha formato de uma enorme estrutura lenticular cercada de janelas circulares, clássica visão de discos voadores presente na imaginação de todas as pessoas do século 20 e 21. Foi levado para o interior do OVNI, numa sala bem iluminada, e suas câmeras puderam avaliar melhor a aparência dos "cinzentos".

A primeira coisa que notou foi que os cinzentos não eram cinzentos. Quem sabe isto fosse uma avaliação precipitada dos abduzidos, observando-os sob uma iluminação inadequada. Mas naquela sala bem iluminada por uma constante luz branca, eles se mostravam bem pálidos. Doentiamente pálidos, na verdade. A cabeça era desproporcional em relação a seus corpos, mas não tão grandes quanto as descrições bem conhecidas deles. Os olhos enormes definitivamente não existiam! Eram maiores sim, mas... acompanhavam o aumento da cabeça. Comparada a ela, mantinham a mesma proporção dos olhos humanos, presentes em seus registros. Mas pareciam completamente escuros. Por quê? Rápido ele descobriu o motivo: a íris dos olhos eram enormes! "Tudo fazia sentido agora", processou a sonda robótica. "Ao se verem indefesos numa sala em penumbra, os abduzidos apavorados certamente veriam seus captores como monstros cinzentos, de cabeças e olhos enormes! O medo distorce a realidade..."

"Não sei como isto chegou aqui", se comunicavam os alienígenas telepaticamente, num meio desprovido de linguagem e através de um canal etéreo que a sonda seria incapaz de captar.

"Está intacto! Pode ser nossa chance!"

O alienígena aproximava um detector irreconhecível perto da sonda.

"O decaimento radioativo de sua pilha de plutônio mostra que ele nos perseguiu por... Quase 300 anos! Me espanta ainda estar funcionando!"

"Me espanta ele não ter sido convertido em Energia Escura dentro do portal..."

"Quem sabe objetos pequenos sejam imunes. Nunca enviamos nada menor que uma nave pelo portal... Objetos deste tamanho talvez consigam atravessá-los sem campos de proteção."

"Temos que mandar de volta! É nosso dever..."

"Ele não duraria mais 300 anos de viagem..."

"Vai parar de funcionar, certamente. Mas seus registros permanecerão! Quem a encontrar, saberá o que fazer com ele."

"Deveríamos mandar alguém junto! Numa de nossas naves pequenas."

"Arriscado demais..."

"Eles não acreditariam numa máquina! Talvez nem saibam decodificar suas informações! Alguém precisa ir junto, mostrar coo se faz."

"Eu vou!"

Os olhos negros do amigo o encararam apavorados.

"Eu estava pensando em enviar um de nossos autômatos antropomórficos!"

"Outra máquina? Não! Acredito que um contato mais pessoal surtiria maior efeito!"

"É arriscado! Por que lhes dar este conhecimento todo?"

"Poderiam resgatar a expedição que enviamos sem querer a Sirius."

"Nós mesmos vamos acabar descobrindo como fazer isto!"

O alienígena apontou o enorme Sol vermelho brilhando pela janela do disco:

"O sol deles é amarelo, ainda terão bastante tempo para digerir a informação! Aprender como fazer. Nós, infelizmente, talvez não tenhamos mais este tempo que precisamos..."

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A nave portátil comportava apenas um ocupante. Ela partiu com a sonda terrestre agora centenária em seu interior. Bem protegida! E repleta de informações, a maioria das quais a inteligência robótica rudimentar era simplesmente incapaz de interpretar.

Era impossível prever a reação temporal do túnel sobre objetos desprotegidos. Poderiam avançar centenas ou milhares de anos durante a viagem. Poderiam inclusive RETROCEDER milhões de anos! Não era possível prever. O melhor era permanecer protegido dentro dos campos de proteção, fazer uma viagem praticamente instantânea. Provavelmente o pobre piloto do caça, no tempo em que sua matéria permaneceu estabilizada dentro do portal, deve ter presenciado uma nave absolutamente estática na sua frente. De fato ela estava, observada de seu ponto de vista temporal.

"Seria melhor uma nave bélica, meu amigo."

"De forma alguma! Não quero parecer hostil!"

"Está sendo imprudente..."

"Eu ainda acredito na Humanidade!"

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Havia pouco espaço para armazenar mais informações depois que os alienígenas adicionaram todos aqueles dados incompreensíveis em sua memória, mas a sonda nem precisou mesmo de tantos kilobytes assim. Dentro da pequena nave, protegida pelo campo externo, a viagem de volta pelo buraco de minhoca não durou mais do que frações de segundo. Não havia mesmo muita coisa para se registrar sobre a volta.

Roswell, Novo México. Mesmo considerando-se que a Terra estaria em outro lugar, dado seu constante movimento de translação em torno do sol, dado o movimento do próprio sol em torno do centro da via-láctea, dado o próprio movimento da via-láctea... eles foram bem precisos quanto ao local da volta! Sempre eram! A pequena nave começou a orbitar a Terra no local exato onde havia começado a perseguição.

Infelizmente eles nunca conseguiram a mesma precisão quanto ao tempo. Por isso se encontravam agora em Roswell, Novo México, no ano de 1947. Quase 100 anos antes do início do incidente!

"Não consigo contactar a base!", tentava a sonda se comunicar com o alienígena condutor da nave, sintetizando voz em seus auto-falantes internos. Infelizmente o alienígena não compreendia inglês. Ah, como ele era teimoso! Via que agora um linguista para decodificar aquelas palavras não seria nada mal. Ele responderia à sonda que não a contactava pelo simples fato de que ela ainda não existia. Mas estamos apenas especulando aqui.

- Vocês estão invadindo o espaço aéreo dos Estados Unidos da América! - a sonda captava pelos seus canais de rádio. - Identifiquem-se, ou seremos obrigados a abatê-los!

A sonda retransmitia a comunicação para o alienígena, alertando-o:

- Eles farão isto! Com certeza! Seria mais inteligente respondermos alguma coisa!

Aqueles sons naquela língua incompreensível nada significavam para o humanoide que pilotava a nave sobre aquele deserto. Continuou procurando um lugar seguro para o pouso, ignorante do perigo que corria. Achou que o fato de sua nave não ser bélica, não apresentando nenhuma arma visível em sua carcaça, seria um sinal claro de suas intensões pacíficas. Um símbolo universal de paz. Tarde demais ele percebeu que os mísseis disparados em sua direção eram letais. Começou a perder altitude rapidamente. A cápsula de sobrevivência certamente preservaria seu corpo do impacto, com algumas lesões. Mas não lhe garantiria a vida... O alienígena morreu na queda. Mas a sonda não. Ela estava bem mais protegida!

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Os militares norte-americanos tentaram desmentir o incidente por décadas! Autopsiaram o corpo alienígena. Algumas fotos vazaram. A maioria era claramente falsa (o alienígena não era tão diferente dos humanos como algumas montagens tentavam mostrar). O próprio governo norte-americano difundiu algumas destas montagens, tentando esconder o fato. Quer esconder uma verdade? A melhor forma é tentar dissolvê-la, misturá-la com um monte de mentiras. As histórias envolvendo conspirações do governo, contato com alienígenas e discos-voadores rapidamente se tornaram tão absurdas que ninguém mais conseguia separar o que era real daquilo que era invenção tola espalhada pelos próprios órgãos governamentais. Com o tempo, ninguém mais seria capaz de reconhecer a verdade ainda que ela se apresentasse clara e cristalina bem à sua frente.

Com a sonda a história foi diferente. Ainda que parecendo possuir uma tecnologia incompreensível para a época, ela claramente não era alienígena. Os dizeres "Made in China" em diversos de seus componentes internos deixavam este fato bem claro para quem quisesse ver! Mas a mensagem binária codificada que ela tentava transmitir desesperadamente continuou incompreensível por décadas. Maldito acidente!! Se os seus alto-falantes internos não tivessem se deteriorado com o impacto, ela poderia tentar falar com os cientistas no velho e bom inglês...

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A sonda ficou totalmente muda em 1975. Depois de quase 300 anos da viagem inicial, era até surpreendente suas pilhas de plutônio durarem mais 30 anos. Mas enfim elas acabaram. E, em 1975, ninguém sabia anda como reativá-las. Nem saberiam como fazê-lo até 2040...

Mas, ainda que incapazes de decodificar sua mensagem e acessar suas memórias internas (era uma tecnologia incrivelmente avançada para que fossem capazes de entender), ela foi bem útil! Ainda que já perdendo a carga até enfim desligar totalmente em meados dos anos 70, seus circuitos deram ideias a mentes brilhantes para que começassem a produzir em larga escala microprocessadores baseados em camadas de circuitos gravados em silício. "Transistores inteligentes", era como alguém sugeriu chamá-los na época. O nome acabou não pegando.

Também passou por várias mãos durante este período. Em 1951 ela foi roubada, e foi parar nas mãos dos soviéticos. Seus brilhantes matemáticos especialistas em criptoanálise obtiveram um sucesso relativo em decodificar as mensagens de rádio captadas da sonda, mas não conseguiram chegar a fundo no coração da mensagem alienígena armazenada em suas memórias.

Os japoneses a roubaram dos soviéticos, levando-a para Tóquio em 1962. O que aprenderam estudando seus circuitos lhes proporcionou um conhecimento tecnológico surpreendente que foram divulgando ao mundo aos poucos, ao longo dos anos. Ao divulgarem a tecnologia dos CDs, ou mensagens binárias gravadas numa superfície refletora, ficou claro para os cientistas norte-americanos que eles estavam com o dispositivo recuperado em Roswell no ano de 1947. Embora bem mais sofisticado, era esta a base do funcionamento da memória daquele dispositivo. Nunca ficou claro os detalhes do acordo, mas é fato que a sonda acabou voltando às mãos do governo norte-americano, que voltou com toda a força ao estudo de seu valioso conteúdo armazenado. Os russos ajudaram nesta decodificação. Na época, não existia mais o conflito, não eram mais os rivais de algumas décadas atrás. Poderiam cooperar.

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Em 2040 já possuíam uma cópia funcional da sonda. Desconsiderando-se os desgastes do tempo (eles ainda não sabiam que ela tinha quase 3 séculos), a semelhança era notável! Obviamente não souberam replicar o conteúdo de suas memórias, em branco na réplica. Seja lá quem fossem seus construtores originais, duplicá-la pareceria uma mensagem clara de boas vindas, de reconhecimento pelo presente recebido. Um sinal de que haviam recebido e compreendido a mensagem. Porém a parte mais importante, a misteriosa mensagem inserida pelos alienígenas, continuava indecifrável. Quanto tempo mais até ela ser decodificada completamente ?

Ao colocar a sonda nova na parte externa de seu novo caça híbrido, capaz de viajar até o espaço com seus propulsores iônicos, o Sargento Davidson nem imaginava que logo devolveria o presente. E o que menos imaginavam ainda, o que nenhum dos cientistas nem mesmo sonhava, era que estavam vendo, lado a lado, o mesmo objeto separado por 50 centímetros de espaço e quase 3 séculos de tempo.

*** continua ***