A utopia do ódio

“Ah, fodam-se todos” pensa ele enquanto está na sua casa, sentado na varanda e próximo a seus cachorros. Não que ele goste muito de ficar com os animais, mas eles gostam dele, e não faz mal tê-los próximos. A razão desse pensamento vem das pessoas que vem lhe falar sobre parar de ser tão orgulhoso e aceitar que as coisas nem sempre podem ser como ele deseja. Já está puto com isso. As coisas têm que ser como ele deseja, e simplesmente porque ele batalha e faz tudo para que sejam assim. Ele vai lembrando sua conversa com Luiz.

- Mas Fábio, que droga cara. Porra, não dá pra fazer isso. São tantos do outro lado. Nós somos apenas dois. Nem a corporação inteira aguentaria ir contra aquela favela. – Diz Luiz, o policial que trabalha junto dele.

- Se toca Luiz, esses filhos da puta, fizeram uma tocaia pra um morador de lá que era boa gente, nunca agiu errado e quando descobriram que ele apenas fez a prova pra entrar na polícia já foram o matando. Ele era meu amigo. Não vou deixar isso barato, o Xandy era praticamente um irmão cara.

-Vingança não é a resposta Fábio. Não é. E você ta querendo ir numa missão suicida.

- Não é a resposta pros covardes. Nesse país imbecil onde a lei protege o arrombado que tira a vida de quem paga impostos, onde aquele que leva a lei, saí como o criminoso. Eu vou entrar, eu vou pegar um por um.

- Mas não conta comigo. Tenho filho e esposa pra cuidar.

- Tá bom cara. Vai pra casa, eu não te culpo. Sua família é importante. E estou fazendo um favor não só pra ela, como pra todas as famílias quando tirar a vida desses aí. Posso derrubar um, podem vir outros vinte no lugar, mas eu vou derrubar quantos me derem chance de levantar minha arma.

- Você já bebeu demais cara. Vou embora.

Luiz paga suas doses de velho barreiro e saí. Fábio fica remoendo a perda do amigo. Não pode culpar Luiz. Já foi assim um dia. Já pensou que as coisas deveriam ser do modo como a lei manda. Mas ver tanta impunidade mexeu com ele. E ainda por cima ver que um amigo de infância foi morto por querer servir a população. Porque os desgraçados querem calar as pessoas mostrando que quem tentar se levantar vai sofrer o mesmo. Não. Isso não está certo. Ele não vai deixar. Como se fosse a lenda do guerreiro Spartacus as avessas, ele vê o crime se montando como um império e ele um soldado é quem está perdendo a sua liberdade. A liberdade terá de ser conquistada. E se depender de sangue, haverá sangue. Aqueles vermes dos direitos humanos que venham, os colegas de trabalho se tornarão inimigos, e os inimigos atuais, serão caçados. Com meios bem planejados, com estratégia.

Agora, ele se levanta de perto de seus animais. Seu plano está montado. Essa era uma guerra de um homem só. Ele entrou naquela favela várias vezes. Ele executou muitos vagabundos deixando ambas as gangues rivais achando que era trabalho da outra. Sempre prestando seu serviço no anonimato. Até que veio um garoto com celular e filmou a execução de um. Virou notícia na mídia. Tão dizendo que lá se foram os direitos humanos, que ele é assassino. Mas nesse meio tempo, ele foi montando a sua revolução. Parece utópico olhar para tudo que se tornou. Ele montou vários vídeos motivando outros que cansaram dessa impunidade ridícula, postou na internet convocando outros que anseiam a liberdade de simplesmente poder viver dignamente a se juntar a ele. Vários desses vídeos foram censurados, mas ganhou proporção nas redes sociais e ele e outros que pensavam igual o colocavam novamente. Sua luta se tornou de conhecimento mundial. E ninguém nunca encontrava seu paradeiro. Outros foram se juntando a causa, mais e mais vezes, bandidos eram encontrados mortos, mais e mais pessoas o veneravam, mais e mais pessoas o viam como um libertador, um exemplo, um mártir, em todos os cantos do Brasil haviam pessoas lutando pelo seu direito de ser livre. Ele foi encontrando os seguidores, montando seu exército de anarquia, agora adentrava as favelas, não mais às escuras, não mais sozinho, mas com tantos soldados justiceiros que não daria pra conter, a polícia não conseguia os combater, os bandidos só podiam correr e quando tentavam enfrentar, eram tirados do mapa com tanta rapidez que nem podiam ter tempo de pensar no mal que fizeram. Assim ele limpou boa parte de São Paulo, do Rio de Janeiro, de praticamente todos os estados. Já fazem mais de cinco anos de luta e o país tem outra cara. Pessoas o querem na presidência, mas ele não conhece de política. Ele apenas mostra pro mundo o poder de se ter um ideal, a força que um objetivo possui.

Capa Preta um bandido da elite criminosa, fez também um meio de convocar outros tantos, agora eles se uniam contra o nosso anti-herói, marcou um encontro por meios públicos no centro de São Paulo, baniram os moradores de lá. Querem medir o tamanho e a força do seu exército. Ele sabe o risco da batalha e agora sabe que precisa falar com seus homens.

Chega ao seu exército, rende uma emissora de televisão, coloca todos prontos pra ouvi-lo e começa.

-Irmãos, aqui estamos, muito sangue derramado, muitos amigos perdidos. Mas aqui estamos. Vamos amanhã para aquele campo de guerra, vamos prontos pra destruir toda a rede criminal, não prometo a vitória. Essa é uma guerra quase que suicida, mas enquanto eu respirar eu vou lutar pra proteger vocês, darei todo o meu suor. Vamos matá-los. Alguns dizem que não somos diferentes deles, mas com certeza somos. Porque estamos tirando do mundo aqueles que tiraram nosso direito de viver nele. Estamos agora brigando pelo direito das pessoas de serem livres. Vamos brigar com todas as nossas forças. Vamos destruir cada pedaço criminoso, não estamos acabando com a guerra. Não estão todos juntos na mesma batalha, existem outros estados, mas temos gente que luta conosco em cada pedaço do mundo. Cada civil que nos assiste agora, se temer pode ir embora, não estamos aqui para lhes obrigar a lutar. Estamos aqui para brigar por vocês. Mas aqueles que acharem que merecemos sua ajuda estão convocados para amanhã. A polícia tentará nos impedir, o exército já está pronto pra agir, os bandidos estão prontos para tocar fogo em tudo e todos. Amanhã é o dia de morrer por cada pessoa que deseja não ter medo de sair com seus pertences na rua, é o dia de vingar cada mulher estuprada, assassinada e amedrontada. Vingar cada pai de família que sofreu a perda de um filho pras drogas, Você que não tem medo de morrer pela liberdade de quem ama. Venha. Todos já sabem o endereço. Iremos todos prontos para a guerra. Nossos gritos, nossas armas, nossa cara, nosso peito e nossa coragem, servindo ao ideal de uma vida melhor pra vocês. Não peço a ajuda de Deus, não peço a ajuda do universo, só peço que minha luta seja com a força do nosso mundo. Somos menores que nossos inimigos, mas várias vezes eles caíram por ignorar o nosso poder. Vamos por a prova o poder da bandidagem. E pedir que o exército e as forças da lei, ajam como manda a regra básica de defender a população desse câncer.

O comandante Freitas estava lá na frente do seu posto. Todo o exército está ali, com seus carros blindados, e prontos pra agir. Ele percebe muitos murmúrios sobre ser certo ou errado o que Fábio está fazendo. Mas o comandante não quer falar sobre isso. Apenas aguarda a ordem pra agir.

O mundo olha para o centro de São Paulo pela TV e internet. Vêem os bandidos nos prédios a postos como se fossem snipers. Helicópteros da TV mostram o exército de Fábio chegando. Eles vêm a pé, um mar de homens que querem lutar a todo custo. Eles vêm por todas as ruas, seguindo cada um o seu “tenente”, homens que foram postos nesse patamar pela garra, e poder de luta. Outro mar de bandidos está aguardando no ponto marcado. Todos Ali esperando os inimigos chegarem, pra mostrar porque nunca se deve mexer com suas facções.

Viraram a rua da praça da sé. Ali estão os homens de Fábio juntos, do outro lado da praça os homens de Capa Preta. Todos se encaram. Esperando pra ver quem faz o primeiro ataque. O Comandante Freitas recebe a ordem de atacar e não deixar nada acontecer.

Se vira para seus soldados, e diz.

- Homens, hoje temos aqueles que desafiaram o nosso país por tempo demais, vendendo entorpecentes e destruindo nossa terra. Temos também aquele que incitou uma revolução que gerou uma humilhação ao nosso governo. Porque desafiou a tudo e todos. Ele mostrou-se um homem inteligente até aqui. E totalmente louco. Sabemos que essa é apenas mais uma batalha de sua guerra. E que ele provavelmente não sairá vivo daqui. As ordens são de ataque. Mas eu não posso deixar de admirar o homem, dedicar a ele o meu respeito. Ali estão ambos os exércitos se preparando pra atacar e aqui estamos nós entre duas feras. Não podemos conter eles. Mesmo com nosso armamento, seríamos nós contra dois, sendo atingidos dos dois lados. Eu hoje dou uma ultima ordem a vocês. Aqueles que desejarem se retirar da batalha deverão sair agora. Ninguém, eu repito ninguém, deverá intervir como pacificador da batalha. Agora, eu irei cumprir o meu dever e zelar pelo meu país, e o zelo vem de não deixar que ele seja dominado pelo crime, e se os bandidos vencerem, isso irá acabar com toda a esperança. Quem quiser se juntar a mim na luta junto do exército de Fábio que venha e os outros que não quiserem apenas voltem para suas casas.

Ao desligar o rádio. Ele passou a receber os brados de viva dos seus homens, todos estavam loucos para se juntar ao “Libertador do Brasil” todos gritaram e bradaram suas armas. Todos estavam dispostos a ajudar. Nenhuma baixa, todos prontos a morrer pelo seu país, pelo direito de ir e vir.

Os bandidos escarneciam do inimigo, e capa preta ordenou o ataque. Todos começaram a atirar. Os libertadores se esconderam e respondiam o ataque, granadas eram lançadas, de todos os lados, os homens de ambos eram diminuídos todos correm, mas Fábio tem um objetivo, ele quer o Capa Preta. Capturar o comandante inimigo diminui as esperanças do adversário. Ele corre, matando com tiros e com sua faca quem está muito perto. Tudo é uma massa de gente.

Da TV o mundo olha, há quem torça pra que dê certo, há quem torça pra que os bandidos vençam já que o mundo sem bandidos empobrece muitos poderosos. Então a humanidade, quando vê que as baixas no “time bom” estão sendo maiores e começa a perder a sua esperança. Não acredita no que vê.

O exército vem com seu time bem montado, com carros blindados entrando de todas as ruas, mas dando armas pra quem era da equipe de Fábio, atirando com suas potentes armas nos bandidos e indo a toda com bombas.

Pessoas gritaram vivas em suas casas, pularam e dançaram ao ver que a guerra seria dos bons. O comandante Freitas vai com seu jipe acertando tantos quantos pode e avista Fábio, o homem ferido, ensandecido no meio dos bandidos, distribuindo golpes, tiros e tudo que está ao alcance, seu colete a prova de balas já rasgado. O jipe é direcionado pra lá, passando por cima de tudo e todos atirando. Fábio lutava como um leão acuado mas feroz, nada pararia aquele homem, podia se perceber que os bandidos mesmo em maior numero o temiam e não chegavam perto.

Fugiram ao ver que o comandante chegava atirando. Ele resgatou o líder da revolução, o envolveu em um novo colete. O armou e apenas perguntou pra onde rumariam. Ambos os dois eram homens de ideal, com um respeito pela liberdade, sem explicações e sem argumentos. Cumprimentaram-se e foram ao encontro de Capa Preta.

O bandido estava próximo a Rua Xavier de Toledo. Seus comparsas cuidando da rua desde o início do viaduto do chá. De repente para sua surpresa vinham todos correndo como se tivessem visto o demônio e ele entendeu o que se passava, carros e mais carros blindados vinham pra cima deles atirando sem parar, todos caindo, todos morrendo e ali ele via a frente, o Fábio, olhando pra ele. Um olhar que parecia já ferir seus olhos. O homem vinha apontando sua arma. Vinha pronto pra atirar, Capa Preta tentou sacar a arma, mas não teve tempo. O tiro varou sua cabeça, ele caiu e Fábio desceu do carro junto do comandante. Juntos eles pegaram o bandido e retornaram para a Sé. Escoltados, muitos bandidos já mortos, muitos de seus homens também. Mas já era notável de quem era a vitória. Subiram ao prédio mais alto dali até o terraço sinalizaram para um helicóptero da TV e mostraram o corpo. Gritavam como loucos. Ambos sabiam que a guerra não acabara, mas que aquela vitória motivava a todos.

O Brasil era só gritos de alegria. A bandidagem perdia mais uma. Eles iam fugindo, sabiam que não tinha lugar pra eles ali. Iria caçá-los em outros estados. Iria massacrá-los.

E agora Fábio olha para o céu. Ele vê o sol, ele vê cada detalhe do firmamento. O ar parece mais puro até. Ele vai brigar até o fim de tudo. Mas essa batalha era crucial, não tem como não comemorar. Seu sonho está se realizando, seu ideal está se valorizando. O Brasil já pode começar a se ver livre.

Mas Fábio olha pra trás. Fábio se vê a frente de pessoas sedentas pela morte dos bandidos e ali um reflexão o toma. "Se eu mato o outro, o mundo continua tendo um assassino".

Wes G
Enviado por Wes G em 25/04/2013
Reeditado em 19/12/2023
Código do texto: T4258996
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.