A Inteligência do Futuro - O Amor de Wallace
Nos idos de 2000, princípio do século XXI, um namoro ou casamento com grande diferença de idade não era mais algo que causasse tanta admiração. Homens mais do que maduros, já passados dos cinquenta ou sessenta, com verdadeiras meninas na casa dos vinte ou começo dos trinta era bastante comum. E por muito tempo continuaria assim. Wallace viveu já bem depois dessa época e sua história, embora um tanto parecida, adquiriu, no final, contornos diversos e inusitados. Vamos a ela.
Wallace tinha tudo que queria em termos de conforto financeiro e status de vida. No ano de 2125 a única forma de preencher a lacuna que faltava em sua vida era gastar parte de sua estupenda fortuna num projeto novo e arriscado. Sempre sentiu atração por mulheres muito mais novas do que ele; não se importava muito se não era amado. Em alguns casos até foi, mas sabia que na maioria das vezes o dinheiro falava mais alto. Chegou a ter mulheres com dezoito ou dezenove anos quando muito já passava dos cinquenta; elas adoravam a companhia de Wallace. E por que não? Ele queria mostrar o seu poder de conquista. Elas queriam diversão e uma vida social invejável e isto ele lhes podia proporcionar.
Vangloriava-se de nunca se ter deixado levar pela conversa delas e nunca se apaixonado. Vivia bem, até que surgiu Tracy em sua vida. Aos treze anos de idade, uma criança, encantou Wallace; ficou embevecido quando a viu pela primeira vez. Enlouqueceu de paixão. É claro que não podia sequer pensar na possibilidade de um dia tê-la para si. Como? Um velho de 65 anos! Tudo não passava de um sonho. Uma brincadeira que o próprio destino estava fazendo com ele. Guardou para si esta paixão alucinante. Se não podia alimentar uma esperança, comentar com alguém, nem pensar; o que fazer então? Sofrer calado; era tudo o que restava.
Para estar próximo de sua paixão avassaladora, flertou e conquistou a mãe da pequena. Dora era uma linda morena, aos trinta e cinco anos incompletos; foi a forma que Wallace encontrou para sonhar acordado. Sua inteligência levou-o a agir discretamente para não despertar uma suspeita que pudesse colocá-lo em má situação. A lei nesta época avançada do mundo é rígida e age com o rigor que requer a gravidade do delito e não se deixa levar por exceções de natureza privilegiada. Então deixou o tempo passar. Dois anos de convivência com Dora fortificaram nele a certeza do que sentia por Tracy que, aos quinze anos não deixou mais dúvida quanto aos encantos de que era possuidora; o que só fazia enlouquecer Wallace mais e mais a cada dia.
Foi quando surgiu a oportunidade de ter o seu sonho concretizado. As pesquisas para as viagens ao futuro já não deixavam mais dúvidas de que isto era possível. Muito já se estudara e inúmeras experiências redundaram em sucesso. O homem provara a si mesmo que, tão simples e natural quanto visitar Vênus ou Marte seria visitar a própria Terra numa época futura, contanto que fosse utilizado o veículo adequado na velocidade necessária para alterar a marcha do tempo. Foi criado o Trem do Futuro, capaz de preencher as condições básicas.
Nenhum objeto ou veículo de transporte poderá ultrapassar a velocidade de 300 mil quilômetros por segundo que corresponde à velocidade da luz. Impossível ultrapassar, mas perfeitamente possível aproximar-se desta velocidade; foi o que fez a ciência do século XXI, época de Wallace e de sua adorável Tracy. Construiu-se o Trem do Futuro, capaz de dar voltas ao redor da Terra à velocidade fantástica de 288 mil quilômetros por segundo. Este processo faz com que a marcha do tempo sofra um impacto consideravelmente grande, fazendo com que ele transcorra incrivelmente lento para quem está no interior do veículo em relação a quem se encontra na superfície do planeta.
Tudo isto já funcionava na teoria, mas faltava a confirmação advinda da parte prática da experiência. Esta foi finalmente executada em 2127, tendo como objeto de prova um relógio. Foi um sucesso. Um dia de voltas em torno do planeta a uma velocidade de 288 mil quilômetros por segundo representou dez meses transcorridos na sua superfície. Estava assim provada a possibilidade das viagens no tempo.
Testes com robôs e animais foram realizados até chegar ao homem o benefício de realizar a experiência com o máximo de segurança. Wallace inscreveu-se e, um ano e meio depois, em 2129, foi chamado a apresentar-se para os primeiros testes. Quinze milionários, custando a cada um o valor de 28 milhões de dólares, embarcaram nesse mesmo ano no Trem do Futuro para a experiência de suas vidas. Wallace aceitou o desafio de ser o último a desembarcar, somente ao completar o vigésimo dia de sua viagem ao futuro. Isto representaria, em padrões terrestres, 16 anos transcorridos.
Será que reconheceria sua amada Tracy, então com 31 anos? Será que reconheceria seu país, seu estado, sua região? Dezesseis não é, assim, tanto tempo em se tratando de ruas e cidades. Mas quando a questão é gente, a coisa pode mudar muito. Quem pode garantir que as características de um ser humano, especialmente as físicas, irão manter-se ao longo do tempo?
A transformação ocorrida em Tracy deixou em Wallace, quando a encontrou, um amargo de frustração e de derrota; antes não a tivesse encontrado. Teve que disfarçar para não ser reconhecido; poucos minutos gastou em sua presença. Tracy estava surpreendentemente gorda, com as banhas proeminentes, na barriga, nas coxas, nas covas do rosto e, recém-separada de um casamento fracassado, vivia infeliz e deprimida, com três filhos em condições de extrema pobreza e desgosto.
Resumindo a história, no caso de Wallace, fica uma advertência. Não é preciso tanto nem ir tão longe para ver o futuro. Basta usar a inteligência, o que ele provou que não tem, apesar de toda sua fortuna.