Para Sempre

Kafka é a grande inspiração.

Era pra ser mais um dia na vida de Josef. Era para ser mais um dia como qualquer outro. Era manhã de terça-feira, e ele se aprontava para mais um dia de aula. Faltavam apenas vinte e cinco minutos para o início da primeira aula, mas Josef parecia não se preocupar com isso. A distância de sua casa até a escola era de apenas duas quadras.

Enquanto calçava seus tênis, ele se lembrava que hoje - possivelmente na hora do intervalo - teria um encontro com a garota que sempre sonhara em conhecer. O bilhete que pedira para seu amigo entregar, destinado a sua paixonite, o deixou um tanto surpreso, pelo fato dela ter aceitado se encontrar com ele. Por isso estava feliz, e nunca se sentira tão animado em ir para escola. Escola que tanto odiara.

Pegou seu caderno e seus livros, e partiu em direção à porta que dava para cozinha. Fez um breve aceno para sua mãe, que na cozinha preparava algo, e rumou para o sol quente de quase meio-dia.

Algumas crianças que brincavam na rua olharam desconfiadas para Josef e disseram, quase que ao mesmo tempo: "Ele não irá conseguir". E continuaram suas brincadeiras, como se Josef não mais existisse. Olhou aquilo e ficou pensando se realmente ouvira algo dito pelas crianças. Mas logo voltou a si, pois aquilo não tinha a menor importância, e continuou sua jornada até a escola.

A poucos metros do portão da escola lembrou-se que havia esquecido sua carteirinha de presença. Olhou para seu relógio e viu que daria tempo de voltar até sua casa e pegar o que esqueceu. Mas antes que pudesse dar o primeiro passo alguém o chamou. Olhou em direção ao chamado e avistou um homem, de elegante terno preto, que acenava freneticamente para ele. Josef não o conhecia ou pelo menos não se lembrava de tal figura. Decerto era alguém que conhecesse, pois o sujeito o havia chamado pelo nome. Caminhou na direção do até então desconhecido, mas antes que pudesse trocar qualquer palavra, alguém o chamou novamente. Dessa vez Josef se assustou, pois não esperava ser chamado novamente. Novamente olhou em direção ao chamado, e dessa vez era alguém que conhecia. Acenou brevemente para o homem de terno, para esperá-lo, e caminhou sorridentemente até ela, seu antecipado encontro. Antes que pudesse chegar até a garota, ela apontou para o homem de terno, que disse:

"Josef é urgente". Josef olhou para a garota e fez um sinal para esperá-lo. Ela assentiu docemente, e ele – novamente - caminhou até o homem de terno preto.

Mais uma vez, antes de chegar até o sujeito, Josef foi interrompido. O homem de terno apontava para a garota, que rapidamente se afastava, até desaparecer, num pequeno beco, à esquerda da escola. Dessa vez Josef não se importou em acenar para o homem, e correu em direção à garota.

''Josef, você não vai entrar?'', disse um colega de classe, que o observava correr loucamente até o beco.

Ele mal ouviu o que o colega disse, e continuou correndo.

''É, ele não vai conseguir'', disse o colega de classe, e entrou pelo portão da escola, ainda se lamentando por seu amigo.

Ele a avistava, mas não a alcançava. Josef se perguntava como seria possível uma mulher correr daquela forma. E continuou a correr, por minutos, por horas talvez, até ser vencido pelo cansaço. A garota não foi alcançada, e Josef lamentava seu fracasso. Sentou-se num velho e deteriorado banco de madeira, onde ficou até recobrar seu fôlego e seus pensamentos.

Ela estava lá, a poucos metros de Josef, parada, como que o esperando. Seu sorriso, antes encantador, agora se desfazia em tristeza. Ele olhava para ela com cara de interrogação, e não pensou antes de correr novamente, mas ela também correu. Um estranho sentimento de raiva e dor tomava conta do seu interior.

''Por que foges de mim!'', balbuciou Josef, que não obteve resposta.

E continuou correndo, mas, novamente, sem alcançar sua amada. E assim se passou minutos, horas, dias e anos.

Josef sentou-se num velho e deteriorado banco de madeira. Mais uma vez. Só que, dessa vez ele se sentou pelo cansaço da velhice. Ele não mais conseguia correr, apenas andava, e a dificuldade de alcançar sua amada aumentava cada vez mais.

E assim se passou mais alguns anos. Josef não mais conseguia se levantar do banco de madeira. Estava muito velho para qualquer esforço. O banco, que antes apenas servia de descanso, agora seria sua eterna moradia.

Com muitas dificuldades, ele observava sua amada, com o pesar do fracasso, por jamais ter conseguido alcança-la. Ela continuava jovial, como sempre, como quando Josef a conheceu. Mas o tempo o debilitou, colocando como obstáculo - mais um - sua velhice.

Depois de anos sem fazer tal pergunta, Josef - como último esforço - resolveu desabafar:

"Por que foges de mim?", Sua voz soou como algo cavernoso.

''Por que fujo de você?'', Ela sorriu. ''A vida é um emaranhado de coisas e escolhas, e você escolheu que assim fosse. Talvez algum dia ou em outra vida as coisas serão diferentes. O que está feito, feito está''.

E com essas palavras ela se afastou, e correu, correu para nunca mais ser vista, e muito menos alcançada. Josef olhou silenciosamente esse capítulo, sem poder fazer absolutamente nada, e teve força apenas para fechar os olhos.

Enquanto isso, lá de cima, um corvo, com lindas penas brilhantes, plainava suavemente e livremente, em meio a fumaça de nuvens. Ele observava silenciosamente o que fora um dia, há muito tempo atrás. Olhou uma última vez para Josef, e alçou voo pelo imenso e infinito céu azul, e agradeceu por poder voar e ser livre.

FIM

Kleberson Arcanjo
Enviado por Kleberson Arcanjo em 09/04/2013
Reeditado em 09/04/2013
Código do texto: T4231156
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