Evasão
Parecia que estava correndo a uma eternidade. As ruas vazias, os becos fétidos, os prédios em ruínas, tudo se confundia num borrão cinza. Crystal, agora quase sem fôlego, calculava seu próximo movimento. Seus perseguidores não estavam à vista, mas a jovem sabia que não tardariam a aparecer. Eles eram mais lentos do que ela, mas eram infatigáveis.
Encolhida num vão de um beco escuro, a jovem Crystal alcançou uma série de botões em seu antebraço. Diante dos seus olhos surgiu um mapa holográfico mal delineado da área. Ela procurava pelo Ponto de Entrada mais próximo. Teria muita sorte se encontrasse algum ali, na Velha Cidade. Não tinha tempo de fazer uma busca ela mesma, portanto iniciou um subprograma para tal.
A alguns metros, uma movimentação súbita chamou a atenção da jovem. Um grave e baixo zumbido denunciava que seus perseguidores já lhe haviam alcançado. Precisava continuar a se movimentar. Voltou a correr.
Crystal percebeu que algumas figuras escuras observavam escondidas nas ruínas dos prédios a sua volta. Os Párias eram mais do que a escória da sociedade, eram os filhos bastardos do progresso. Não podiam ajudá-la, muito menos serem ajudados. Não agora. Tinha que sair dali, para evitar danos colaterais.
Dobrando uma esquina, escorou-se contra um muro e verificou novamente seu mapa. Um sinal fraco, a norte dali, fora encontrado pelo subprograma. Crystal tremeu ao perceber que, entre ela e sua esperança de fuga, havia dois Operadores à espera.
Os Operadores não detectaram a presença de Crystal, mas estava a sua procura. Com armas em punho, andavam de um lado a outro da rua, inspecionando cada metro quadrado. Seus passos faziam a terreno tremer um pouco.
Ainda escondida, a jovem formulou um plano ousado. Carregou novamente o mapa holográfico e analisou os caminhos dos esgotos aos seus pés.
Correu em direção ao meio da rua, chamando a atenção dos Operadores. Abriu um dos bueiros e saltou para dentro da escuridão, deixando cair uma carga de explosivos plásticos. Os Operadores correram em sua direção e seguiram-na dentro do buraco. Só que Crystal já estava saindo por outro bueiro localizado perto de onde os Operadores estavam há poucos segundos atrás. A jovem, então, deixou cair outra carga de explosivos, e quando estava afastada suficiente detonou ambas, prendendo os operadores no subterrâneo.
Mas não conseguiu andar mais que dez metro, quando sentiu um tremor sob seus pés. Uma grande explosão atirou Crystal no ar e abriu uma enorme cratera no meio da rua. Alguns metros mais a frente, a jovem atordoada levantou-se com dificuldade e continuou a correr.
Estava agora muito próxima. O sinal vinha de um prédio a sua frente, uma antiga livraria. Sem rodeios, arrombou a grade de metal com um soco. Sentiu alguns fios desconectarem-se no interior de seu braço esquerdo. Simplesmente ignorou a dor.
Encontrou a sua frente um espaço completamente vazio. O livros e estantes que ali estavam há muito haviam sido levados. Só havia a sua frente um alçapão de metal, o qual abriu com dificuldade. Apesar de destrancado, era feito de aço maciço, talvez parte de um abrigo antibombas. Crystal pulou no vão escuro.
Poucos metros abaixo, atingiu o chão duro de metal. Um pequeno sorriso delineou-se no canto de sua boca. Havia encontrado nada menos do que uma pequena Fortaleza Digital. Não tinha notícias que alguém houvesse construído uma tão longe da Pólis. Crystal não acreditava em sua sorte. Os sistemas de segurança pareciam estar funcionando, então ela lacrou a entrada da Fortaleza.
Os equipamentos não eram novos, mas a jovem pensava que eram suficientes para a tarefa que tinha em mente. Ao iniciar os sistemas principais, Crystal ouviu que os Operadores tentavam arrombar o pesado alçapão de metal. As máquinas a sua volta já emitiam uma sinfonia de sinais e estavam aguardando a entrada de um usuário.
Crystal conectou os plugs nas entradas acima de sua orelha e digitou alguns comandos no terminal. A conexão com a Neurorrede estava completa. Era a hora de um salto de fé.
O programa desenvolvido por seu mentor não havia ainda sido completamente depurado, mas poderia ser a única chance de a jovem escapar com vida da armadilha em que se encontrava.
O alçapão cedeu a força dos Operadores. Crystal fechou os olhos. Uma única lágrima desceu por sua face e, então, a jovem emitiu aquele que poderia ser seu último comando.
"Transferência Integral"
Em segundos, o corpo da jovem caiu morto. Os Operadores não conseguiram chegar a tempo.
Não conseguiram chegar a tempo de evitar o futuro.