Um Estranho Mundo /7

Capítulo VI

"Quando explicações científicas parecem incapazes de nos dar respostas, e misticismos dão um sentido mais coerente ao mundo a nosso redor, devemos simplesmente passar a acreditar em magia?"

Ainda de manhã nós partimos. Rapidamente os Lepare levantaram acampamento, desmanchando suas tendas com uma velocidade impressionante. Desta vez não precisei ir caminhando, Shiri me fez montar em um cavalo junto com ela.

Ela tinha uma justificativa mágica para minha perda de memoria, e me explicou enquanto toda a expedição seguia por uma estrada que, imaginei, descia contornando a montanha.

- Você veio do mundo dos deuses, para além do céu, mas, ao descer aqui, tornou-se mortal, e muito do que você era foi deixado para trás. Sua mágica é apenas uma fração do que seria em Valehala, e suas memorias apenas fragmentos.

Eu fingi concordar, certo que seria perda de tempo, e talvez perigoso, questionar as crenças deste povo. Acreditarem que eu era uma espécie de enviado dos deuses provavelmente era o que me mantinha vivo.

Mas minha amnésia era preocupante e um pouco assustadora. Sem dúvida, a batida na minha cabeça quando caí neste planeta foi muito mais forte que eu tinha imaginado. Sem nada para fazer além de me segurar firme em Shiri, enquanto descíamos a montanha, me vi tentando descobrir os limites de minhas lembranças.

O mais angustiante era não lembrar meu nome, e me vi repetindo mentalmente nomes ao acaso. Marco. Paulo. Gabriel. Nenhum me trazia qualquer lembrança. Curioso que eu pudesse lembrar nomes aleatórios de pessoas, mas não o meu próprio, mas imaginei que era assim que uma amnésia funcionava. Restava-me torcer que aos poucos minha memoria voltasse.

Coisas não específicas eu conseguia lembrar. O que era um carro, um computador, uma nave espacial. Era mais difícil quando tentava situar um local ou época. Eu nasci no século XX? Não, século XXI, tinha certeza. O que eu fazia? Era astronauta, eu supunha, mas nenhuma memoria disto apareceu, exceto do acidente, quando caímos aqui. Eu lembrava de lidar com computadores, era um cientista, talvez.

A queda no chão me pegou completamente de surpresa, e eu teria gritado se Shiri não tivesse tapado minha boca com sua mão. Por sorte não parecia ter me machucado muito, mas estava completamente confuso.

- Silêncio. Um espectro.

Eu teria perguntado o que ela queria dizer com isto assim que ela tirou a mão de minha boca, mas seu olhar parecia deixar muito claro que eu não deveria falar nada. Em silêncio, ela apontou para uma árvore, talvez três ou quatro metros distante de nós.

Enquanto olhava, percebi que todos os Lepare estavam se afastando de nós, em silêncio, lentamente, cada um em uma direção diferente. - Eu não entendi por que só nós estávamos no chão.

Então eu vi alguma coisa sair da árvore, uma espécie de névoa transparente, que começou a vir em nossa direção.

- Os espectros são almas de antigos feiticeiros e homens amaldiçoados, e são atraídos por seres com magia, como nós dois - Shiri falou rapidamente em um sussurro quase inaudível - tão facilmente quanto podem nos conceder poderes, eles podem arrancar toda a carne de nossos ossos. Não se mova, não fale nada, e concentre-se nele.

Eu estava imóvel como ela havia me dito, olhando fascinado para o espectro. A medida que ele se aproximava, pude ver que parecia uma criatura feita de fumaça branca transparente, que assumia diferentes formas. Quando olhei para Shiri, vi que ela estava de olhos fechados, aparentando estar concentrada.

- Concentre-se nele - ela repetiu, a voz novamente um sussurro - tente fazê-lo entender que não deve nos atacar. Faça isto, senão ambos morreremos.

Eu estava confuso, sem entender o que Shiri queria dizer. Seria outra das superstições deles? Ou estávamos mesmo em perigo como ela parecia acreditar?

Eu fechei os olhos e tentei me concentrar na criatura. O que deveria fazer, tentar transmitir meus pensamentos por telepatia?

De súbito, senti como se algo estivesse me tocando por todo o corpo, e tive uma tontura. Se não estivesse já deitado no chão, ao lado do cavalo, certamente teria caído.

Durou talvez cinco ou seis segundos, e por um instante senti como se alguém estivesse falando comigo, e então a sensação passou.

- Ele está indo embora. Tivemos sorte. Mesmo um enviado dos deuses poderia ser consumido por um espectro. Já aconteceu uma vez.

Eu abri os olhos e vi que Shiri já estava de pé. A nuvem, névoa, o que fosse, estava lentamente se afastando, flutuando no ar, e os outros Lepare estavam retornando, se aproximando de nós cautelosamente.

Aconteceu uma vez? Será que eu não era o primeiro viajante a cair aqui?

- Venha - Shiri disse, estendendo a mão para mim imediatamente após subir em seu cavalo - ainda temos uma longa jornada pela frente.

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Ashur
Enviado por Ashur em 22/03/2013
Código do texto: T4202899
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