Um Estranho Mundo /6

Capítulo V

"Acreditar em deuses, em feitiçarias? Eu era um homem da ciência. Mesmo tendo esquecido tanto, era antinatural eu simplesmente aceitar o mundo ao meu redor como um lugar mágico".

Não houve muito mais que eu pudesse descobrir naquele primeiro dia, talvez porque agora sabiam que eu podia entendê-los, e evitavam falar perto de mim. Logo me colocaram em uma tenda, e me deixaram sozinho. Pelo menos desamarram meus braços. Eu cheguei a pensar em tentar escapar durante a noite, mas mesmo que surgisse uma oportunidade, imaginei que não levaria muito tempo para me prenderem novamente.

Bastou eu me deitar, de qualquer modo, para adormecer imediatamente.

Ao despertar, no dia seguinte, por um momento eu não sabia onde me encontrava. Meu braço se moveu, instintivamente, procurando uma pessoa, mas não havia ninguém deitado além de mim. Era uma mulher, eu tinha certeza, mas não conseguia lembrar seu nome, talvez fosse apenas um sonho.

Eu olhei ao meu redor, e vi Shiri, a mulher leopardo, sentada com as pernas cruzadas, me observando. Foi só então que me lembrei do dia anterior e de tudo que havia acontecido. Ela nada falou, os olhos fixos em mim, e eu me vi obrigado a ser o primeiro a quebrar o silêncio.

- Ola - eu falei, e como ela nada respondeu, continuei - você passou a noite me vigiando?

- Não - ela respondeu, provando que agora podia entender o que eu falava - Eu sou Shiri, dos Lepare. Quem é você, e por que veio até nós?

- Eu vim de um lugar muito distante, em uma nave que viajava entre as estrelas. Caí aqui por acidente - Eu me perguntei como ela entenderia isto. Que tipo de tradução ouviria de conceitos que eram avançados demais para criaturas primitivas como ela certamente era? Se ficou confusa com minha explicação, ela não demonstrou.

- Qual seu nome?

Eu fingi não ouvir sua pergunta. Por alguma razão, não queria lhe responder, e tinha perguntas minhas para fazer - como me curou? o que foi aquilo que você fez, e como conseguimos entender um ao outro?

- Você não sabe? Diz que viaja entre as estrelas, mas não sabe invocar a magia dos deuses? Em qual das duas você está mentindo?

Eu me lembrei que só estava vivo por causa dela. Se achasse que eu estava mentindo, o que ela faria? Ao mesmo tempo, o que eu deveria dizer que não me colocasse em perigo?

- Ouça, não estou tentando mentir, nem quero nenhum mal a vocês, eu juro. Caí aqui por acidente, só quero voltar para casa.

- Você ainda não me disse seu nome, viajante que caiu das estrelas. Eu lhe dei meu nome, e quero saber o seu.

Por que ela insistia nisto? Eu quase lhe respondi, mas meu nome não era importante, o importante era entenderem que eu não iria lhes fazer nenhum mal - olhe, por favor, acredite em mim.

Ela ficou em silêncio por uns instantes, os olhos se apertando, e então repetiu, desta vez as palavras exageradamente articuladas, em uma voz baixa, quase um rosnado - Qual seu nome? - Não havia outra alternativa além de responder. Por alguma razão, eu comecei a suar.

- Meu nome - e eu hesitei, o pulso se acelerando - meu nome é... - eu olhei para ela, confuso. Ela não iria acreditar em mim, mas era a verdade - eu não sei.

- Qual o nome de seu pai? de sua mãe? Onde você nasceu?

A cada pergunta meu pulso batia mais rápido, e tive que me controlar para não começar a lacrimejar. Devia ser a batida na minha cabeça, e eu instintivamente encostei com a mão no cabelo ainda sujo de sangue, seco há horas - Eu não sei. Eu não consigo lembrar.

Shiri se levantou, dando sinais que iria sair, e tive a certeza que seria para avisar que eu me recusava a cooperar

- Por favor, acredite em mim, não estou escondendo nada. Eu não consigo lembrar nada - minha voz quase em panico.

- Eu acredito. E eu estava certa. Você foi enviado pelos deuses. É por isso que suas memorias foram perdidas. Eu tenho que avisar aos demais, mas em breve falaremos novamente.

E Shiri saiu, me deixando sozinho, olhando o vazio.

E me perguntando quem eu realmente era.