2111: World War 3 - III - Traição

Antes de postar o texto, queria compartilhar com vcs o blog em que originalmente eu posto a história, aqui no recanto eu fico limitado as opções de formatação, no blog tenho varias opções de formatação e imagem que deixam o texto, e a história mais organizada e bonita, segue o link das séries que são publicadas na Guilda: só copiar e colar, não da pra redirecionar links ;D http://guildacop.blogspot.com.br/2012/11/series.html

Lá vcs podem ler 2111 e outras séries de nossos autores, a Guilda é uma parceria de autores, caso se interesse e queira entrar também, é só participar do recrutamento, clicando no botão da página, aproveito para divulgar aqui a Guilda: http://guildacop.blogspot.com.br/

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"Rio de Janeiro, 12 de agosto de 2016

"Ja faz mais de um ano desde que eu comecei a escrever sobre o fenômeno conhecido como 'MH', escrevi um artigo completo sobre sua formação e os perigos que podiam estar escondidos na sua forma, mas nunca foi um artigo acadêmico, por mais que eu me baseia-se em dados e fatos científicos, parte das minha argumentações acerca dos potenciais perigos eram deduções sobre alguns fatos e teorias, talvez por isso quando apresentei-o para alguns profissionais, foi imediatamente rechaçado, mais uma pessoa levou o meu trabalho à sério, e não foi surpresa para mim. Essa pessoa foi o meu pai.

"Atenciosamente

Cristian"

Orizaba, Distrito de Puebla - 15 de abril de 2110

17:35 PM

Hernán achava-se montado em uma peça pesada de artilharia na parte da frente, sobre o carro, Juan em uma peça na parte de trás, enquanto Stella dirigia. Estavam no meio do comboio, que possuía cerca de 30 carros de combate como aquele,grandes, com um forte poder de fogo, eram chamados de minitanks e eram bem efetivos para deslocamentos e contenção de tropas,a frota tinha também alguns tanques, um fora perdido numa batalha na cidade de Puebla no dia anterior, e um carro de combate especial apelidado de la muerte ambulant, uma espécie de tanque híbrido colossal que carregava um canhão espesso e enorme, varias peças de artilharia e blindagem anti-RPG, era necessário mais de um projétil de Panzerjäger¹ para destruir aquela coisa, tecnologia russa de ponta, produto da troca de tecnologias anterior ao conflito, claro.

Aquele comboio, imbuído da missão de tomar a cidade litorânea de Veracruz de assalto, havia partido três dias antes de uma base, ainda sobre controle mexicano, na Cidade do México. Se encontravam agora na cidade de Orizaba, cerca de 70 Km de Veracruz, no sopé do monumental pico de mesmo nome, a mais alta montanha do México, era um local sem lei, a cidade estava reduzida a ruínas, não havia mais ninguém lá, mais uma vítima dos bombardeios impiedosos dos Europeus, o lugar hoje não passava de refugio à soldados errantes ou facínoras solitários. O comboio seguia devagar por causa do veículo monumental, e era um risco real serem detectados, mas possuíam uma aparelhagem de radares de ponta, e depois de terem saído da planície central do Distrito 3 sabiam que não havia nenhuma resistência ou tropa européia relevante, aquela parte do país era mais estéril devido aos ataques químicos cerca de 10 anos atrás.

Apesar disso Stella temia, com razão, que encontrassem fogo a frente, haviam saído do Distrito 3 com uma tropa considerável e haviam enfrentado pequenas divisões holandesas, logo o inimigo ja sabia do seu movimento e mandariam tropas de scout² ao seu encontro, com certeza viriam depois tropas maiores para impedir o avanço, ela , enquanto dirigia, tentava planejar uma maneira de passar por essas tropas de um jeito eficiente e que não comprometesse a investida, ja estava arrependida de ter aceito o comando daquela operação.

A Batalha de Puebla foi especialmente sangrenta, para as divisões holandesas que os atacaram. Em menor numero, foram totalmente massacrados, as perdas mexicanas haviam sido mínimas, tinha sido mais fácil do que sair da capital, aproveitaram para estabelecer uma base confiável alí, que manteria segura a retaguarda e poderia proporcionar reforço quando preciso.

Hernán, montado sobre a metralhadora, agora que já haviam saído da cidade fantasma, contemplava a bela paisagem do planalto de Orizaba, as montanhas do complexo Eje Volcánico Tranversal, o vulcão Sierra Negra, há muito extinto e o pico de mesmo nome do planalto, no céu claro, bem lá no alto, aquelas coisas coloridas continuavam aparecendo e desaparecendo, no seu ciclo eterno. Era uma visão maravilhosa àquela hora do dia, fazia-o pensar que a Natureza continuava em todo seu esplendor e curso natural à despeito da tragédia humana que se desenrolava há anos. Sempre lamentou o fato de nunca ter tido tempo para simplesmente viver a vida antes do conflito, vez ou outra soltava um suspiro frustado, aquela missão poderia, enfim, leva-lo à morte, pensava que talvez não fosse tão ruim caso acontecesse, poderia pelo menos se juntar aqueles que o deixaram.

Já Juan, montado na peça da extremidade oposta, mantinha um olhar nervoso, de tempo em tempo abria o computador portátil, que cabia no bolso, e verificava os radares, olhava em volta para as encostas escuras das montanhas que os cercavam, achava que estavam muito expostos mesmo com os equipamentos, e que logo seriam atacados e dizimados, numa espécie de vingança pelas tropas que esmagaram, não demorou muito para que as suas suspeitas se confirmassem.

De repente todos cessaram a marcha, o comboio inteiro, que devia medir uns bons 300 metros, empunharam suas armas, seus binóculos, verificaram os radares e se puseram à escuta, algo chiava no ar ao redor.

Scout. Uma aeronave rasgou os céus, enquanto os artilheiros a seguiam com a mira das armas anti-aéreas, ela voltou, atingiu a retaguarda do comboio, houveram gritos e explosões, os artilheiros giravam freneticamente suas armas e atiravam na mesma intensidade enquanto boa parte da infantaria que estava a pé se dispersava evitando a aglomeração que os tornaria alvos fáceis. Tanques disparavam seus canhões sem parar, acompanhando a dança da aeronave, o céu claro e sem nuvens não permitiam que a nave fosse perdida de vista.

Os projeteis disparados pelas tropas em terra explodiam no céu, criando pequenas bolas de fumaça, ao fundo, muito alto no céu, os MH faziam sua dança esotérica, aparecendo e desaparecendo, como de costume. Antes que o caos tomasse conta, o avião foi alvejado e explodiu com um pequeno clarão, bastante longe, foi reduzido a pedaços incandescentes que caiam deixandoo um rastro de fumaça escura. Stella, que havia saído do carro, ajudava à atender os feridos, enquanto Juan digitava algo freneticamente no computador e dava chutes no radar.

–Essa porra está de sacanagem? – gritava enquanto chutava furiosamente o aparelho – Porque não acusou a porra do avião?

Ainda montado na artilharia, Hernán observava os destroços do avião caindo enquanto vasculhava o céu à procura de outros atacantes, se virou dizendo:

– Era um drone³, provavelmente eles possuem dispositivos anti-detecção, já era de se esperar, pare de dar chilique e ajude os outros! – Exclamou enquanto descia do carro. Foi ao encontro de Stella, que estava junto com a equipe de enfermeiros e médicos militares, ficou surpreso quando viu o seu rosto calmo, como-se não houvessem acabado de sofrer um ataque de um avião não-tripulado invisível ao radar.

– Precisamos dar uma parada – Disse ela enquanto ajudava a recolher alguns soldados feridos gemendo de dor, alguns com ferimentos superficiais, queimaduras, outros com ferimentos mais sérios, membros amputados, mas o numero de feridos era pequeno, o ataque não tinha sido tão efetivo, exceto para a retaguarda que fora seriamente atingida, os homens e mulheres feridos eram postos dentro do "super-tanque" onde seriam tratados – Estamos a menos de 10 Km de Córdoba, teremos mais cobertura lá.

Juan apareceu atrás deles, a expressão contrariada.

– É uma cidade grande – Disse ele – repleta de patrulhas, como vamos ter cobertura?

– Iremos manter a guarda dos equipamentos, enquanto batedores procuram recursos na cidade, manteremos uma posição segura para descansar e medicar os feridos, enquanto isso nos dispersamos num perímetro comum até amanhã, é fácil. – Ela dizia enquanto corriam até a retaguarda para ajudar – eles já sabem que estamos aqui, teremos que passar por lá de qualquer forma, é a ultima cidade grande antes de Veracruz, temos parte da nossa resistência lá, tente fazer contato, eles irão nos ajudar, isso ja estava programado.

– Sim, ela tem razão – Disse Hernán quando chegaram a retaguarda, parte mais afetada pelo ataque – Temos aliados em Córdoba.

– Mas não seria melhor simplesmente darmos a volta pela cidade? – Juan insistiu quando paravam para observar o estrago e calcular o que poderia ser feito.

– Não – Ela respondeu – Seria um atraso simplesmente contornar a cidade, e bem mais perigoso, é bem melhor passar por ela, chega de conversa. Ajudem aqui – Enérgica, encerrou a discussão e foram ajudar a recompor a retaguarda.

Haviam alguns carros danificados, um tanque pegara fogo e ficara inutilizado, dezenas de soldados feridos gemendo de dor, muitos com gravidade, alguns não tiveram tanta sorte de só se ferirem, teriam bastante trabalho pela frente.

Planalto de Orizaba, Córdoba - Distrito de Veracruz - 15 de abril de 2110

19:25 PM

O rápido ataque que haviam sofrido no final da tarde foi insignificante, mas suficiente para deixar os nervos de todos à flor da pele. A tropa era composta por homens e mulheres, alguns muito jovens, no final da adolescência, foram recrutados em meio aos civis que ainda viviam nas cercanias da capital e a unica experiência de combate que possuíam era a da resistência partisan*, a marcha exaustiva que faziam desde o Distrito 3 minava suas forças, mesmo depois da batalha feroz em Puebla, o ataque de drones era o que mais afetava o psicológico, a guerra contra um inimigo não-humano e traiçoeiro causava medo.

Agora se encontravam no subúrbio da cidade de Córdoba, já no Distrito de Veracruz, era uma cidade de médio porte, onde ainda residiam pessoas, muitos deles fugidos da cidade de Veracruz devido a guerra química, mas elas se encontravam na região central. A região suburbana, onde a tropa se encontrava, era a parte deserta da cidade, toda a movimentação se encontrava no centro, a resistência, a contra-resistência, os civis, tudo, o que dava a eles uma tranquilidade maior em estabelecer acampamento ali.

O que deixava Stella preocupada era o fato de que os Europeus já sabiam que eles estavam ali, então não havia como estabelecer uma base tranquila, era necessário usar táticas de camuflagem de tropa, onde os soldados iriam se separar e dispersar em um perímetro comum, no caso de ataque, se precisassem, era só se agrupar novamente.

Sendo assim, puseram os carros de guerra e tanques nas fronteiras do perímetro mais pra dentro da cidade, la muerte ambulant, o carro colossal, se posicionava na extrema retaguarda, que era a fronteira da cidade, atrás só havia o planalto que eles tinham acabado de deixar, enquanto a infantaria se espalhou pelas ruas e casas, sendo assim o perímetro formava um semi-circulo com a cavalaria a frente, o colosso atrás e as tropas espalhadas no meio.

Cada tropa se mantinha em um quarteirão, com a equipe médica cuidando dos feridos no central, as ruas e casas encontravam-se em sua maioria intactas, algumas construções maiores estavam semi-destruídas, pequenas lojas reviradas e saqueadas, com muito de seu conteúdo, como roupas, remédios, comida, espalhados pelo chão. Era um cenário desolador, mas comparado à outros, parecia o ápice da civilização ocidental.

Hernán foi imbuído da missão de coordenar as equipes de batedores, que iriam até a região central da cidade atrás de recursos e para fazer contato com aliados, era uma missão complicada e deveria ser feita rápida e sorrateiramente, deveriam também conseguir o máximo de informação sobre a posição do inimigo para que a base pudesse otimizar a defesa. Isso teria que ser feito até o começo da madrugada, que era o momento que eles iriam adentrar a cidade. Depois de selecionar seus soldados, uns 20, Hernán foi com eles até a parte de fora do perímetro, se dividiram em duplas, e cada uma, armada somente de radio e faca, seguiram por uma rua diferente em direção ao centro da cidade.

Hernán seguiu com Leon e Nadine, dois jovens guerrilheiros recrutados em Puebla. Leon era um garoto que aparentava ser mais novo do que era, vestia uma velha farda herdada de seu pai, um soldado que havia morrido nas primeiras invasões feitas pelos europeus, era um dos muitos jovens que ainda eram pequenas crianças quando a guerra começou, e ficaram órfãos cedo indo de um lugar a outro, de um refugio a outro à deriva, enquanto o país colapsava, possuía raros olhos verdes, o que denunciava sua descendência européia e cabelos muito claros, prateados, quase brancos, o que era um efeito da alta exposição à componentes tóxicos, devido a guerra química, muitos jovens possuíam olhos ou cabelos acinzentados por esse motivo.

Nadine, uma bela jovem de origem indígena, tinha a pele bronzeada dos nativos americanos, olhos puxados e cabelos escuros, ao contrario do seu companheiro de cabelos prateados, não passava desapercebida no meio dos nórdicos que combatiam ali.

Os três seguiram rapidamente pelas vias principais, desertas e semi destruídas, aqui e ali carcaças de carros eram vistas, abandonadas, porem intactas, aproveitaram para procurar algo que fosse útil, mas pouco havia, exceto alguns corpos, há muito sem vida, dentro dos carros. Nas ruas também era possível encontrar algumas armas inutilizadas espalhadas pelo chão, bem como cartuchos de munição, nas extremidades e cruzamentos, sacos de areia empilhados eram vistos, atrás dos quais, alguns corpos vestindo farda eram vistos, só os ossos, aquelas ruas eram como um sítio, que seria, quem sabe, explorado no futuro, onde seriam descobertos vários túmulos, os locais de descanso eterno de vários seres humanos.

Conforme iam se aproximando da região central da cidade, podiam ver luzes, alguns sons, musica alta, alguns poucos quarteirões os separavam do que restava da civilização, quando ouviram sons de explosão e disparos, rapidamente procuraram abrigo e tentavam ver alguma coisa ao redor. Tudo estava escuro, as luzes dos postes piscavam, não viam muita coisa, só ouviam os sons de tiros não muito longe dali, resolveram continuar avançando cautelosamente, se esgueirando pelas paredes.

De repente avistaram um vulto correndo a frente, numa curva próxima.

Caminharam agachados, pararam atrás de um carro, ainda abaixados tentavam ver a frente através das janelas, Leon pegou uma lanterna, quando se preparava para acender, Hernán o deteve, o jovem confuso abriu a boca para protestar, mas a jovem a seu lado, com um movimento enérgico pôs a mão na sua boca, para silencia-lo, havia alguém bem a frente deles, do outro lado do carro. Hernán fez sinal para que fizessem silêncio, tirou a faca do bolso e sorrateiramente deu a volta no carro, as luzes dos postem já tinham parado de piscar, agora haviam apagado de vez, fazendo tudo mergulhar na escuridão, com destreza, com a faca em punho, Hernán se aproximou da sombra, chegando a seu lado sem acusar sua presença, apertava os olhos para tentar enxergar alguma coisa que identificasse a sombra na escuridão. Ouviu ela emitindo um clique metálico, estava carregando uma arma, chegou mais perto, devagar, ainda apertando os olhos, tentando enxergar algo que identificaria a sombra como amiga ou inimiga, quando a luz do poste acendeu.

Em um momento muito rápido a sombra o viu, e ele também a viu, mas era tarde demais. Antes que o homem pudesse se virar a apontar a arma, Hernán afundou a faca em seu pescoço. Assim que o local se iluminou, Hernán reconheceu o uniforme, a bandeira dinamarquesa na lapela, europeu, inimigo, não deu tempo ao homem para se defender, com agilidade, enquanto enfiava a faca em seu pescoço, fazendo com que uma torrente se sangue espichasse do ferimento, sujando-o todo, ele desarmou o soldado, pôs a mão em sua boca, evitando que ele gritasse e chamasse atenção. Os olhos aterrorizados do soldado o encaravam enquanto ele o segurava e ele lhe devolvia um olhar sem qualquer clemência, por fim o dinamarquês parou de se agitar e morreu com aquele olhar assustado.

Vendo tudo ainda do outro lado do carro, os dois jovens se aproximaram, observando freneticamente ao redor à procura de outro soldado inimigo, não havia ninguém, logo já estavam ao lado de Hernán, que inspecionava a arma do dinamarquês falecido, era um fuzil de assalto leve, portátil, que se retraía e era capaz de ser disparado com uma só mão, tecnologia de primeira, passou a arma para Leon, enquanto este a admirava, tateou o cadáver afim de encontrar alguma coisa útil, recolheu sua munição, alguns comprimidos de adrenalina e duas barras de cereais, guardou as munições e os comprimidos e passou as barras para a jovem, que guardou-as, por fim fechou os olhos do soldado morto, já havia matado muitas pessoas nesses anos de guerra, algumas em emboscadas à sangue frio, mas o olhar daquele, o arrepiou, e ele veria aquele olhar de assombro durante muitas noites no futuro, de repente sentiu pena e remorso, o morto aparentava ser um garoto, talvez da idade daquele ao seu lado, pensou quantos garotos não teria que matar ainda, ou qual garoto ia acabar o matando, deixou de lado esses pensamentos. Aquilo era uma guerra, ou se mata ou se morre, não haviam garotos naquele lugar.

Rapidamente voltaram a avançar se esgueirando pelas paredes, a ultima poça de luz ia ficando para trás, iluminaria para sempre o ultimo lugar de atuação de um dinamarquês, tão longe de casa. Já não ouviam mais disparos, Leon segurava a arma, ainda fascinado por tamanha engenhosidade e tecnologia, Hernán a tomou de sua mão para si, fez sinal para que olhasse em volta, o garoto, contrariado, obedeceu. Caminharam devagar até a curva onde tinham visto um vulto correndo, momentos antes, quando chegaram lá pararam, agacharam e olharam ao redor, nada, só o silêncio e a escuridão, mais adiante, mais postes piscavam, dando de tempos em tempos alguma visão, fora isso, breu quase total. Teriam que seguir virar naquela curva e seguir por ali, se um combate estava acontecendo, significava que possíveis aliados estavam perto, precisavam encontra-los. Quando fizeram a curva, uma situação inesperada quase terminou em tragédia.

Depois da curva o local estava mais iluminado, permitindo que enxergassem melhor, uma mulher magra, de cabelos prateados, irrompeu de repente a frente, segurando uma escopeta, antes que Hernán pudesse apontar a arma, ela atirou.

Por sorte, a arma falhou, Hernán então disparou, mas errou o tiro, uma segunda mulher saiu das sombras e apareceu atrás da primeira, essa era idêntica a outra, com os mesmos cabelos prateados, mas estava desarmada. Hernán viu que elas não possuíam nenhum aparato militar, como colete, ou mesmo uniforme, ao contrario, vestiam vestidos velhos brancos, o da mulher armada estava manchado de sangue. Antes que ela tentasse disparar novamente, ele rolou pro lado, puxando os outros dois e gritou dizendo que vinha do Distrito 3 enviado pelo Generalíssimo. A mulher hesitou, se aproximou, ainda apontando a escopeta, Hernán abaixou a arma e, devagar, tirou uma pulseira azul metálica do bolso.

– Vê? – disse ele, mostrando a pulseira – Não sou inimigo.

A mulher abaixou a arma e gesticulou para que eles a seguissem, elas começaram a correr pela rua, desviando de carros e de cadáveres, de repente elas pararam, olharam para todos os lados, entraram em um prédio alto e escuro, eles as seguiram.

– Qual é o lance da pulseira? – Perguntou Leon enquanto eles entravam no prédio.

– Essa pulseira é um inibidor de ondas de calor, ela nos torna invisíveis aos radares deles, é tecnologia dos Estados Unidos, só nós americanos possuímos e sabemos como usar – ele respondeu enquanto as mulheres gesticulavam para que entrassem.

Dentro do prédio, no saguão de entrada, haviam varias pessoas, com os mais variados tipos de armas, estavam sentados no chão, alguns dormiam enrolados em cobertas sujas, enquanto outros se entretinham em grupo jogando alguma coisa.

Quando entraram, todos pararam o que estavam fazendo e olharam para eles.

– Prestem atenção – a mulher do vestido ensaguentado anunciou – Eles vieram da capital.

Ao dizer isso, os homens e mulheres ali abriram os braços, sorriram e se abraçaram, Hernán ficou observando aquela cena estupefato, era como se eles fossem alguma espécie de messias.

A outra mulher, que era idêntica a do vestido ensaguentado, virou-se para eles, com um olhar do tipo "falem alguma coisa". Hernán então tomou a frente.

– Vocês estavam nos esperando, certo? – ele perguntou.

– Sim – A mulher do vestido ensanguentado respondeu, enquanto os outros se dirigiam ao grupo que acabara de chegar – O Generalíssimo fez contato conosco há alguns dias, dizendo que enviara reforços para expulsar os europeus e...

– Nós ainda temos muito o que fazer – Hernán interrompeu, enquanto as pessoas se aglomeravam para ouvi-lo – Primeiramente, quem é você, e o que está acontecendo aqui? É seguro?

– Bem, venham aqui, vocês estão bem? – ela perguntou enquanto abria caminho entre a pequena platéia – Vocês, continuem o que estavam fazendo, vamos!

A platéia, de homens e mulheres, algumas crianças, se dispersou e voltou aos seus afazeres. Então a mulher, ainda com a escopeta na mão, acompanhada da sua sósia, subiu as escadas no fundo do saguão, os três as acompanharam. No topo da escada ela abriu uma porta que dava para uma grande sala, com uma mesa redonda central lotada de mapas, cartas e computadores portáteis. Sentados em cadeiras ao redor, dois homens e uma garota adormeciam encostados na mesa.

– Acordem vocês! – a mulher do vestido manchado urrou, com uma voz que fez Hernán estremecer – Ajeitem essa bagunça, rápido!

Os dois homens, um grisalho e o outro mais novo, e a garota, não parecendo ter mais de 15 anos, acordaram de súbito, com um pulo, olharam para a mulher e rapidamente a obedeceram, ela pediu para que os recém-chegados se sentarem num sofá no canto da sala, enquanto a outra mulher ajudava os outros três à arrumarem a mesa.

– Precisava gritar desse jeito? – resmungou mau-humorado o senhor de cabelos grisalhos, enquanto arrumava os papeis espalhados na mesa – Pensei que era um tanque russo entrando aqui.

– Desculpe, pai – a mulher respondeu – Eu saio por 10 minutos e vocês dormem e deixam tudo bagunçado! Que coisa!

– Quem são esses aí? – O outro homem, que aparentava ter uns vinte e poucos anos, perguntou, enquanto mexia nos pequenos computadores de bolso.

– Nós viemos da capital – Hernán respondeu, sem sair do lugar.

– Ah, então vieram mesmo! – o velho respondeu, alegre.

A mulher desapareceu e voltou com uma imensa jarra d'água e três copos.

– Vocês devem estar com sede e cansados, não? – Ela perguntou enquanto oferecia os copos e se sentava ao lado deles. Leon e Nadine rapidamente atacaram a água, deixando pouco para Hernán, que não se aborreceu. – Eles parecem bem sedentos e cansados.

– És verdade, señora – respondeu Leon, enquanto bebia toda a água num só gole – Estamos andando faz três dias! Isso quando não estamos correndo e sendo atacados.

– Cale-se, Leon – Hernán disse, enquanto analisava o local – Vamos, me explique o que está havendo aqui, não temos muito tempo.

– Tudo bem, meu nome é Maria – começou a mulher – mas antes não quer se limpar? estás todo sujo de sangue. – Ela disse apontando para o uniforme dele.

– Não tem problema, o seu vestido...

– Eu nem ligo mais – disse ela, sorrindo. Aquele sorriso fez Hernán estremecer novamente – Ja estou acostumada. Essa é minha irmã, gêmea como pode ver, Marianna – ela disse apontando para a outra moça de cabelos cinza, que devolveu com um sorriso e um aceno simpático. – Esses outros dois são meus irmãos, Enrique e Olivia, aquele é meu pai, Ernesto.

Os três os cumprimentaram, Maria continuou.

– Nós todos, incluindo aqueles lá embaixo, somos parte da resistência, controlamos essa área da cidade há algum tempo, vivemos em um regime de guerrilha diário e eterno, os europeus vem e vão, agora mesmo estávamos lutando contra um pequeno grupo deles. Eles não tem interesse em tomar essa parte da cidade, ou mesmo nos enfrentar de forma mais séria, visto que seria impossível e os custaria muito. Nós temos varias bases e esconderijos, eles só vem e vão pra nos deixar ocupados, para que não tentemos tomar o lado deles.

– Entendo – disse Hernán – o lado deles é o centro da cidade?

– Sim – ela respondeu – pelo que eu vejo, vocês são só um grupo de reconhecimento, certo?

– Exato – ele respondeu – meu nome é Hernán, esses são Nadine e Leon, nós e outros 9 grupos temos a missão de entrar na cidade, procurar recursos e trazer informações, além de contactar vocês, nós estamos indo para Veracruz.

– Vocês vão tomar Veracruz de volta? – perguntou o velho se aproximando, junto com os outros.

– Sim – respondeu – pra isso precisamos dessa cidade, e de vocês.

– Porque simplesmente não dão a volta? – Perguntou Enrique – não seria mais fácil? vocês podem perder muitos homens aqui.

– Seria mais complicado, alem disso precisamos de vocês para Veracruz também, de suprimentos, armas e um apoio na retaguarda, ja tomamos Puebla e deixamos alguns em Orizaba...

– Certo – interrompeu Maria – vocês estão na fronteira da cidade? Nós temos recursos e informações, formem base aqui conosco, amanhã podemos atacar juntos, volte e avise...

– Não podemos – interrompeu Hernán – Vamos atacar essa madrugada, preciso voltar com informações concretas e ser rápido.

– Entendo – ela respondeu – Eu sou a líder desse grupo, nós temos mais quatro grupos espalhados, num total de trezentas pessoas. Quantos vocês são?

– Cerca de 600.

– Excelente – o rosto dela se iluminou, Hernán reparou que ela era uma mulher muito bonita, mas já desgastada, deveria ter entre trinta e quarenta anos, embora aparentasse ter quase cinquenta, tinha pequenas rugas de expressão na testa e olheiras proeminentes – Vamos contactar os outros, manda-los fazer contato com seus outros batedores, nos prepararmos, e então atacarmos hoje com vocês.

– Sim, tudo bem.

– Vocês ouviram, tratem de se apressar – ela disse aos outros quatro, que imediatamente começaram a trabalhar nos computadores – Vou pedir para que os escoltem na volta.

– Certo, mais eu não vou voltar agora – disse Hernán, antes que os outros dois abrissem a boca pra falar, ele continuou – Leon e Nadine, vocês irão voltar com a escolta e avisar Stella, eu vou ao centro, tens acesso ao centro Maria?

– Sim.

– Então, por favor, pode me ajudar? Certo, obrigado, agora vocês dois – ele disse voltando -se para os jovens – Façam o que eu pedi, ok? Nadine, não deixe o Leon fazer nenhuma besteira.

– Mas porque ela tem que... – protestou o jovem, aborrecido.

– Apenas a obedeça, certo? – Hernán respondeu levantando-se.

– Só uma coisa – Disse Nadine, espantando Hernán, que não se lembrava dela ter dito qualquer coisa desde que saíram do acampamento – A questão das pulseiras, eu ainda não entendi.

– O que?

– Porque só nós sabemos usar e os europeus não? e se eles roubarem de nós?

– Antes da guerra – explicou Hernán – o mundo já estava polarizado e rivalizado. Cada continente havia se fechado para si, desenvolvendo tecnologia e estudos que os outros não conheciam – Ele coçava a cabeça, não lembrava muito bem o porque disso, nem nunca havia parado para pensar, algo a ver com politica internacional, achava – Só que há uns 13 anos atrás, nós decodificamos a tecnologia deles de radares, e desenvolvemos a pulseira, quer dizer, nossos cientistas desenvolveram, mesmo que eles roubem, eles não sabem o que é, pra que serve nem como funciona, entendeu?

– Sim

– Pra que quer saber isso? – Hernán perguntou, meio desconfiado.

– Curiosidade – a jovem respondeu, levantando-se – Vamos agora então, Leon.

O jovem levantou, contrariado, enquanto a mulher do vestido ensanguentado admirava seus cabelos prateados como os dela. Ela pediu pra que seu irmão fosse com eles e se virou para Hernán.

– O que você quer no centro? – ela perguntou.

– Curiosidade – disse ele, fitando o nada, absorto em pensamentos.

– Bem, existe um ditado que diz que a curiosidade mata – Maria disse sorrindo, mais um sorriso que o arrepiou.

– Eu sei bem disso – respondeu.

Depois de despachar Leon e Nadine, Hernán ouviu atentamente as instruções de Maria sobre como entrar e sair da região central cidade sem atrair problemas, ela pôs um mapa da região sobre a mesa e explicou-lhe a situação.

– Essa é a região central de Córdoba – ela disse enquanto apontava o local no mapa, ele era dividido em três regiões coloridas, vermelho,verde e azul – Essa parte em vermelho. A parte azul é a que nós controlamos, envolve toda a parte sul e oeste da cidade. A parte verde é a deserta, onde vocês estão, é a parte periférica, quase saindo da cidade.

– Certo, e o que temos no outro extremo? – Perguntou Hernán, atento as informações.

– Temos a base deles – ela disse apontando a região oposta à que eles estavam – É daqui que eles controlam a cidade e mandam patrulhas para Veracruz.

– Entendo, eu preciso dar uma olhada nessa base antes de voltar.

Maria dobrou o mapa e gesticulou para que ele a seguisse, desceram as escadas e se encontravam novamente no saguão, onde dezenas de homens e mulheres permaneciam fortemente armados, mas ociosos, ela guiou-lhe até um grupo que se divertia jogando cartas numa mesa em um canto, com as armas apoiadas na parede, quando ela se aproximou eles se calaram e o fitaram com grande interesse.

– Kojak – ela disse para um dos homens à mesa – tenho um trabalho para você.

O homem, cabelos desgrenhados, uma barba já há muito sem aparo, ambos grisalhos, chapéu de cowboy na cabeça e um charuto no campo da boca, se levantou lentamente e contrariado. Tinha olhos azuis vivos e um rosto bastante marcado, ele fez uma mesura e se dirigiu à mulher.

– A essa hora? – tinha um forte sotaque russo ou alemão, Hernán não conseguiu destinguir ao certo – ja não limpaste as patrulhas da área?

– Ouça, este homem – ela o respondeu apontando para Hernán – precisa ir ao centro, e principalmente à Toca.

– Estás de sacanagem, mulher? – o velho respondeu, com uma voz arrastada – Que queres lá, hombre?

– Eu preciso dar uma olhada antes de voltar – Hernán respondeu enquanto fitava aqueles olhos azuis – Simples questão de reconhecimento.

O homem olhou de modo incisivo, como se o inspecionando, o que o deixou nervoso, parecia um daqueles velhos magos das histórias que lhe contavam quando ele era criança, que às vezes era preciso lhe pedir ajuda, mesmo à contra gosto. Kojak então suspirou, mais um suspiro de um homem velho e cansado do que aborrecido.

– Por que não ao amanhecer? – insistiu o velho.

– Vamos avançar ainda hoje – respondeu Hernán

Kojak se virou para Maria, como se pedindo para que o livrasse dessa, ela simplesmente balançou a cabeça com um sorriso. O homem então se virou para Hernán e exclamou algo na sua língua materna.

– Do que ele me chamou? – perguntou à Maria

– Cavalheiro perspicaz e nobre – ela respondeu, com um sorriso – vá com ele, lhe dirá o que fazer – e se foi.

Kojak tirou um pequeno cartão do bolso e mostrou a Hernán, era um tipo de credencial.

– Eles usam isso pra transitar, fique com esse, se desarme, nada de radio ou escutas, deixe essa pulseira aqui e venha comigo.

– Eles quem? – perguntou Hernán

– Ora, os vermes! Europeus! – respondeu o velho com um grasnido alto. Então seguiram para fora, a rua ainda às escuras, mas haviam alguns homens armados do lado de fora, em torno do prédio, de sentinela. Kojak fechou o casaco velho que usava, ajeitou o chapéu e seguiu pela calçada, Hernán foi atrás. Seguiram rua abaixo, em cada esquina haviam dois ou três homens, ou mulheres, armados de fuzis ou escopetas, observavam enquanto os dois homens andavam, cada passo, até perde-los de vista, quando a missão era entregue ao grupo seguinte, até chegarem num grande entroncamento que parecia ser de uma via expressa, a partir daí já não haviam mais sentinelas.

– Saímos da zona segura? – perguntou Hernán.

– Sim – o velho respondeu enquanto jogava o charuto fora, tirava outro do bolso e o acendia – a partir daqui é área deles.

Hernán sentia o nervosismo crescer, seguiam na escuridão total agora, nenhuma luz à vista nem sinal de alma viva, só carros espalhados pela rua e pequenos prédios as escuras. Quanto mais avançavam, mais ouviam sons longínquos, musica, até buzinas, depois de uma curva conseguiam ver luzes no céu, ao longe, estavam chegando.

– Você é de lá, não é? – Hernán perguntou ao velho enquanto caminhavam numa calçada escura, desviando de escombros ocasionais.

– Da Europa? Sim, sou de Moscou.

– E o que faz aqui? – Enquanto perguntava, teve a impressão de ter visto um vulto se movimentar na outra calçada.

– Eu fugi de lá no começo da guerra civil, há uns 20 anos, quando os fascistas tomaram o poder, tu já eras nascido?

– Já, tenho 35, não sou tão novo – Hernán respondia enquanto olhava para um lado e pro outro, ainda com a impressão de ver sombras se movendo.

– Eu vim para o México porque era um lugar tranquilo, não foi uma boa escolha, se eu soubesse teria ido para a Austrália ou para a Indonésia, talvez agora estivesse numa praia no Taiti – Kojak disse com uma risada desgostosa – O que foi?

– Tem alguém por ai.

– Sempre tem – o velho respondeu – eles agem como ratos, andam por becos e vielas, são só solitários errantes, não fazem mal a ninguém. – enquanto ele falava, apontava para uma esquina do outro lado da rua, onde claramente uma sombra passara correndo – são só almas perdidas, destroçadas, essa área, embora seja dos vermes, não tem muito patrulhamento, é como um limbo, por isso eles ficam por aqui.

Enquanto caminhava, Hernán sentia calafrios, mesmo com bastante experiencia na vida, ainda o arrepiava aquelas histórias das populações das cidades, que viviam como vampiros, reclusos, com a mente arruinada pelos horrores da guerra.

– Eles não passam pro nosso lado porque estão loucos – continuou o velho – perderam a sanidade.

Após uma curva, avistaram uma barricada, atrás dela havia um portão de ferro guardado por cerca de 10 soldados e mais três num carro de combate, montados em metralhadoras, uma luz fraca iluminava o local e uma placa com gritantes dizeres em espanhol, dizendo: PARE, IDENTIFIQUE-SE.

– Chegamos – disse Kojak acendendo outro charuto – Não diga nada, só mostre o cartão, eles irão te revistar e liberar, sabem que viemos do outro lado, mas não se importam com isso, desde que não causemos confusão.

Eles se aproximaram da barricada, os soldados os observavam enquanto empunhavam as armas, Kojak parou na frente da barricada e mostrou o cartão, Hernán fez o mesmo. Um soldado foi até eles e os revistou, disse alguma coisa em russo para Kojak, que respondeu e ambos riram, depois os deixou passar. Já há algumas dezenas de metros depois do portão, ainda numa rua escura, seguiram por um beco, depois de alguns metros e algumas curvas, e com os sons aumentando gradativamente, saíram num largo, e Hernán arregalou os olhos de tanta surpresa.

O largo, bem iluminado e movimentado, parecia uma pequena Time Square, alguns prédios mais altos à volta tinham letreiros luminosos e telões que exibiam um telejornal alemão, homens e mulheres andavam de um lado para o outro entre casas noturnas e bares apinhados de gente, que dançavam, bebiam e cantavam, muitos dos homens eram soldados, estavam fardados e armados, flertando com mulheres vestidas somente de shorts e tops que mal cobriam os seios. Muitas dessas mulheres eram só garotas, talvez com não muito mais de 15 ou 16 anos, sentados na beira da calçada que cercava o largo, alguns jovens, soldados ou não, usavam todo tipo de droga que era possível ainda existir e dançavam cambaleantes e rindo, até cair ou vomitar de tontura. No meio do largo havia um monumento, a águia com a serpente, simbolo do México, estava com partes faltando, inclusive a cabeça, e manchada de tinta, uma enorme suástica nazista decorava a placa do monumento.

Ao primeiro momento, para Hernán, aquele lugar parecia um antro de vulgaridade e sodomia, e ele não se restringia aquele largo, avançava por mais dois quarteirões, quanto mais se adentrava, mais podre ficava, aquele era o retrato da civilização humana daquele século, pura degeneração.

– Como você vê, aqui é o lugar da farra, a despeito do resto da cidade – Kojak dizia enquanto caminhavam entre soldados, mulheres semi-nuas e jovens drogados – Quando eles invadiram e derrotaram o exército, começaram a estuprar as moças, executar os chefes de família, e mandar o restante pro trabalho forçado – acendia outro charuto – depois de um tempo houve uma rebelião, incluindo seus próprios soldados, que eram jovens e não gostavam de cumprir certas ordens, muitos morreram, então eles resolveram construir isso para manter as mentes ocupadas, permitiram que os civis que estavam presos se estabelecessem aqui, mantivessem o divertimento, em troca os deixariam em paz. No começo muitos ainda se juntavam a resistência que montamos na periferia, mas com o tempo as pessoas começaram a se mesclar com eles, preferindo viver como prostitutas ou lacaios à pegar em armas e serem mortos, o resultado é esse aqui.

Hernán observava aquilo com desgosto, já tinha ouvido falar do que acontecera em Córdoba, mas não achava que tinha sido tão trágico. Jovens mexicanos, se submetendo àqueles que tinham maculado seus país, riam e se divertiam sem considerar toda a dor e sofrimento que acontecia, como meros escravos covardes, aquilo o enojava.

Pararam em um bar, para Kojak comprar mais charutos, ofereceu um a Hernán, que recusou, observava aquele carnaval eterno, quando uma jovem, com no máximo 16 anos, usando uma mini-saia e com uma fita cobrindo os seios, se aproximou dele e começou a se esfregar, aquele ato causou-o uma repulsa instantânea, teve um impulso de afastar violentamente a menina, mas não o fez, sentia pena, ao invés, a afastou delicadamente, sorrindo, a garota o fitou com desprezo, lhe mostrou o dedo do meio e foi se esfregar em outro cara. Aquilo o deixou com vontade de explodir aquele lugar.

– Vamos logo aonde interessa – ele disse pegando o velho pelo braço, gentilmente – o que é a Toca, e onde fica?

Kojak então o levou para uma esquina mais escura e afastada da multidão, onde só haviam dois soldados se beijando do outro lado da calçada e disse:

– a Toca é a base deles – mais um charuto – ela não é muito longe daqui, mas essa hora da noite, não sei se é uma boa ideia ir até la e...

– Eu só preciso de um contato visual – interrompeu Hernán – só iremos dar uma olhada no perímetro e dar o fora.

Contrariado, Kojak o guiou pela rua, até se afastarem totalmente da multidão, quanto mais iam avançando, menos gente viam nas ruas, menos ouviam e mais escuro ficava, de vez em quando era possível ouvir gritos dentro dos pequenos prédios, ver algumas luzes e rostos nas janelas, mas quanto mais andavam, menos contato tinham com qualquer outro ser humano, seguiram algumas curvas, entraram em alguns becos, quando Kojak entrou num prédio abandonado, Hernán o seguiu.

Dentro do prédio, subiram algumas escadas, o lugar estava escuro e aparentemente vazio, tábuas estavam pregadas nas janelas, algumas partes do reboco haviam caído, chegaram no último andar, um corredor estreito e escuro com varias portas, abriram uma.

Uma sala escura, não viam muita coisa, exceto a pouca luminosidade vindo de uma janela tapada por tabuas, Kojak se aproximou da janela e espiou por uma fresta, gesticulando para que Hernán fizesse o mesmo. Ao olhar pela fresta ele viu, do lado de fora, um imenso espaço aberto e um muro alto, com arame farpado no topo e vários soldados armados em volta, mais a direita havia um portão de ferro, e uma barricada, como a que tinham atravessado mais cedo, não tinham visão além disso, mas podiam ver alguns holofotes do outro lado, virados para dentro da base e ouvir as rodas de tanques se movendo.

Hernán já estava satisfeito, quando de repente ouviram um som no corredor, ambos deram um pulo assustado, passos, vozes, rapidamente se posicionaram atras da porta. Ouviram som de correria e disparos, não sabiam da onde vinham, mas alguns deles perfuraram a parede indo parar nas tabuas da janela. De repente alguém entrou na sala, uma luz iluminou o interior, eles permaneceram atrás da porta, em silencio, de repente o soldado pôs a cabeça ali, afim de espiar, imediatamente Hernán o atingiu com um soco e o desarmou rapidamente. O soldado, atônito, tentou acerta-lo, mas ele se esquivou e deu-lhe um golpe com a coronha da arma na cabeça, o soldado caiu no chão, gemendo, Hernán deu-lhe outro golpe e ele permaneceu no chão, desacordado. Saiu para o corredor com a arma em punho, um rifle retrátil como o que vira com o dinamarquês mais cedo, não havia ninguém no corredor, mas era possível ouvir sons de correria e gritos, ordenou que Kojak o seguisse e rapidamente trataram de descer as escadas.

Deram de cara com um soldado enquanto desciam as escadas, Hernán foi mais rápido e disparou uma rajada que fez o soldado ser lançado contra a parede, o som da arma era muito alto, chamava toda a atenção de que não precisavam. Correram para o térreo, quando um golpe o atingiu nas costas, era Kojak, que segurava um imenso pedaço de madeira.

Antes que Hernán pudesse entender o que ele estava fazendo,foi golpeado novamente, desta vez na cabeça. Ele começou a enxergar triplicado enquanto caia no chão e a arma voava para longe, ao olhar ao redor viu vários soldados à sua volta e Kojak sorrindo-lhe, um ultimo golpe tirou-lhe a consciência, e ele permaneceu ali, no chão, desacordado.

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¹Panzerjäger - Ver cap II: http://www.recantodasletras.com.br/contosdeficcaocientifica/4123129 - N.A

²Scout - Tropas de reconhecimento, são enviadas antes das tropas normais afim de reconhecer o terreno e o inimigo: Scout Plane - N.A

³Drone - É um veículo aéreo não-tripulado usado para fins militares: Unmanned Aerial Vehicle - N.A

*Partisan - É um membro de uma tropa irregular, formada para se opor à ocupação e controle estrangeiro de uma determinada área: Partisan (Military) - N.A