SOB AS ÁGUAS
Mas, tanto tempo havia passado?
Foi este o primeiro pensamento que ela teve, quando voltou de sua missão e acordou, tentando estabelecer contato apenas para descobrir que seu planeta não estava lá.
As coordenadas estavam corretas. Não havia engano possível.
O planeta não estava lá.
A passagem do tempo havia sido calculada, é claro.
A estrela crescera mais e mais rápido do que o previsto?
Quanto tempo ela estivera fora?
Quanto tempo seu povo tivera para evadir-se?
Teriam se evadido?
Ela era uma viajante de volta para o futuro.
Ela era uma das salvadoras desse futuro que, agora, não havia.
Quantas outras reprodutoras haviam retornado para um espaço vazio?
Quantas haviam contemplado a enormidade da estrela assassina e sedenta, que evaporara toda a esperança de uma espécie?
Onde estariam?
Teriam sigo capturadas em seus planetas-alvo, como ela quase fora?
Teriam conseguido completar sua missão?
Imaginou centenas de naves grávidas, borbulhando, vagando pelo espaço sem sequer um planeta onde pudessem ter seus híbridos.
De que lhe valeria, agora, um respirador pulmonar?
Onde encontraria uma atmosfera e um oceano disponíveis e limpos de qualquer civilização?
Teve visões do seu planeta inteiro se sacudindo no leito seco e árido dos oceanos extintos. Como os répteis que caçava quando ela era ainda quase um filhote e mal conseguia suportar o calor externo e o solo seco.
Percebeu que estava rindo e parou.
Não era engraçado.
Era apavorante.
É claro que poderiam, ela e seu híbrido não nascido, se manter vivos...
A possibilidade de convivência e interação em um pequeno ambiente duplo era remota, mas havia sido prevista, e a navezinha contava com metalos, moduladores de atmosfera, tanques aquáticos, bolhas de gases, trajes especiais, complementos químicos e alimentares que, se bem dosados, forneceriam uma sub-existência terrível, mas capaz de manter duas formas diferentes de vida, com algumas limitações e muitos cuidados...
Teria, o bebê, brânquias, além dos almejados pulmões?
Olhou em volta e mais uma vez para a tela onde o astro que temera a vida toda brilhava mais do que nunca antes...
Seus robôs a postos. Todo combustível de que precisava disponível ao seu redor, mantenedores de vida, câmaras criogênicas...
De volta ao congelador, pensou sem emoção.
Lançou um sinal no espaço, deitou-se e flutuou na sua câmara, conectou novamente os tubos ao ventre, carinhosamente; fechou os olhos e, produzindo ondinhas azuis, soltou bolhas de satisfação inexplicável ao imaginar que sonharia com o dia em que teria seu filho nos braços sob um oceano pontilhado de minúsculas luzinhas frias de cidades distantes.
Não haveria sonhos, ela sabia... Mas conseguiu fingir que sim.
Atravessando distâncias inimagináveis, através do espaço-tempo, seu sinal foi captado, um dia muito além no futuro.
Um futuro que havia.
A receptora teve dificuldade em decodificá-lo, mas contava com especialistas em semântica antiga e línguas mortas.
Toda uma civilização matriarcal e incestuosamente edificada, onde os seres masculinos eram reprodutores e os femininos se bastavam entre si mesmos foi sacudida pela notícia de que um registro vivo de sua História e de sua evolução biológica estava a caminho.
Não foram poupados esforços para resgatar a nave errante.
A pobre criatura teria que viver sob as águas do minúsculo oceano que banhava a Cidade Central, mas seu filho, talvez, pudesse levar uma vida normal.