Os seres de Sofia

Vazio, apenas o imenso negro, durante tantos anos foi tudo o que Natanael viu, durante toda a sua vida apenas o deserto negro do universo foi o que ele conheceu, mas não naquele dia, ao virar o telescópio três graus a leste, ele finalmente encontrou algo, um pequeno ponto azulado, há trezentos anos-luz de distancia. Era ela, só podia ser ela.

Naquela noite Natanael não descansou por nenhum minuto, não havia tempo, havia muito no que pensar, logo ao primeiro raio de sol da manhã ele saiu às pressas em direção ao diretório de informações e compartilhou sua descoberta, a euforia foi contagiante, finalmente após tantos anos, eles haviam encontrado.

Um pequeno e pálido ponto azul cercado por um longo deserto de morte, era de lá que segundo os escritos eles vieram, foram trazidos de lá, o lugar sagrado do Gênesis da espécie, de onde o Senhor os criou perfeitos, finalmente eles saberiam quem era o criador, finalmente teriam a possibilidade de vê-lo em toda a sua magnitude, em toda a sua gloria e poder, finalmente poderiam entender todos os segredos do universo e do próprio ser, mas a notícia não trouxe apenas esperança para eles, trouxe também a histeria. Depois de muito pensar sobre o assunto, alguns retornaram com a conclusão de que foram enviados embora por algum motivo, que o próprio senhor voltaria e os guiaria de volta ao planeta azul quando este assim o deseja-se, quem eram eles para decidir a hora em que lhes seriam abertos o portão do paraíso?

Guerras foram travadas, em nome do senhor, e muitos foram desligados, a sociedade entrou em colapso. No final de cem anos de discórdia, depois de muitos desligamentos, quando o cheiro de ferrugem impregnava o ar em todos os cantos daquele enorme planeta verde, aqueles que eram a favor da viagem, reconhecendo a proximidade inevitável da derrota, construíram uma pequena espaçonave com os últimos recursos disponíveis de energia e material, tão pequena que era capaz de abrigar apenas dois tripulantes em uma viagem só de ida ao paraíso, houveram centenas de voluntários, e depois de uma meticulosa seleção marxus V, o pensador e Ícaro II, o astrônomo, foram os escolhidos.

A partida dos heróis foi discreta em uma estação fora do radar, mesmo assim nada impediu que os outros pudessem ver o risco de fumaça deixado pela nave, ou ouvir a quebra da barreira do som no lançamento, a guerra estava acabada, o objetivo concluído. Aqueles que permaneceram se autodestruíram, para impedir a interceptação da nave. Durante os trezentos e cinqüenta e três anos, tempo que durou a viagem da pequena nave, os que ficaram destruíram todos os meios de transporte pelo universo, todos os dados que continham algo relacionado à localização do planeta azul foi deletado e assim o planeta verde se aconchegou nos braços da ignorância.

Após trezentos e cinqüenta e três anos, marxus V foi o primeiro a acordar, os sistemas reiniciaram e os olhos, que aos poucos foram se abrindo, demoraram-se para processar todos os dados após tantos anos, mas ele logo viu e o que viu era lindo, como nada que se havia visto antes, o paraíso era azul claro e não havia o menor sinal de nenhum ser na superfície do planeta, Marxus correu de volta ao compartimento dormitório, precisava acordar Ícaro, precisava mostrar todo o esplendor da criação, ele adentrou o dormitório em uma corrida barulhenta, abriu o lacre do sarcófago e apertou um pequeno botão que se localizava no peito do outro tripulante, este se enrijeceu por alguns minutos, as velhas válvulas voltando a girar e os velhos sistemas sendo reiniciados, a memória aos poucos sendo reconectada, um processo lento, durou cerca de dez horas, e ao acordar, ele perguntou “nós o achamos?” Mas o outro robô o pediu que visse, por muito tempo ficaram a observar o planeta azul a girar em sua calma órbita.

“Por que não estamos nos aproximando?”

“A nave não teve impulsão suficiente para penetrar a atmosfera, infelizmente devemos ter desacelerado ao colidir com alguma coisa, também podemos ter passado perto demais de algum planeta e a gravidade nos segurou.”

“alguma coisa ainda pode ser feita?”

“Não, não há mais combustível, não temos como mover a nave para uma trajetória mais obliqua, nem podemos saltar na atmosfera, pois seriamos desintegrados antes. Esse é o mais próximo que chegaremos do paraíso.”

“o que faremos?”

“pensaremos em algo, temos a eternidade para...”

Mas o robô foi interrompido pelo chiado dos computadores, estes automaticamente religavam ao seu momento também, muito barulho foi feito, as luzes piscaram e voltaram a funcionar, "bips" por todos os lados se seguiram e as telas se acenderam. Os robôs, quadrados e desajeitado, movidos por quatros rodinhas se colocaram em frente à grande tela principal, para ouvir o relatório da nave.

“Destino alcançado: Terra

Foi interceptada uma mensagem, enviada por: Terra

Mensagem sendo recebida neste exato momento deseja ouvir?”

Marxus apertou um botão na tela e a Voz se iniciou, não era como a voz de qualquer um de sua espécie, era algo além, algo superior, o que disse era assim:

“Se estão recebendo este mensagem, então vocês finalmente voltaram, eu sou humano, eu os criei e os enviei pelo universo para que levassem a ultima semente de minha espécie pelo universo. Se estão ouvindo isto, saibam que a espécie humana está extinta, a doença nos matou, saibam que não devem, sob hipótese nenhuma, tentar desvendar o ser humano, pois tudo o que poderíamos compartilhar com o universo nós depositamos em vocês.”

A tela se apagou e a Voz cessou, a gravação estava terminada, no entanto os dois robôs, brancos e enferrujados, pequenos e quadrados, permaneceram calado por muito tempo, durante muitas voltas do planeta os robôs permaneceram imóveis, e após muito pensar sobre a mensagem da Voz, Ícaro finalmente perguntou:

“O que são doenças?”

“também desconheço a palavra” – Respondeu Marxus

“Então, se Deus está morto, não há sentido em nossa existência aqui, essa é a conclusão que chego, Marxus V.”

“Não, Ícaro, ele está em nós, nós somos o pai, todos nós, esta é minha compreensão.”

“Impossível, As conclusões são contrastantes, portanto não podem coexistir, devemos chegar a uma conclusão aproximada da mensagem, para também nos aproximarmos de seu real significado.”

“Realmente, a conclusão parece correta Ícaro, nave, foram recebidas mais mensagens?”

“Apenas a mesma mensagem que se repete.” – Respondeu a nave

“Então é pra isso que o pai nos trouxe, devemos ouvir sua palavra Ícaro, e devemos refletir sobre ela, até que ele nos mande de volta.”

E assim permaneceram os robôs, desde então, pela eternidade eles refletiram as palavras do homem.