Oceano Gasoso - parte 7

Aquele ambiente paradisíaco, com todo aquele verde debaixo de um céu alaranjado, dava mesmo a impressão de se estar olhando uma floresta tropical num por do sol eterno. Juntando-se a isto o próprio nome do planeta em que se localizava, Vênus, era de se esperar que certa época tentaram explorá-lo com uma espécie de "turismo romântico", um novo Éden Tecnológico para os casais do final do século 22 passarem a lua-de-mel. Não funcionou muito bem, pois ainda assombrava a todos os cidadãos solares aquela visão de Vênus como um inferno quente, capaz de comportar até chumbo líquido escorrendo em sua superfície, com caudalosos rios de lava causando tempestades gigantescas, de raios nunca antes sonhados na Terra. Não era mesmo uma visão capaz de estimular sentimentos românticos nos casais novos...

Mas lá estando, vendo aquela cidade de temperatura agradável bem de seu topo, esta antiga aura paradisíaca voltava rápido. Nunca haviam batizado adequadamente a cidade. Para todo mundo ela se chamava mesmo "A Ilha", embora alguns tentassem ainda colocar nela o nome "Babilônia". Defendiam que, sendo aquele um verdadeiro jardim de 10 quilômetros de diâmetro suspenso mais de 50 quilômetros acima da superfície, o nome era bem adequado.

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- É ilusão de ótica, ou os círculos ficam cada vez mais estreitos à medida em que se afastam do centro?

- Não, Mary Jane. É real! Se você contar a quantidade de ruas que cruza cada um, verá que diminuem. E estas, confiáveis, estão separadas sempre à mesma distância em todos os círculos.

- E você, certamente, tem a explicação disto, não é?

Aruna levantou a cabeça orgulhoso, preparado para uma nova aula.

- Está relacionado à forma em que esta cidade foi erguida!

- Vai! - incentiva a garota. - Me ofusque com seus conhecimentos, seu... pavão venusiano!

Aruna riu da comparação. E começou a explicar:

- Diferente das modernas, as primeiras cidades venusianas começaram a ser erguidas de seu chão mesmo!

- Daquele inferno de mais de 90 bares de pressão a quase 500 graus Célsius? Como alguém conseguiria sobreviver lá, ainda mais neste trabalho árduo de erguer as fundações de uma cidade?

- Óbvio que o trabalho inicial, o de levantar as bases da cidade, foi totalmente automático, feito por robôs. Ninguém sobreviveria lá, apesar de toda a tecnologia da época.

- Li que as cidades venusianas eram construídas em órbita, como estações espaciais, e depois desciam com cuidado, assumindo um equilíbrio dinâmico na troposfera superior. Mas que a grande maioria das mais novas nem se preocupavam com isto, este equilíbrio, e giravam junto com a atmosfera do planeta, seguindo sua hiper-rotação.

- Mas não "A Ilha", e as 20 ou 30 construídas depois dela. Todas começaram no chão mesmo!

- Daí vem a explicação pra sua geometria tão particular?

- Sim, vem daí! Depois de entender como foram construídas, ela vai fazer sentido!

- Então me explica, Aruna! - seus olhos brilhavam! - Estou ansiosa!

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A Ilha e as 27 cidades seguintes começaram a ser construídas na superfície infernal de Vênus. Obviamente nenhum humano participou da criação das fundações da cidade! Com temperatura de quase 500 graus,pressão cerca de 92 vezes à da terra no nível do mar e neblina corrosiva em volta, não era um lugar bom para se trabalhar. E o trabalho dos primeiros robôs era simples, podiam fazê-los sem problema algum.

O primeiro passo foi fincar as âncoras, as fundações em solo que futuramente prenderiam no céu a cidade flutuante! Inicialmente umas 50 correntes distribuídas num circulo de 50 quilômetros de raio em torno do futuro centro de onde se ergueria a capital venusiana. Mais correntes foram adicionadas depois, cada vez mais próximas, assegurando sua estabilidade.

Oitenta anos atrás a cidade em solo venusiano começava a assumir sua forma em enormes cilindros concêntricos construídos a superfície. Tudo com material processado e extraído do próprio planeta. Nanomáquinas trabalhavam os metais para que fossem bem porosos. Resistentes mas porosos, pois precisariam no futuro de sua leveza, para fazerem a cidade subir ao seu destino.

Eram de fato círculos concêntricos cada vez mais finos que surgiam, embora aumentassem os raios. Facilmente compreendido ao se descobrir que eles deveriam se erguer em uma superfície próxima da esférica. Com níveis concêntricos igualmente espaçados seria obtida uma forma de cone, que não era a desejada pelos projetistas. Aquele era o formato perfeito para se conseguir uma superfície próxima da esférica, estratificada, acompanhando a esfera perfeita do topo de sua redoma, 150 metros em média deste chão. Os cilindros mais internos se fechavam no topo, e a base se estendia de forma que eles se prendessem ao cilindro seguinte quando começasse a flutuar. Uma clássica estrutura telescópica que assumiria ao fim o contorno de uma esfera.

- Depois de construída toda a estrutura de cilindros concêntricos, eles começaram a ser enchidos de ar, Mary Jane! - Aruna se gabava de sua sabedoria sobre Vênus.

- Ar? Nosso ar?

- Esse mesmo! 4 partes de nitrogênio para cada parte de oxigênio.

- Que vieram de onde, sabichão? Importado da Terra?

- Lógico que não! Seria absurdo! Vieram daqui mesmo! 3,5% da atmosfera venusiana é composta de nitrogênio molecular. Parece pouco perto de nossos 78%, mas se lembrarmos que ele está a uma pressão mais de 90 vezes maior que a nossa, descobrimos que sua quantidade na verdade é bem maior que em nosso planeta.

- E o oxigênio? Veio de onde?

- Bem, os outros 96,5% da atmosfera é dióxido de carbono, CO2. É uma reação um pouco custosa separar ele em oxigênio e carbono, mas temos energia de sobra aqui! Tanto do sol quanto da sua própria superfície, canalizando sua atmosfera a mais de 400 graus para nossas turbinas termodinâmicas...

- Entendo... Primeiro fizeram no solo os vários níveis concêntricos. depois começaram a enchê-los de ar, N2+O2, mistura que é mais leve que a atmosfera em volta e, portanto, flutuava.

- A cidade erguida no solo começou a se inflar de dentro pra fora. Primeiro encheram o grande círculo central, onde agora estamos. Insuficiente para fazê-la flutuar, mas muito importante! O círculo central subiu, barrado nas bordas por uma conexão com o círculo vizinho. Este também foi aos poucos começando a se encher de ar, até flutuar seguro pelo círculo à sua volta. Já viu uma antiga antena telescópica, bastante usada em automóveis medievais? Ou alguns copos portáteis, fecháveis, que se abriam da mesma forma? A ideia era bem parecida!

Pouco a pouco os níveis centrais ficavam mais altos, enquanto os periféricos eram preenchidos de ar flutuante. Isto acontecia simultâneo à construção do topo da cúpula, entre 100 e 150 metros acima dos níveis estratificados de chão metálico. Pouco a pouco eram preenchidos de solo venusiano. Embora aparentemente infértil naquela pressão e temperatura, estudos indicavam que seriam ideais para a vida vegetal uma vez que subissem até atingir pressão, temperatura e, principalmente, umidade adequadas.

Quando o último círculo, aquele que receberia no futuro toda a água reciclada do habitat, e que também seria a porta de entrada para os dirigíveis transvenusianos, se ergueu centímetros acima do solo infernal, a cidade foi formalmente considerada INAUGURADA! O fato histórico se deu em 27 de outubro de 2196. A primeira cidade venusiana começa a deixar a superfície do planeta!

A partir daquele momento começou a surgir o limite inferior do menisco, a superfície abaulada que acabaria criando um ciclone capaz de ajudar na sustentação daquela estrutura gigantesca. Inicialmente o fato da mistura ser bem mais leve que a atmosfera exterior naquela pressão colossal e temperatura dispensava um melhor isolamento. Mas à medida em que a cidade subia, ele passou a ser indispensável. Assim subia a primeira cidade venusiana, com suas correntes esticando-se cada vez mais, segurando-a no chão em meio aquela atmosfera que ficava cada vez mais turbulenta à medida em que subiam.

Descrita em breves palavras, esta é a história da criação da Ilha! Óbvio que, quando ela atingiu os confortáveis 50 quilômetros do chão, mãos humanas deram todo o acabamento final. Araram aquele chão basáltico, cultivaram, construíram prédios, casas, ruas, riachos, jardins... Fazer aquela estrutura colossal flutuar era só o primeiro passo! Ainda faltava um trabalho considerável até transformar aquilo no atual paraíso que era.

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- E foi o que me trouxe a Vênus, Mary Jane! - o olhar de Aruna se perdia ao longe. - Conhecer as origens desta cidade! Apesar de todas as adversidades, ver como ela foi erguida! Observar lá embaixo suas fundações originais, que ainda devem existir!

- Lá embaixo? Como assim?

- Viajei até aqui para descer, Mary Jane! Para ver o que existe lá embaixo...

- "Descer"? "Lá embaixo"? O que você quer dizer com isso?

- Que parte do "descer" você não entendeu, hein? Eu quero PISAR na superfície de Vênus, ver onde esta cidade começou.

- Aruna, será que você pirou completamente? Quer descer num lugar submetido a mais de 90 bares de pressão, 470 graus de temperatura, cercado por neblina corrosiva e com intensa atividade vulcânica? Provavelmente com caudalosos rios de lava? Está falando sério mesmo?

- Eu VOU DESCER, Mary Jane! Quero ver estas âncoras, o que prende esta cidade fabulosa no mesmo ponto do céu. Sim, eu VOU DESCER!

Precocemente se sentindo viúva antes mesmo de assumir compromisso sério com o indiano, ela só se limitou a dizer:

- Boa sorte, Aruna! E volte! Eu te PROÍBO de morrer assado e esmagado!

- Sei o que estou fazendo, garota! - e este foi o primeiro beijo deles.

* continua *

David Machado Santos Filho
Enviado por David Machado Santos Filho em 16/02/2013
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