Oceano Gasoso - parte 4

Não era mesmo um "dirigível" típico, aquele que todos imaginavam na Terra. De fato não era um enorme volume de gás leve, irrespirável, sustentando um pequeno compartimento de zona habitável. Nada disso! Era um volume totalmente ocupável! O gás flutuante, sendo respirável, era acessível a todos! O volume do balão, que na Terra se esperaria totalmente oco, ocupado de hélio ou hidrogênio, era lá estratificado em várias camadas habitáveis! O gás responsável por sua flutuação não precisava ser isolado. Ao contrário, era a mesma mistura gasosa que todos nós poderíamos respirar sem problema algum! Somente em Vênus, naquela altitude específica, isto era possível!

Seguindo a trajetória programada, o dirigível foi recolhendo os passageiros das outras cápsulas. Sempre com a mesma precisão. As cápsulas se espalhavam com segurança ao redor da Ilha, mantendo uma distância segura entre elas. Formavam quase que um círculo perfeito ao redor da Ilha, destino de todos. Em questão de 3 horas todos os tripulantes haviam sido recolhidos. O dirigível começou a se deslocar em direção à enorme cidade flutuante.

- Bem vindos todos agora ao TRANSVENERA 17. Esperamos não ter esquecido ninguém. - brincou o capitão do dirigível gigante. - Começaremos agora nossa viagem em direção à Ilha!

Nenhuma novidade para a maioria, mas uma viagem inesquecível para uma minoria que incluía a ruiva Mary Jane e o indiano Aruna. Aruna já havia lido muito sobre colônias venusianas. Mas nunca viajara até uma. Um sonho antigo se materializava!

Observavam a mancha laranja-escuro ao longe, que crescia à medida em que o dirigível se aproximava dela. Afinal... que era esta tal de "A Ilha" ?

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"A ILHA!" - explicava a voz indefinida, bem robótica, nem masculina nem feminina... apenas neutra! - "Capital venusiana, foi a primeira estrutura supra-troposférica ancorada aqui neste planeta! Construída numa época em que ainda não estava bem desenvolvido o equilíbrio dinâmico, sua estabilidade é garantida por longas correntes presas à sua borda, firmemente ancoradas 50 quilômetros abaixo, na turbulenta superfície do planeta. São cerca de 250 correntes firmes, embora leves, nos segurando nesta posição, resistindo bravamente aos ventos de 200 ou até 300 km/h em volta, nas estações mais turbulentas! Tecnologias atuais aprimoraram tal sustentação, tornando-a tão ou mais estável ainda que as ilhas mais modernas, baseadas em equilíbrio dinâmico..."

Deixemos de lado os detalhes técnicos. A Ilha era pura e simplesmente uma Cidade Flutuante! Com um formato bem atípico, para quem estava acostumado a ver outras colônias na superfície dos planetas: não era um plano envolto por uma grande redoma transparente. Havia a redoma transparente sim,no topo, isolando-a da atmosfera venenosa em volta. Mas a "superfície" da Ilha, seu chão, seguia a curvatura da redoma. Um paraíso tropical, verdejante, formado de círculos concêntricos cada vez mais altos e de raios menores há medida em que subiam. Qual o motivo desta geometria tão particular?

- A força de sustentação vem de baixo! - Aruna havia estudado aquela cidade, e orgulhoso mostrava para Mary Jane seu conhecimento. - Seria difícil construir uma cúpula transparente resistente o bastante para sustentar nas bordas, ainda que de nanometal, um chão pesadíssimo. Por isso a maior parte da atmosfera de flutuação da cidade está na parte de baixo, no enorme volume côncavo desta calota gigantesca, empurrando-a para cima em toda sua superfície inferior ao invés de tentar segurá-la nas frágeis ligações entre uma redoma volumosa e suas bordas metálicas.

- Parabéns, Aruna! - brincou Mary Jane. - Você fez bem sua lição de casa!

Via-se, se aproximando cada vez mais, uma verdadeira montanha flutuante mais verde que qualquer floresta tropical recuperada que já haviam visto antes na Terra! Nela viviam felizes centenas de milhares de habitantes, 78% dos quais nativos de lá, humanos que nunca em suas vidas haviam conhecido algum outro mundo diferente daquele. Eram estes os venusianos típicos: pessoas que nunca entenderam plenamente em suas vidas o significado exato da palavra "chão".

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O dirigível, antes enorme, se tornou ridiculamente pequeno ao encostar nos bordos da Ilha. Se a cápsula era um grão de mostarda perto do dirigível, o dirigível parecia agora um pequeno arroz alongado ao lado da Ilha. Nada de túneis externos transparentes desta vez. Ele entrou sereno dentro de uma câmara de descompressão. Descompressão? Termo incorreto. Era mais fácil a transição desta vez, já que não haveria de fato variação de pressão ou temperatura. Apenas a troca de uma atmosfera por outra. Aos poucos o dióxido de carbono frio foi abandonando o espaço, pouco a pouco ocupado pela mistura N2+O2 mais quente, se acumulando na parte de cima e expulsando a atmosfera irrespirável e ácida abaixo. Percebido que o ponto seguro fora atingido, a porta para o exterior foi lacrada. Mais frio, o dirigível não mais flutuava envolto numa atmosfera quente e formada da mesma mistura gasosa.

- Ahh!! Ar puro!! - exclamou a ruiva quando a porta de saída se abriu naquele enorme espaço de atracagem.

A gravidade era de pouco mais de 80% da terrestre. Difícil de se perceber a diferença. Realmente tudo contribuía para um paraíso terrestre em Vênus àquela altitude, se não fosse a agressiva composição atmosférica à volta.

A estrutura era enorme! Uma cidade flutuante em forma de calota esférica, com a parte côncava para baixo, protegida por uma gigantesca cúpula transparente preenchida de 80% de nitrogênio combinado a 20% de oxigênio. A pressão interna era um pouco maior que a externa, para que não corressem riscos: era preferível perder um pouco de atmosfera saudável para o exterior do que permitir, por despressurização, que a venenosa atmosfera exterior ocupasse parte da atmosfera interior. Um dos raros casos em que o risco de perder era muito bem compensado pela certeza de ganhar!

Mary Jane e Aruna tomaram um bonde radial que subia em direção ao centro. Naquela geometria particular, era a parte mais alta da cidade. Tudo lá era novidade! Queriam conhecer tudo o que podiam sobre aquele mundo novo.

"Bem vindos, terráqueos!" - cumprimentou o robô condutor do bonde. Será que estava assim tão evidente a origem dos dois? Até as máquinas percebiam rápido que eles vinham da Terra. Como eles desejavam se misturar aos demais passageiros interplanetários! Mas estava claro agora que isto levaria algum tempo. Parecia que a palavra "TERRÁQUEO" estava tatuada na testa dos dois. Seria por causa da roupa que usavam?

"A Ilha está situada a 53.5 quilômetros da superfície venusiana." - começou a tagarelar a máquina, seguindo o programa que adotava para todos os visitantes novatos. - "Ancorada há décadas por correntes mecânicas eficientes presas à circunferência da cidade, nos orgulhamos de resistir aos intensos ventos desta camada atmosférica sem nos deslocarmos um único milímetro do local original até o momento." - e foi nesta hora exata que a voz robótica deixou transparecer uma pontinha de orgulho.

O caminho até o topo da ilha era agradável aos olhos, pulmões e à alma! A cidade se organizava em círculos concêntricos de vários níveis, cada vez mais altos e cada vez menores em circunferência. Ruas planejadas, sempre verdejantes, se organizavam em todos eles. Ao lado da linha do bonde, via-se claramente um riacho de correnteza intensa. Existiria um ciclo natural de águas naquele lugar? Não, a cúpula não parecia alta o suficiente a ponto de comportar tal ciclo natural.

- Tivemos sorte de chegar aqui no meio do dia, e ver esta maravilha toda. Não concorda, Mary jane?

- Com certeza, Aruna! Ou perderíamos este espetáculo verde. Ainda temos umas 6 ou 7 horas de luz antes de anoitecer, não é?

Aruna tentou não rir, mas não conseguiu se segurar.

- Do que está rindo?

- Desculpa, Mary Jane, mas não pude evitar. É que vai demorar "um pouco mais" para anoitecer aqui.

- Como assim? Este sol a pino não é o sol do meio-dia? - ela olhou para cima, para aquele disco brilhante maior do que ela estava acostumada na terra, brilhando naquele céu alaranjado. Precisava fotografar isto tudo: Sol enorme sobre um céu laranja, rodeado de nuvens amarelas de ácido sulfúrico... Quanta história para contar às amigas que morriam de medo de sair da Terra!

- É sim! Mas é o Sol do meio-dia venusiano...

- Meio-dia venusiano? E é diferente do nosso meio-dia?

Aruna pensou, lembrando números precisos em sua memória. E disse:

- Ainda bem que você gostou da paisagem diurna de Vênus, pois vai demorar uns trinta dias terrestres antes de começar a anoitecer aqui.

- Trinta dias???? Como assim??

- Está surpresa? Vai ficar mais surpresa ainda quando perceber que daqui a trinta dias terrestres o Sol vai se por no leste, hehehehe!!

O bonde parou no "topo" da Ilha. Mary Jane desceu e procurou uma lanchonete para comer algo (seu estômago roncava!) e continuar conversando com Aruna sobre Vênus, pois sua curiosidade agora havia sido atiçada ao extremo!

* continua *