Oceano Gasoso - parte 2
Com formato esférico, a cápsula era perfeitamente simétrica em geometria. Mas não em distribuição de massa! O "teto" era, comparado ao restante da estrutura, bastante fino! Os foguetes, tanques de combustível, tanques pressurizados de ar... e até os próprios passageiros, todos se concentravam em torno de um polo da cápsula. Arbitrariamente convencionado se chamar o "polo sul", apesar disto não ser praxe no mundo todo. Os próprios chineses, nação mais populosa da Terra, sempre colocaram o SUL na parte de cima de seus referenciais! Por que predominou a noção "NORTE acima, SUL embaixo"? Cientistas psico-sociais poderiam explicar, mas não era o momento. O fato era que seu centro de massa não coincidia com o centro geométrico da esfera de seu casco, e por isso ela foi pouco a pouco alinhando seu "chão" com o sentido de atração gravitacional do planeta lá embaixo. E sua atmosfera turbulenta se apresentou diante dos passageiros da cápsula 42, que observavam tudo daquele pedaço de chão transparente.
À medida em que caiam, o movimento de nuvens mais claras mostravam que aquele era um ambiente bem turbulento. Ainda estavam numa altura de atmosfera bem rarefeita, mas sua alta velocidade já gerava o característico assovio que sempre se ouvia ao atingir camadas gasosas, pouco a pouco se despedindo do vácuo interplanetário. O pequeno ponto escuro sobre aquele fundo laranja cada vez mais ganhava dimensões, à medida em que se aproximavam.
- Vou lançar os primeiros frenadores! Se segurem!
Paraquedas pequeninos, mas importantes, começaram uma primeira desaceleração da cápsula. Com a atmosfera ainda tênue demais àquela altitude, eles mal se abriram totalmente. Mas mesmo aquela pequena frenagem era importante! E foi sentida sim, se opondo à queda livre de segundos atrás. Sim, porque submetidos apenas à força gravitacional do planeta, todos vagariam dentro da cápsula se os cintos não os prendessem seguros às suas poltronas!
O assovio de um projétil atravessando um ambiente gasoso cada vez mais denso aumentava. Era a atmosfera exterior soprando a cápsula em sua queda. A temperatura aumentava igualmente por causa do atrito, apesar de todas as proteções tomadas neste sentido.
- Este calor vai passar logo quando ativarmos os próximos paraquedas, passageiros! Que vai ser... agora!
Desta vez o tranco foi bem mais forte. E os paraquedas eram também maiores, como se via claramente pelas escotilhas distribuídas no teto da cápsula.
De fato esfriou rápido! As gotículas de água condensada nas escotilhas acima e no chão deixavam isto bem claro! A cápsula ainda descia rápido, mas o calor do atrito da cápsula com a atmosfera do planeta em volta era bem menos intenso agora. O capitão ligou um dispositivo que se desfazia desta condensação, pois muita gente lá não queria perder um segundo sequer da descida.
- Estamos a 150 quilômetros da superfície. Hora de abrir o paraquedas principal!
A cereja do bolo! Era o mais espetacular de todos. Este paraquedas era único, e imenso! Por isso se destacava: era mesmo "o paraquedas principal"! Desfraldado, cheio da mistura gasosa ambiente, assumia quase 20 vezes o volume da cápsula. E delimitava um volume muito importante para a próxima etapa. Ao mesmo tempo em que frearia a cápsula para a velocidade adequada, a protegeria para a próxima metamorfose, muito importante!
- Não temos trem de pouso, capitão! - gritou a moça ruiva, quando este anunciou estarem agora a 40 quilômetros da superfície do planeta. - Como vamos pousar?
Todo mundo riu, menos ela... e o rapaz ao seu lado, tão ou mais apavorado que ela!
- É a primeira viagem de vocês dois, não é?
A ruiva concordou, e também o rapaz que agarrava em pânico sua mão.
- Quando descobrirem como é lá embaixo, podem ter certeza de que não vão mesmo querer pousar lá, hehe! Esperem e vejam a mágica agora! - o capitão riu com satisfação.
Sabem aquele ar acumulado da câmara de descompressão? Ele começou a inflar rápido uma membrana no interior do paraquedas inflado, descendo e desacelerando incansável sua cápsula. Fora tudo muito bem calculado, repetido há décadas. Era o volume exato! E protegeria a membrana das turbulências até o momento em que ela pudesse aparecer por si própria!
O balão preso à parte superior da cápsula se enchia de ar. Nada de hélio, nem hidrogênio... Ar mesmo! 80% de nitrogênio misturado a 20% de oxigênio! A mesma mistura que ele havia acumulado na câmara de descompressão, antes da cápsula ser solta no espaço por força centrífuga.
A cápsula começou a subir, com seu balão de ar terrestre inflado. Por isso não precisavam se preocupar com o pouso: ela nunca pousaria! Naquela atmosfera de Vênus, quase que totalmente composta de dióxido de carbono, a atmosfera terrestre com a mistura de nitrogênio e oxigênio era bem mais leve nas condições terrestres de pressão e temperatura. E, que coincidência incrível! A atmosfera de Vênus, a cerca de 50 quilômetros da superfície, apresentava pressão e temperatura compatíveis com aquelas do planeta Terra ao nível do mar! E era para tal altitude que descia o balão de ar frio, N2+O2...
* continua *