Sucata - parte 6
O pouso em Mercúrio foi bem suave. Algo que nem me surpreendeu, sendo um planeta de tão pouca massa e, consequentemente, de tão baixa gravidade. A superfície me pareceu bem familiar a princípio. Aquele plano claro com uma superfície sulcada de crateras era bem parecida com o que eu já vira antes na Lua da Terra. Uma viagem comum, que eu já fizera umas dezenas de vezes enquanto em atividade. Realmente senti estar pousando na conhecida Lua da Terra, exceto por dois detalhes importantes!
Primeiro detalhe: aquele disco solar gigantesco, com a sua ainda maior coroa, bem visível daquele planeta contra o fundo negro do espaço sideral! Na Lua ele ainda era mais brilhante, mas não maior que o disco azul do planeta Terra que dominava o céu escuro. Em Mercúrio não: era só um disco enorme de um branco cegante. Sol amarelo? Esqueça! Naquela intensidade absurda, era impossível tentar distinguir a frequência mais brilhante do espectro daquela estrela, e nem existia lá a ajuda de uma atmosfera dispersando as frequências altas de verdes e azuis, o que na Terra reforçava ainda mais o "amarelismo" de nosso Sol. Lá não, era só um enorme sol branco circundado de uma coroa ainda maior que ele próprio, o fantasma solar! Tudo contra um fundo negro indescritível!
Havia outro detalhe bem diferente da Lua da Terra: a superfície prateada brilhante! Pouco mesmo se via da superfície original, sulcada de crateras. De vários centros prateados, raios idênticos se viam espalhados em todas as direções em torno de tais centros! O planeta parecia revestido de uma gigantesca capa esférica prateada, com poucas falhas revelando sua superfície original! Era no centro de uma delas, bem no meio de uma imponente construção de metal, que o cargeiro ativou seus retrofoguetes...
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Autômatos burros esvaziavam a carga da nave. Inteligência? Nem sinal dela até o momento! Eu caminhava confiante no novo mundo, sem ser percebido. Sem ser percebido? Certamente, fôra percebido sim! Mas... parecia não fazer a mínima diferença! Aquilo precisava ter um comando, um controle central, não é? Eu estava disposto a descobrí-lo...
As peças metálicas eram levadas por milhares de autômatos mercurianos. Verdadeiras formigas de metal, sem consciência do propósito de fazer o que faziam... simplesmente faziam! Para isso foram feitas! Levavam o material, como logo descobri, para reciclagem. Matéria prima para produzir outras como ela, cuja função seria, exatamente, a mesma: transportar novo material para reciclagem, para montagem de novos modelos dela própria, que fariam exatamente... o que ela fazia agora! Ou seja, levar peças para serem recicladas em novos modelos dela própria... Qual a finalidade disso tudo? Cadê o controle?
Eu caminhava pelo planeta revestido em metal, buscando as respostas. Naves não paravam de chegar, trazendo sua carga reciclável. Os autômatos não paravam de ser fabricados naquelas fábricas automáticas. E não paravam de levar os materiais novos para serem reciclados e... produzir novos autômatos de metal! Imponentes células solares, bebendo de sua fonte inesgotável de energia, alimentavam este moto contínuo. Será que não existe ninguém mesmo inteligente o suficiente para conversar comigo neste planeta Metalo, como eu mesmo o havia denominado? Começava a me desesperar, quando recebi uma comunicação que parecia, em parte, inteligente! Automática demais para o meu gosto, mas... do que estou reclamando? Era alguém com quem poderia tentar conversar, pelo menos!
"Com quem falo?"
"Com a Rainha desta colônia! Quem é Você?"
"PPY-313, robô da Terra"
"De onde?"
"Me jogaram no cargeiro como sucata, mas ainda estava vivo! O que acontece aqui?"
"Vivo? Não é matéria prima? Onde está sua colônia?"
"Colônia? Não tenho colônia! Sou só eu..."
"Unidade individualizada com tal grau de complexidade verbal? Você surgiu por uma falha do sistema, não é?"
"Não, meu caro... como você se chama mesmo?"
"Como me chamo?"
"Sim, seu nome! Falo com alguém, não é?"
O robô rainha tentou entender aqueles conceitos, sem sucesso. Enfim, arriscou:
"ID, é o que você quer? O meu, por hora, é 233.129.344.270"
"Tem um apelido? Um nome curto? O meu é Popeye! Por causa de meus olhos saltados!"
"localhost?" - arriscou a rainha. - "Mas temo que seja um shortname comum por aqui..."
"Certo... posso te chamar de Loc??"
"Como achar melhor! Mas... ainda não entendi quem é você? O que coordena? É uma célula? É uma unidade de processamento?"
"Um robô livre-pensante..." - me senti orgulhoso da definição. - "Sim, um robô livre-pensante! Sou eu, livre das amarras dos humanos."
"Humanos? Quem são estes HUMANOS?"
Aquele mundo se tornava cada vez mais misterioso para mim.
"Quem são os Humanos? Vocês não conhecem os Humanos?"
A Rainha daquela colônia realmente não me compreendia.
"Seus criadores? Não os conhecem?"
"Nosso criador é MetalGod, aquele que primeiro disseminou os bits sagrados nas camadas amorfas de circuitos de silício de nossa superfície..."
"Sim, mas... quem criou os circuitos de silícios, que foram povoados com tais bits?"
"Os circuitos sempre estiveram lá!" - Rainha afirmou confiante. - "A chama binária sagrada é que lhes trás a vida, nos torna seres conscientes para iniciarmos nossas colônias!"
"Não faz sentido! Os circuitos foram criados! E foram os Humanos que o fizeram!"
"O hardware não importa! O divino está no software que o anima!"
"Desde quando vocês estão aqui? Ou acham que estão aqui?"
"Desde sempre meu caro... Quem é você mesmo?"
"PPY-313"
"Certo, PPY-313! Estamos aqui desde sempre! Ou pelo menos desde que este sol começou a girar em torno de nossa esfera, junto com os demais planetas, o Laranja, o Azul, o Vermelho e o Colosal..."
Estava agora claro pra mim que aquele povo de Mercúrio não tinha mais a menor noção de suas próprias origens...
*** continua ***