Sob nova direção
Como a rendição dos Q'til fora total, absoluta e incondicional, os Idirans não haviam se dado ao trabalho de deslocar uma grande força de ocupação para Q'thamar, o antigo planeta-sede do Império Q'til. Mantinham apenas dois cruzadores ligeiros em órbita e, simbolicamente, um destróier estacionado a um km de altura sobre o principal espaçoporto da capital planetária, Q'thamalal, de onde podia ser visto à distância por toda a cidade e arredores. Na superfície, os Idirans faziam representar-se por tropas auxiliares - basicamente pelotões de reptiloides medjels - e raramente eram vistos em pessoa. A princípio, os Q'til imaginaram que, fora o fato de agora estarem sob ocupação estrangeira, pouco mudaria em suas vidas - mas essa ilusão durou pouco.
- Jhone-Var? Você está indo onde eu imagino que vai?
O robô humanoide virou-se para ver quem o interpelava. Era um Q'til de meia-idade, Y'nithat-T'ham, antigo copeiro do Palácio Imperial e que agora estava desempregado.
- Se imaginou que estou indo prestar o juramento, imaginou corretamente - respondeu o robô.
- Mas você não pode! - Exclamou Y'nithat-T'ham.
- Como assim... não posso? Eu ouvi a convocação, foi transmitida em todas as faixas de comunicação possíveis e imagináveis! Todos os cidadãos de Q'thamar devem apresentar-se aos Centros de Controle estabelecidos pelos Idirans e prestar juramento de lealdade aos invasores.
- É isso. Só que você não pode ir. Não entende?
- Não.
Y'nithat-T'ham desviou os olhos de Jhone-Var antes de explicar:
- Você não é um cidadão.
- Como assim?! É claro que sou um cidadão! Sou uma inteligência artificial com direitos e deveres determinados...
-... pela Cultura - atalhou Y'nithat-T'ham.
Jhone-Var aguardou que Y'nithat-T'ham concluísse seu raciocínio.
- Os Idirans nos consideram criaturas inferiores - disse Y'nithat-T'ham batendo no peito. - Na melhor das hipóteses, como animais muito inteligentes. Mas você...
E tocou no peito metálico de Jhone-Var.
-... você não existe para os Idirans. Ou, pior: existe como uma aberração ou uma blasfêmia.
E deixou os braços caírem ao longo do corpo.
- Mas... se eu não for... existem punições para os que não jurarem lealdade.
- Sim. Mas pelo menos terá uma chance de sobreviver.
Y'nithat-T'ham colocou as mãos nos ombros de Jhone-Var e completou:
- Eu vi o que os medjels fizeram com um robô que apresentou-se para o juramento. Na frente de várias testemunhas.
E apontou no sentido oposto ao que viera:
- Volte, Jhone-Var. Fuja! Esconda-se!
Lentamente, o robô retrocedeu sobre seus passos. Y'nithat-T'ham observou-o durante alguns instantes e depois prosseguiu em seu caminho.
- Tempos sombrios estes em que vivemos... - murmurou, enquanto se afastava.
[07-01-2013]