O MISTERIO DO LAGO

Samuel e Henrique eram primos, tinha quase a mesma idade.
Henrique nasceu em março de 1950 e Samuel no mesmo dia e mês,mas era mais novo apenas dois anos.Talvez por essa coincidência fossem tão apegados. Se fossem irmãos não seriam tão unidos.
Moravam numa fazenda no interior de São Paulo, enquanto os pais se preocupavam com a plantação de café e com os estudos dos filhos, eles sempre davam um jeito de procurar por uma aventura. A fazenda ficava perto de uma vasta mata fechada. O progresso ainda não havia chegado à região. Sempre aos finais de semana depois de voltarem da faculdade que ficava na cidade grande, montavam seus cavalos e desbravavam a mata á procura de aventuras e lugares fantásticos que ainda não haviam sido descobertos.
Suas aventuras estavam anotadas em um bloco de anotações que carregavam, escreviam pontos importantes e descobertas durante as aventuras, depois passavam para um caderno que estava guardado na escrivaninha do quarto onde dormiam. Suas aventuras nunca passavam de um limite da floresta, sabiam que depois de certa parte, poderiam se perder, por isso carregavam consigo uma tinta vermelha e um pincel para marcar pontos por onde passaram, além das marcas com facões.
Depois de seis meses finalmente chegaram as férias, os primos estavam ansiosos para porem em prática a ideia da nova aventura, que era de ir mais alem dos limites que já chegaram dentro da floresta.
Há uns oito anos atrás dois amigos deles de uma fazenda vizinha desapareceram na mata. A polícia nem ninguém conseguiram encontrá-los. Depois disso é que descobriram que outras pessoas depois de entrarem numa parte da floresta não retornaram para suas casas. Foi então que os dois decidiram por conta própria descobrir esse mistério, seus pais e avós fizeram de tudo para desistirem, mas eles só iriam parar quando descobrissem o mistério que envolvia  os amigos. Acreditavam que eles ainda estavam vivos, perdidos na floresta.
Na noite anterior da viagem, Henrique teve alguns pesadelos, mas depois de acordar não conseguiu decifrá-los nem se lembrar do sonho por completo. Tinha lampejos que vinha á sua mente, mãos que tentava agarrá-lo, rostos desfigurados, mas ele acordava sempre quando alguém o chamava pelo nome, acabou não contando ao primo sobre o sonho para não impressionar Samuel.
Os dois montaram em seus burros, preferiam os burros porque mesmo que fossem lentos, eram mais fortes e suportavam o peso e a caminhada longa. Despediram-se dos parentes e se embrenharam mata adentro.
Levaram consigo uma bolsa de tecido que a avó havia preparado para eles, facões e duas espingardas, carregavam também, fósforos, remédio caseiros, farinha de mandioca, sal, açúcar e café e algumas moringas com água.
Era inverno o cafezal estava todo protegido com sacos para a geada não queimar os grãos. Nessa época as pessoas da fazenda se reuniam na sala ao lado da lareira. Enquanto se aqueciam contavam historias, na cozinha a avó dos meninos, dona Margarida, fazia tapiocas e pamonhas, que faziam parte da comida que os primos carregavam nas bolsas.
Era um frio diferente, o sol se atrevia a querer aparecer durante uma parte do dia, Mas logo era devorado pelas nuvens cinzentas e o vento avisando quando chegava pelo assovio que fazia dentro da mata.
Como a fazenda era grande, uma parte era dedicada ao plantio de café, enquanto a outra parte era da pecuária e agricultura, assim a família não precisava ir até a cidade fazer compras. Somente para comprar tecidos e assuntos bancários.

Samuel e Henrique já estavam dentro da floresta tropical, apesar de ser dia era preciso ter cuidado com onças e lobos, as árvores balançavam com o forte vento gelado que passava assoviando nas suas orelhas cobertas com uma touca de couro. Samuel e Henrique estavam ambos protegidos do frio, calças, botas e jaquetas de couro com capuz e por cima ainda usavam um, sobretudo de lã revestido com pele de carneiro, luvas de couro também forradas com lã. Nas costas carregavam um colchão feito com palhas e cobertos com sacos de arroz confeccionados por suas mães. Quando deram três horas de cavalgada resolveram parar debaixo de uma árvore antiga que tinha um tronco muito largo e servia de proteção contra o vento. Tiraram as cangalhas do lombo dos burros e os alimentaram com milho e água. Fizeram uma pequena fogueira com os gravetos secos que encontraram para se aquecerem e comerem as pamonhas.

A tarde no meio da floresta era tenebrosa, a neblina baixou rapidamente. Eles teriam que se apressarem para escolher um local para passar a noite, já que mais algumas horas seria impossível enxergar alguma coisa na densa mata. Com isso os perigos aumentariam consideravelmente. Alguns animais pequenos corriam atravessando seus pés, Tatus,Pacas e Preás, talvez atraídos pelo calor do fogo.
Os burros estavam inquietos, alguma coisa os estava deixando agitados. Samuel e Henrique já haviam passado por aquela situação e sabiam como era. Das outras vezes eram apenas cobras que se aproximaram deles, mas não era isso que estava assustando os burros.

Macacos se agitavam nas copas das árvores, gritavam e pulavam de um galho para outro. Começou a escurecer e os animais de hábitos noturnos se confundiam com o horário e começaram a dar as caras. Corujas e morcegos sobrevoavam ao redor deles, até que Samuel resolveu pedir para o primo preparar os burros e levantar acampamento e seguir o rumo do rio, assim não se perderiam, aproveitaram para marcar o lugar, fazendo um X com o facão no tronco da árvore e pintando de vermelho.
FORA DE ROTA
Henrique observou a bússola, o ponteiro estacionou ao leste.
- Samuel, acho que minha bússola está com defeito, ela parou no leste, dá uma olhada na sua.
Samuel puxou a sua bússola do bolso e observou o ponteiro que também estava parado na mesma latitude.
- estranho Henrique, a minha está igual a sua não adianta mudar de posição, ela continua fixa no mesmo lugar, vamos seguir mais um pouco o rio e encontrar um local seguro pra gente passar a noite.
O que eles não perceberam é que o rio tinha uma bifurcação lá atrás, mas a neblina não deixou que eles vissem.
Henrique e Samuel conheciam bem o lugar, mas nunca estiveram em uma situação parecida, quando chegaram a um local apropriado para passar a noite, reconheceram o lugar que estavam.
- Samuel, não é por nada não, mas estamos totalmente fora de rota, aqui pelo que sei estamos ao norte e bem longe de onde queríamos estar.
- sei não, isso nunca aconteceu , é melhor a gente descansar, vamos esticar as redes nesses galhos mais altos para ficarmos fora do alcance das onças e lobos.

As redes foram armadas bem altas, as bolsas ficaram dentro das redes para proteger dos macacos e algum animal que quisesse roubar a comida. juntou alguns galhos e gravetos e fizeram uma fogueira para durar toda a noite assim afugentariam alguns bichos indesejados.
- Samuel, já que você é o mais velho, eu deixo você dormir primeiro, eu fico de campana vigiando você e os burros.
- sou o mais velho, mas tenho mais disposição que você, mas já que insiste eu vou me acomodar.

Enquanto Samuel dormia, Henrique se acomodou-se na rede. A espingarda numa mão e o lampião na outra. A neblina era intensa, quase não se enxergava os burros. O cricrilar dos grilos parecia incomodá-lo, o pio da coruja ecoava floresta adentro. Um jupará o assustou quando pulou no galho da arvore acima dele. O Jupará habita as regiões florestais, nas vizinhanças dos grandes rios, e passa a maior parte do tempo nas árvores. Animal de hábitos noturnos dorme durante todo o dia escondido num oco de árvores, saindo apenas à noite. Trepa com grande agilidade e é tamanha a habilidade com que ele se serve da longa cauda preênsil, dos curtos membros e das unhas afiadas que pode rivalizar com os símios.O jupará vive só ou aos pares. A ninhada é de uma ou mais, raramente de duas crias, que nascem no verão. Em cativeiro, é um companheiro fiel e brincalhão. O jupará, conhecido também como macaco-da-noite, é com freqüência confundido com os primatas pelos caçadores e mateiros. É um animal carnívoro, se alimenta de pequenos animais. Por azar ou sorte de Henrique a toca ficava exatamente num oco da árvore que eles estavam. Depois que viu que era um Jupará, Henrique ficou mais aliviado, os burros estavam aparentemente tranqüilos, mas Henrique sabia que eles não estavam se sentindo seguros. Pelo habito do animal, o burro como a maioria dos eqüinos, dormem de pé, com medo de serem atacados enquanto dormem somente se deitam quando se sentem totalmente seguros.

- Samuel, acorda é minha vez de dormir, já são três horas.

Samuel demora um pouco para acordar, deitado numa confortável rede, coberto com acolchoado forrado de algodão preparado pela avó como sempre. Despertou aos poucos, se sentou na rede, jogou um pouco de água gelada no rosto e tomou o lugar de Henrique que não pensou muito e já estava deitado. Samuel apontou o lampião para ver se os burros estavam bem.
Um som estranho corria dentro da floresta, ao mesmo tempo parecia o som de uma onça ou de alguém gemendo, ora de um lado, ora de outro. Ele tentou ver onde a claridade do lampião alcançava, mas o que se viu foi apenas a fumaça branca da neblina.
Finalmente o dia amanheceu. Pelo menos o relógio de bolso estava funcionando, os pássaros já se espreguiçavam nos galhos e soltavam os primeiros cantos. Sabiás, Bem Te Vis, e João de Barro, sobressaiam na floresta.
Quando Henrique acordou, os burros já estavam prontos e o café estava no fogo. Henrique acordou e já foi esticando o corpo preguiçoso. mas naquela aventura não podia nem pensar em preguiça, depois de tomarem café, sentaram e tentaram se localizar pelo mapa que haviam feito a mão.

- estamos muito fora de onde queríamos estar, agora teremos que seguir o mapa, vamos pegar o caminho da cachoeira dos mortos.

Até a cachoeira dos mortos seria mais um dia de viagem, já que boa parte da caminhada teria que ser a pé. Para ir montados no lombo dos burros, era muito perigoso, pois tinha muitos desfiladeiros. Muitos aventureiros e caçadores caíram desfiladeiro abaixo e a cachoeira ficou famosa porque a lagoa que se formou abaixo parecia que era rasa, mas tinha muitos buracos com redemoinhos e sugavam quem estava dentro. Diziam as velhas lendas que era uma jibóia que puxava as pessoas para as profundezas. Uma lenda da região dizia que poucos foram os que retornaram vivos, e destes ninguém conseguiu encontrar o caminho do lago novamente, quando tentavam retornar ao lago, erravam o caminho, ou simplesmente ele desaparecia. Na verdade o lago é que mostrava o caminho quando queria. No caminho encontraram vários esqueletos de cavalos e burros que morreram nas quedas ou foram sacrificados por não poderem ser resgatados.A neblina havia se dissipado, não tinha sol mas estava normaço. 
Um dos burros levou as cangalhas e o outro, vez ou outra revezou o montador em alguma parte da viagem, onde achavam o caminho seguro para cavalgar. A floresta olhando de cima era fechada, nem dava para imaginar alguém andando lá embaixo. A mata se estendia por quilômetros, apesar de a bussola não estar funcionando, sabiam por onde estavam andando, isso até a cachoeira dos mortos, foi o mais longe que já chegaram em suas aventuras de caça, mas jamais a encontraram, sabiam apenas que ficava ali em algum lugar. Andando na frente e puxando os burros, assim foi quase toda a viagem. Começou a chover, apressaram os passos para encontrar algum lugar para se abrigar, mas não encontraram. Raios e trovoes assustaram os burros que empacaram, com muito sacrifício conseguiram fazer com que continuassem. A chuva começou a aumentar gradativamente, o rio que corria mais ao leste, estava cheio e ouvia-se o barulho da correnteza. Pássaros e animais assustados voavam e corriam pela mata, o caminho estava difícil. mais um obstáculo na caminhada, as águas que corriam da chuva deixou alguns trechos impossíveis de continuar com os burros. o jeito foi ter que esperar as águas escoarem.
Sobre a proteção da copa das arvores enormes, Samuel e Henrique resolveram dar uma parada. Os burros pareciam estar felizes por terem se molhado, mas Samuel e Henrique estavam com muito frio, por sorte estavam protegidos com as capas e o chapéu de palha. Era aquelas chuvas típicas da floresta, forte e passageira. Finalmente parou de chover e continuaram a viagem. 
Finalmente a cachoeira se desvendou para os primos.


Depois de muita caminhada finalmente chegaram á cachoeira dos mortos, o local não era dos mais bonitos, mas era fascinante pela maneira como se escondia. Uma pequena veia de rio se formou em uma grande lagoa que transbordava e suas águas caiam de um penhasco escondido pelas árvores. Ouvia-se o barulho da queda d’água, mas não a enxergavam, tinha que entrar cautelosamente para não cair na armadilha da natureza.O mato ao redor escondia uma pequena cratera causada pela erosão natural das chuvas, um mais desavisado com certeza cairia assim como aqueles que morreram dessa forma, dando assim o nome á cachoeira.

- nossa, passamos aqui tantas vezes, como pode não termos a encontrado? – perguntou Samuel.
- é estranho primo, mas acho que das outras vezes, chegamos perto e acabamos voltando, mas o barulho da queda d’água é nítido, não tem como não escutar.

Desceram a pirambeira até chegar ao lago, então a bela cachoeira descortinou-se entre as arvores e folhagens. Os burros empacaram e não queriam descer prevendo alguma coisa, mas tinham que fazer aquele caminho para chegarem do outro lado. Ao chegar próximo ao lago, um dos burros ficou inquieto e tentou voltar para trás. Sem entender o que estava acontecendo, Samuel e Henrique só perceberam tanta rebeldia do burro quando viu uma sucuri já se enrolando nos pés do animal. Com rapidez Henrique sacou seu facão e golpeou-a no meio do corpo da cobra, mas parecia que não adiantava, ate que depois de vários golpes a cobra caiu morta. Uma névoa envolvia o pequeno lago, Samuel se aproximou e ajoelhou para encher as moringas e percebeu que a água estava quente, por isso aquela fumaça sobre o lago. Logo avisou Henrique da descoberta. Deixaram os burros soltos para poderem beber água e comer capim enquanto aproveitaram para tomar banho no lago.


- nossa jamais saberia que essas águas eram quentes, se não tivesse descido até aqui. - disse Samuel.
- é verdade primo, mais uma historia pra gente contar.

O lago não era profundo, dava para ficar em pé, a água mal chegava á altura do peito. Samuel convidou Henrique para nadar até o pé da cachoeira. Mas eles não contavam com um redemoinho que puxava as águas para debaixo das pedras, Henrique estava sendo sugado para baixo e tentou se segurar nas raízes e nas pedras, mas estavam escorregadias. Henrique ainda fora do redemoinho esticou o braço para o primo que o segurou, mas a força da correnteza era maior. Em pânico, Henrique segurou forte no braço do primo e acabou o puxando junto e foram sugados pelo redemoinho.
Antes de entrarem no lago, Samuel e Henrique tiraram as cangalhas do lombo dos burros para que descansassem. Os burros ficaram por perto comendo pequenos arbustos. Suas roupas ficaram ao lado do lago junto às cangalhas.

a água quente formou uma neblina sobre o lago.

 
Henrique sentiu seu corpo girar ao lado do primo que tentou se segurar em alguma coisa, mas só havia água, sem respirar, a água entrou pela sua boca e encheu os pulmões. Aos pouco foi perdendo os sentidos. A claridade acima do lago logo desapareceu e seu corpo desfalecido desceu inerte junto ao corpo do primo para as profundezas.

CONTINUA... NO PRÓXIMO CAPÍTULO.

 
Cido Fernandes
Enviado por Cido Fernandes em 17/12/2012
Reeditado em 10/11/2015
Código do texto: T4040611
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