Contatos Imediatos (um conto de natal)
O veículo avançava rápido pela estrada deserta.
- Não vamos chegar a tempo para a ceia de Natal.
- Está brincando? Ainda é cedo! Lógico que vai dar tempo!
- Você esqueceu que estamos levando parte dela? E que ainda precisa ser preparada?
- Amor, são 8 horas da noite ainda! Lógico que vai dar tempo!
- Ah é? E o que você entende de pernil, hein? Sabe quanto tempo demora para preparar?
- Liga pra lá! - diz o marido, entregando o celular. - Diga para já irem ligando o forno!
Ela tenta impaciente. Nada! Nem completa a ligação.
- Estamos fora de área. Maravilha...
- Ah, porcaria de operadora! - esbraveja o marido, lhe entregando outro celular de modelo mais antigo, mas com outro chip. - Liga neste aqui, querida! Não costuma falhar...
Mas falhou. Nem esperança da ligação ser completada. Ela olhou desolada o deserto escuro à volta, rodeada de montanhas verdes (ou que deveriam ser verdes à luz do dia, é claro!). Viu um clarão cruzar o céu escuro e sem lua, mas quando iria comentar isto com o marido, ouviu apavorada:
- Morreu! O carro parou!!! Não sei por quê!
- Não me diz isto agora, querido! Parou como? Está sem gasolina?
Ele olhou para o painel apagado. Nem isto ele seria capaz de responder naquele momento.
- Sei lá, amor! Apagou tudo. Acho que a bateria já era, só não sei como isto foi acontecer.
- Ai, ai, ai... A mamãe vai nos matar...
- Ei! Ela é TUA mãe, não minha! - o fato da esposa sempre se referir à sogra como mãe dele também o apavorava! - Me "exclua" fora dessa...
- A culpa é sua! Não checou o carro antes de sair.
- EPA!!! Chequei UM MILHÃO DE VEZES antes! Nem venha me começar com um ataque agora!
Girava a chave compulsivamente. Nada do carro ligar!
- Tá esperando o quê? Chama logo um guincho, um mecânico, sei lá!
Deserto total naquela noite escura de lua nova. Nem sinal de gente se aproximando pela estrada à frente, nem atrás. E os dois celulares... apagados!
- Ah não!!! Acabaram as baterias dos celulares também? Que está acontecendo aqui, hein? Amor, me empresta seu tablet um minuto?
Antes mesmo de ligar o tablet, ele já havia previsto: não ligou! Uma luz sinistra vinha à direita da estrada à frente, que fazia uma curva acompanhando a montanha ao lado.
- Eu ia te comentar isto antes do carro parar, querido! Que luz é aquela, hein? Eu a vi chegando do céu.
- Vamos descer com cuidado. Ainda tem aquela lanterna? Tomara que ainda funcione.
Felizmente funcionava. Eles não sabiam ainda, mas aquele fenômeno capaz de inutilizar os aparatos mais complexos não tinha efeito sobre circuitos elétricos analógicos básicos, baseados em simples fontes de eletricidade conectadas a transdutores básicos, como era o caso daquela lanterna antiga que transformava a eletricidade produzida por pilhas comuns em calor e luz. O casal desceu do carro, em direção àquela luminosidade sinistra na curva que virava à direita.
- Estou com medo! - e ela se agarra aos braços do marido, que os conduzia com a lanterna em meio ao breu absoluto, em direção àquela fonte luminosa fraca.
Um abismo havia à esquerda da estrada, protegido por uma simples mureta de segurança que mais servia para avisar do abismo do que realmente para impedir que alguém, ou que algum veículo, acabasse despencando nele. O clima ficava mais misterioso à medida em que avançavam. Um "perigo" pairando no ar parecia aumentar cada vez mais. Um magnetismo estranho, uma "eletricidade" no que respiravam, dizendo que não deveriam chegar perto. Mas a curiosidade superava o medo.
- O que você viu mesmo, querida? Devia estar distraído nesta hora.
- Um risco no céu! Parecendo uma estrela cadente, só que... não era! Era maior! Estava mais perto! E... sei lá, não consigo explicar, mas dava para sentir mais sua presença. Não sei como você não notou! Você não presta atenção em nada mesmo, né?
- Ei, ei! Não vai começar com isto agora, né?
- Mas é verdade! Lembra daquelas taças lindas que você quebrou porque não percebeu que elas estavam...
A visão assombrosa interrompeu aquela briga de casal que estava para começar. Enquanto avançavam pela direita, rodeando aquele monte no sentido horário, a fonte daquela luz espectral começava a se revelar. À esquerda, flutuando em pleno vazio, uma enorme estrutura de metal emanava aquele verde-pálido sobrenatural na noite escura.
- Um disco-voador! - cochichou a mulher no ouvido do marido - Vamos voltar JÁ!!! E esperar dentro do carro esta coisa ir embora! Você conhece bem as histórias deste tipo, né? Sabe que nunca acabam bem!
- Bem se percebe que você não enxerga mais nada mesmo sem os óculos que esqueceu no carro, não é, querida? Onde você está vendo disco aí?
De fato o objeto não tinha forma de disco. Era bem complexo! Cilíndrico? Um cilindro rebuscado, cheio de enfeites. Uma base metálica existia abaixo da estrutura. Vários suportes curtos saiam dos dois lados do cilindro ao longo de sua extensão, e se conectavam a duas estruturas longitudinais na parte inferior. Deveriam ser úteis para deslizar a enorme estrutura sobre alguma superfície lisa. Definitivamente não parecia algo terrestre. De Europa talvez? Não do continente terrestre! Seres da lua de gelo de Júpiter, homônima? Aquela estrutura parecia mesmo bem adequada para uma nave que precisasse pousar na superfície lisa daquele corpo celeste. Mas, ele não daria o braço a torcer. Reafirmou:
- Não é nenhum "disco" voador. Vamos em frente!
- Não, amor! Vão nos abduzir!
- Ah, que nada!!! Deve ser só mais alguma experiência maluca do governo!
Seguir o marido que levava a lanterna ou ficar para trás no breu absoluto? A decisão era até que bastante óbvia...
- Tem uma fenda na montanha logo à frente, querida!
- Onde NÃO vamos entrar, não é?
- LÓGICO que vamos! - diz David Mulder à sua esposa Catarina Scully.
Em frente à abertura na montanha, ele ficou em dúvida se seguia pela esquerda, em direção à ponte que ligava uma falha na mureta de proteção até a frente da nave cilíndrica, ou se entrava à direita pela misteriosa abertura. A última opção pareceu ou mais interessante ou mais segura... ou ambas!
- Tem alguma coisa acontecendo lá dentro também, querida! Vamos ver o que é.
Aquela entrada era mesmo bem camuflada! Dificilmente seria percebida durante o dia,naquela estrada deserta entre as montanhas. Mas os dois paredões de ambos os lados do corredor acabavam num espaço aberto! Aparentemente, um buraco escavado DENTRO daquela montanha!
- Isto aqui não me parece mesmo... natural!
- Ah, David! Vamos embora! Não está satisfeito?
A resposta era óbvia. Ele disse mesmo assim:
- Não!
Entraram mesmo num espaço escavado dentro da montanha. Os paredões perpendiculares de rocha nua apareciam em todas as direções para onde se olhava. Dentro dele: um campo cultivado de plantas rasas. Baixas.
- Qual a finalidade disto, hein?
Foi quando David e Catarina perceberam aqueles pequenos seres. Carregavam uma espécie de lanterna também, embora bem estranhas. Não tinham mais de 50 centímetros de altura. Tinham pele esverdeada, orelhas pontudas, e vestiam trajes de um colorido extravagante. Haviam uns 20 ou 30 deles agachados no chão, procurando alguma coisa em meio à relva.
- São duendes? - perguntou Catarina ao marido.
- DUENDES, Catarina? Óbvio que são extraterrestres! Meu sonho! Nem acredito que os estou vendo com meus próprios olhos!
- Fale baixo! Podem ser perigosos!
- Tem razão! - e David se escondeu atrás de uma relva com a esposa, tentando ser mais discreto.
- Parece que eles estão procurando alguma coisa, né?
De fato traziam sacolas penduradas nos ombros. Tateavam a relva, vez ou outra colhiam algo e colocavam dentro das sacolas.
- São tão pequenos, Catarina! E tão parecidos uns com os outros! Será que são todos clones?
- Sei lá, Mulder! Vamos embora antes de nos metermos em encrenca de novo!
Tarde demais! Um dos anões mais próximos os encarou com firmeza! David e Catarina tremeram como vara verde, esperando pelo fatal raio do laser desintegrador das armas alienígenas. Que não foram disparados... Aparentemente nem existiam. O que ficou bem claro para casal foi um incisivo contato telepático, que demostrava tanta surpresa por parte de seu emissor quanto por eles mesmos.
"Como entraram aqui?"
- Pe-pe... pela entrada na... na... na monta-ta... montanha... - David gaguejava.
"Por favor, se comuniquem telepaticamente! Faz tempo que não usamos mais esta primitiva comunicação vocálica! Temos dificuldade para entendê-la..."
O casal, surpreendentemente, entendia o que o extraterrestre de meio metro de altura dizia. David tentou responder telepaticamente:
"Estou respondendo do jeito certo?", ele pensou. "Você consegue me entender?"
"Perfeitamente, terráqueo!"
"Amor, o que está acontecendo?"
"Catarina? Estou ouvindo seus pensamentos? Como?"
"Não sei! Parece que sim!"
O extraterrestre esclarece.
"Sempre puderam, só que nunca prestaram atenção! Eu estou intermediando a comunicação, isto deve ter facilitado o contato."
David encara desconfiado aquele E.T. verde, com cara de duende. Tinha tantas perguntas! Precisava escolher alguma, e escolheu:
"Como você me entende? Como sabe falar português, tendo nascido num planeta distante sem contato algum com seres humanos?"
"Idiomas são usados apenas na comunicação escrita e falada. São irrelevantes na comunicação telepática. Você ACHA que pensa em português, mas na verdade não PENSA em português. Transmissões diretas de ideias não precisam de símbolos idiomáticos para serem representadas..."
"De onde vocês são?"
O "duende" ficou um bom tempo pensativo. Apesar de se comunicar telepaticamente, aparentemente ele só o fazia quando queria! Era capaz de bloquear totalmente os pensamentos que ele não queria revelar.
"De bem longe! Você não entenderia nossas coordenadas. E como ainda não conhecemos suas convenções astronômicas, nos seria praticamente impossível tentar lhe apontar a direção. Nossos referenciais são diferentes."
"Entendo..."
David ainda arriscou:
"De muito longe, não é? Não são daqui então? Do NOSSO sistema solar, eu quero dizer..."
"Não, DAVID! Não somos de nenhum corpo que gire direta ou indiretamente em torno de sua estrela amarela! Não viemos da lua Europa, como você está pensando..."
Ele estava indignado com esta invasão mental.
"Como você sabe meu nome? E como sabe desta minha hipótese? Invade minha mente? Vasculha meus pensamentos? E me esconde os seus? Não me parece um diálogo justo, meu caro... como você se chama mesmo? Ah, me desculpe.." - David tentava ser sarcástico - "Não consigo invadir a tua mente para descobrir como você se chama... Da mesma forma que você fez com a minha, não é?"
A pequena criatura verde se aproximou mais do casal. Não pretendia se passar por um vilão.
"A culpa é toda sua por não conseguir esconder pensamentos, já que você não está acostumado com comunicações telepáticas. Com a prática você acaba aprendendo a revelar apenas o que deseja comunicar, ao invés de abrir totalmente sua mente."
"O que vocês fazem aqui? Parecem selecionar algo na relva. O que é?"
O duende aguardou um tempo. Deveria revelar? Bom, que mal haveria?
"Mutações genéticas tetrafólias..."
David examinou com mais cuidado a relva. Toda preenchida com trevos! Aquela área circular escavada no interior da montanha era totalmente cultivada com tal planta. Trevos! E, entre eles, certamente deveriam aparecer algumas mutações que apresentavam quatro folhas! O que o fazia ainda mais identificar os extraterrestres com os mitológicos duendes...
- Trevos de quatro folhas? É isto que veem procurar aqui? Por quê? - por um momento se esqueceu que voltava a usar a antiga comunicação vocálica. Mas mesmo assim parece que o extraterrestre o compreendeu.
"Variações genéticas das quais necessitamos, David! E que só nascem aqui na Terra!"
"E não bastaria clonar os tais acidentes genéticos? Criar assim tantos trevos de quatro folhas quanto desejassem?"
"As coisas não são assim tão fáceis como você imagina. Começaram agora a manipular os genes, não é? Hehehe! Vão descobrir logo que não é tudo tão fácil como imaginam! Logo perceberão que não podem fazer tudo que lhes der na cabeça! Que existe uma resistência, uma 'inércia' genética em tudo... NÃO PODEMOS forçar o surgimento de tetrafólios! Precisamos esperar que surjam naturalmente..."
"Vocês... se ALIMENTAM de tetrafólios? Por que precisam tanto deles?"
O duende baixou a cabeça. E revelou:
"Lamento, David! Acho que já te revelei mais do que deveria. É hora de ir embora..."
Catarina puxa o braço de David, insistente. Como ele não percebia a situação? Bom, ele normalmente não percebia nada mesmo! Sabia que precisaria ser mais insistente nesta hora:
- Vamos embora AGORA, David!!! Não percebeu ainda o que este E.T. disse? Não entendeu o recado?
Todos os duendes extraterrestres olharam simultâneos para o casal. O tom de ameaça era evidente. Ao mesmo tempo, a mensagem telepática era clara: "Não os machucaremos, se vocês forem embora logo! Esta não é nossa intenção!"
- Vamos, David!
- Não, Catarina! Eles estão mentindo!
- Nos deixaram sair! Não vamos desperdiçar isto!
- Mas é esta nossa chance de provar que, de fato, o governo esconde algo a tempos que...
Com força descomunal, a esposa puxa seu marido para fora daquela abertura na caverna. Caverna descoberta? Ah, que seja!
- Olha lá! O farol está ligado! Eles desligaram o bloqueio do carro!
- Que bloqueio?
- Ah David! Sei lá! Vamos embora logo daqui!!!
Ele não se conformava com a ideia de precisar fugir daquele local. Tudo aquilo que ele tentava provar, a vida inteira, deixado para trás? Não podia fazer isto!
- Não, Catarina! - se desvincilhou dos braços da mulher, tentando cruzar à esquerda da estrada aquela ponte que levava à nave cilíndrica, pairando sobre o abismo. - Preciso ver isso de perto!
- David!!! - gritou ela enérgica! - Você VEM AGORA comigo até o carro, que já estamos MUITO atrasados!!!
Ele não sabia o que o levou a isto. Mas era irresistível! A nave espacial pairando à sua frente! E ainda assim ele decidiu acompanhar a mulher até o carro, tentando ainda chegar a tempo para a ceia de Natal, depois desta aventura inusitada. Quem acreditaria neles? Seria melhor nem comentar nada! Se todos já o consideravam maluco, imagine só ele explicando o atraso com a tal história de seres extraterrestres descendo à terra em busca de trevos de quatro folhas... Não.
O painel do carro brilhava reluzente. Que maravilha! Girou a chave, e o carro ligou de primeira! Ambos os celulares sobre o painel brilhavam, totalmente operacionais. David entrega um deles para Catarina:
- Liga pra Mamãe, querida! Avisa que estamos chegando pra ceia!
David Mulder tenta nem olhar pra esquerda ao fazer aquela curva. Não queria imaginar os segredos que deixava para trás naquele fantástico Cilindro-Voador extraterrestre que sumia à distância.
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Os duendes de pele verde entravam enfileirados no cilindro prateado que flutuava ao lado da estrada. Despejavam o conteúdo de suas sacolas nos vários recipientes de alimentação. Quando o último duende despejou sua sacola recheada de tetrafólios no recipiente, apareceram o inúmeros representantes da espécie "Rangifer Tarandus" para se alimentarem da rara especiaria. As areias do tempo corriam rápido, e elas precisavam logo adquirir aquela capacidade de voo conseguida da variação genética dos tetrafólios digeridos em seus estômagos!
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Vestido em seu manto vermelho, representação de poder, o líder Joulupukki exigia uma explicação do chefe dos coletores.
- Você falou com eles, não é?
Ele engasgou.
- Eles... Bom, eram só dois, Mestre!
- E você disse o quê? - perguntou numa língua estranha.
- Na verdade, nos comunicamos apenas telepaticamente.
- Ah, menos mau!
Uma coisa ainda intrigava Joulupukki:
- Eles encontraram a entrada... Esqueceram de religar a camuflagem?
- Ligamos sim! Não sei como eles acharam, Mestre... Eles eram diferentes! Especiais!
O líder, vestido de vermelho, de abundantes pelos brancos lhe recobrindo o rosto, insistiu:
- O que vocês explicaram a eles?
- Que éramos extraterrestres, Joulupukki! Vínhamos de longe, mas precisávamos buscar na terra variações genéticas de certas plantas que só nasciam aqui.
- Extraterrestres? Eles acreditaram nisso?
- Parece que sim, Papai Noel...
O líder ficou enfurecido! Joulupukki já havia pedido várias vezes que os duendes não o chamassem por este nome!
- As renas... já se alimentaram dos tetrafólios? Estão prontas para voar?
- Estão, Papa...
Joulupukki, com seu manto vermelho e detrás de seus pelos brancos, olha furioso para seu duende preferido.
- Liguem os reatores na parte de trás do trenó! E coloquem as renas na parte da frente, para nos dar sustentação!
Enquanto decolavam, Joulupukki ainda comenta com seu extrator chefe de combustível de renas:
- Extraterrestres vindos do espaço exterior? E eles acreditaram mesmo nisso, meu caro?
- Acreditaram sim, Papai Noel! Ops! Desculpe! Eu quis dizer Joulupukki...
Papai Noel, em seu trono dentro do trenó prateado conduzido por renas voadoras alimentadas com raros tetrafólios que as tornavam mais leves que o ar, ainda comentou antes de decolarem para entregar os presentes de Natal encomendados nas várias cartas recebidas, presentes que lotavam a parte de trás daquele trenó cilíndrico. Não vinha da lua Europa de Júpiter, com certeza!!! Será que os humanos acreditavam mesmo que conheciam o Pólo Norte do começo ao fim? Já haviam procurado na parte de dentro? Além da abertura polar boreal?
- Extraterrestres vindos do espaço exterior... Ah, esses seres humanos acreditam em cada besteira!!!!!
*** FIM ***