Quantos mistérios trazem o tempo...
E o vento que sopra a folha seca no chão
Quantos segredos, quantas histórias chegam
E se vão numa  folha soprada pelo vento...
 
 
Quis gritar o nome de Vannini e não pôde. Tudo estava escuro muito escuro... Nem mesmo o clarão da aeronave em chamas, Fernão podia ver.
O Airbus Skylab caiu.
Pode ser que Hemor tenha acionado o piloto automático e dormido com Vannini na cabine do avião. Pode ser que  Fernão tenha desativado o piloto automático e o transponder não funcionou, e, em pouco tempo, tudo estava consumado, restavam apenas destroços da fuselagem que boiavam ao lado de corpos, vivos ou mortos, nunca se sabe.
Está desaparecido o Airbus Skylab que saiu do Rio de Janeiro com destino à França, anunciavam os canais  de TV.Talita se calou, perdeu a voz diante da notícia de desaparecimento do avião. Não disse nada. Desmaiou e sentiu-se arrebatada. Levada em espírito a uma praia recoberta de ossos ressequidos. Alguns, parcialmente envoltos em vestes que se puíam com o passar dos anos... “Não temas!” — Disse a voz que vem do alto: “O mar devolverá à praia todos os corpos que engoliu e a terra prestará contas dos mortos guardados em suas entranhas”.
Alguém tentou acordá-la dando tapinhas nas faces e ela  despertou como se voltasse de um pesadelo.
— Saiu a lista oficial de passageiros do voo ABS 815?
Sim, a lista de mortos e de desaparecidos.
Grande número de parentes, amigos e curiosos ocupavam os aeroportos do Rio de Janeiro, de Dakar e França. Eles esperavam por informação da existência de sobreviventes. Todos queriam saber quantos, e quais. O nome de Fernão de Noronha Capelo constou da lista de passageiros do ABS 815. Não necessariamente, da lista oficial dos mortos, mas da lista de desaparecidos.  
A força aérea francesa divulgou imagens dos destroços de um avião, provavelmente o Skylab. Enquanto isso, a Marinha Brasileira recolhia corpos em águas internacionais. Entre os mortos foram identificados os corpos de Vannini Saboia Capelo. Também o corpo do comandante Hemor Bar-Hemor de Siquém foi identificado. Os demais passageiros e tripulantes permaneciam desaparecidos ou não identificados.
Paola sorriu outra vez no intervalo da dor. Sorriu feliz na praça, olhando um pássaro azul perdido no céu acinzentado e  uma árvore roxeada de frio.  O salão do Livro de Paris estava escuro. Homens com semblantes austeros, e mulheres chorosas paravam no passeio. A alma-menina lia o cartaz afixado na porta junto a  uma faixa de luto com a lista de escritores mortos no voo Skylab. Na faixa estava gravado entre  tantos nomes, o nome dela, Paola Rhoden e o poema “Passeio sem rumo”. Agora ela podia viajar para qualquer parte do mundo, em fração de segundos, e se quisesse, podia estar em vários lugares ao mesmo tempo. Então foi para Dakar e viu sem ser vista, muitos chorando a morte dela. Viu as freiras de sua congregação tentando consolar os aflitos. Esperavam a irmã Paola, choravam por ela e ela estava ali e ninguém a via.
Enlutada, a natureza  árida e fria, habita o coração pacífico de tantos poetas, dizia André Albuquerque, passando as vistas na faixa:  “Quantos sonhos, quantos voos literários foram interrompidos!” E pegou asas de luz, voou ao Recife para consolar os parentes. Tentou conversar com Paulo Valença, falar das últimas produções depositadas no Portal Literal. Paulo não o ouvia, não respondia nem mesmo aos acenos de mão. Parecia choroso. André ouvia os choros, aparava as lágrimas  da esposa  e enxugava o rosto dela com o guardanapo da Viação Aérea Skylab.