O Algorítimo da Involução

O Algoritmo da Involução.

Os cientistas, modelo NBQR4, do Centro de Manipulações Genéticas trabalhavam na finalização do processo de Recriação. Cinco anos tinham se passado desde a determinação do Comando Superior de multiplicar a amostra armazenada no banco criogênico de cepas genéticas. Sendo o único exemplar depositado, os cuidados tinham que ser redobrados ou tudo estaria perdido. A técnica de reconstrução, em desuso há longo tempo, estava preservada nos bancos de dados dos computadores bioquânticos. Não houve, portanto, dificuldades em reproduzir o experimento. O resultado estava prestes a ser trazido ao mundo. Um novo mundo o esperava.

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Muita coisa havia mudado desde a data do armazenamento daquela amostra de DNA. A ciência avançou de forma rápida possibilitando, finalmente, o antigo sonho de colonizar o cosmos. Os tentáculos do homem avançaram em várias direções, mas ainda persistiam problemas de ordem social. O progresso técnico permitiu, também, a intervenção nesta área. E deu resultados. As Tropas de Controle de Atividades Populacionais passaram a fazer parte de um passado longínquo e as Forças de Defesa e Combate já não tinham mais razão de existir. A estabilidade fora, enfim, alcançada. Tudo se voltava ao Novo Homem. A evolução fora atingida depois de muitos anos de desenvolvimento científico direcionado ao melhoramento do ente humano. Mas nem tudo saiu como o planejado.

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Érebus, a unidade de expansão colonial que inaugurou a política de ocupação de outras áreas do sistema solar, foi a pioneira, também, na implantação do melhoramento social. Os grandes cérebros que manipulavam quantas de informação em velocidades inimagináveis, excitando sinapses biocibernéticas, indicavam o caminho a seguir, com precisão matemática calculada até a décima oitava casa. Nada poderia sair errado. O programa foi seguido conforme as determinações do Comando Superior e, por fim, considerado exitoso. Contudo, efeitos colaterais começaram a se manifestar, inicialmente de forma tímida, e, anos mais tarde, acabaram por atingir o grau de epidemia.

Revisões intermináveis nos programas computacionais que indicaram o caminho pareciam não apontar falhas na arquitetura elaborada para o novo estágio evolutivo. Mas os cientistas também apresentavam os sintomas, sendo, deste modo, questionáveis as análises que procediam. A Reserva de Segurança, prevista no plano original de reengenharia humana, foi requisitada as pressas. Tidos, antes, como párias da nova sociedade, eles só foram preservados por exigência do protocolo contemplado na estratégia global do programa. Os cientistas modelo NBQR4, depois de reativados, tomaram a frente do trabalho de reconstrução.

Especialmente desenvolvidos para parecerem e agirem como os humanos antigos, possuíam em seus bancos de dados os conhecimentos necessários para condução das inúmeras etapas que teriam pela frente.

Os computadores bioquânticos, porém, apontavam um problema intransponível para o sucesso do projeto de involução. Mesmo assim, a ordem era dar continuidade ao trabalho. Recebida a autorização, os cientistas da Reserva de Segurança, ativaram a injeção do conteúdo do banco de dados armazenado no biocomputador do Centro de Emergências, pouco abaixo do lobo temporal esquerdo, como indicava o manual. Logo a seguir, a cápsula de desenvolvimento foi aberta. Injetores de oxigênio, conforme o protocolo, foram ativados junto às vias aéreas do recém-nascido. Um arfar vigoroso acabou por dar início ao processo de respiração, que passou a ser espontâneo. Às 26 horas e 12 minutos, hora local, o doutor Adam Crossworth, finalmente, abriu os olhos.

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Após o período de readaptação corporal, necessário para a absorção e equalização da diferença etária, a mente do recém chegado estava perfeitamente acoplada ao seu novo ambiente. O corpo jovem, com cinco anos de existência e vinte e cinco de idade biológica, abrigava, então, a mente de um gênio de 89 anos que morrera há mais de três séculos.

A formação diversificada e eclética do doutor Adam foi importante para sua seleção entre milhares de possibilidades. Mas foi o seu perfil contestador, aliado ao histórico de lutas que empreendeu contra a implementação do Programa de Rearquitetura Humana, que determinou a escolha de seu material para ser armazenado.

Formado em genética e biocibernética, com doutorado em biofísica e filosofia, Adam Crossworth era, indiscutivelmente, a opção perfeita, naquele momento. Mas não fora assim séculos atrás. De qualquer modo, seu material genético fora preservado e caberia a ele protagonizar o programa Regen.

Após um período de conexão com um dos grupos de computadores do Centro de Pesquisas para receber as atualizações necessárias, ele estava pronto para o primeiro encontro de trabalho. Esta intervenção era indispensável, diante da defasagem do conhecimento tecnológico do recém chegado.

Logo depois, em frente ao grande espelho da ante-sala onde se realizaria a reunião com o Conselheiro-mor, um velho sorria para um corpo jovem. Como uma criança que ganha um brinquedo novo, Adam ria de seu próprio reflexo, sem saber bem a razão. Estava satisfeito com o que via e admirado com os avanços da ciência. Pensou em Jéssica. A expressão alegre deu lugar a um semblante fechado assim que a imagem daquela mulher veio a sua mente. Seu coração ficou apertado. Absorto e tentando entender sua nova condição, ele quase não ouviu o chamado para o início dos trabalhos. Herbert, um dos seus novos colegas, teve que buscá-lo pela mão.

A grande sala era clara e quase desprovida de mobiliário. Apenas uma mesa retangular, guarnecida por oito cadeiras, tomava o lugar. Parecia uma sala de hospital.

Os demais já ocupavam seus lugares. Adam e Herbert se acomodaram.

-Boa noite, doutor Crossworth, Seja bem vindo ao nosso grupo. – Disse o Conselheiro sentado à cabeceira. – Espero que tenha apreciado o retorno.

-Adorei a nova embalagem! – Exclamou o recém-chegado, em tom alegre.

-Sei que o senhor já recebeu várias doses de quantas de informação atualizada no Centro Biocibernético. Portanto, está atualizado em relação às tecnologias do nosso tempo. Sendo assim, poderemos ir direto ao ponto. O senhor foi armazenado mais pelos seus posicionamentos filosóficos do que por suas credenciais científicas. É evidente que se o senhor não fosse qualificado tecnicamente, de nada nos adiantariam seus impulsos, digamos, de humanos antigos...

Adam levantou a mão antes que o Conselheiro continuasse. O rumo daquele discurso não estava fazendo muito sentido. Ele já tinha recebido uma dose enorme de informações que iam muito além da sua expectativa em termos de evolução científica. Tais realizações ultrapassavam seus sonhos mais extravagantes com requintes de eficiência. Uma maravilha. A humanidade estava, portanto, num estágio sublime. Sua nova existência era uma prova disto. Mas algo não estava se encaixando corretamente naquela nova realidade, considerando o que dizia o Conselheiro.

-Não compreendo, senhor. É fato, já absorvi, que nossa civilização chegou a um estágio muito avançado, cientificamente falando. Ainda estou zonzo com toda a informação que recebi. Sinto-me, portando, um chimpanzé perto dos senhores. – Disse Adam, abanando a cabeça, confuso.

-Calma, doutor. Em breve tudo ficará claro. O objetivo deste nosso primeiro encontro é muito simples. Queremos ver se sua personalidade está preservada.

Depois desta última frase, o Conselheiro ficou em silêncio por alguns instantes, como a examinar seu interlocutor.

-É uma questão de dupla utilidade, meu caro. – Completou o anfitrião.

-Continuo sem compreender o objetivo. Pelo amor de Deus, sinto-me grato por esta nova existência, claro, mas não consigo alcançar o motivo desta reunião. O que querem de mim, afinal.

-Sua vontade, doutor. Suas fraquezas e necessidades são o nosso anseio. – Disse o Conselheiro, com um sorriso enigmático, - Quero, para ser mais específico, que o senhor trabalhe com a equipe do projeto Regen na busca do Terceiro Homem. Seus colegas estão inteirados da situação e poderão ajudá-lo. Por ora, estou satisfeito com o que estou vendo. Boa sorte, doutor.

Logo a seguir, o Conselheiro dirigiu-se a Herbert.

-Mantenha-me informado acerca da necessidade original.

Herbert assentiu com a cabeça, em silêncio.

O velho senhor se levantou da cadeira e abandonou a sala. Os demais também se retiraram, sem palavras. Herbert ciceroneava Adam, seria seu companheiro de alojamento. Atravessaram o longo corredor que dava acesso às acomodações sem trocar palavras. Foi um trajeto pequeno, diante do tamanho da dúvida no pensamento de Adam.

Conforme previamente combinado com o grupo de trabalho, Herbert faria companhia ao novo colega por dois dias, para colocá-lo a par dos acontecimentos. Depois disto, Adam teria um tempo sozinho para despertar a necessidade original.

Foi uma noite longa para o recém nascido. As horas pareciam se arrastar. Assim que o dia começou a despejar seus primeiros raios de luz sobre o Centro de Pesquisas, Adam se pôs de pé. Sacudidas fortes acionaram Herbert. Não havia nem condição de protestar diante de tamanha determinação. Seu companheiro queria ver tudo. “Acho que não há nada pior do que um velho em corpo de menino”, pensou Herbert, com cara de bateria descarregada.

A refeição da manhã foi feita as pressas e Adam praticamente empurrou seu guia para fora das dependências do CPG. O veículo de transporte foi a primeira surpresa, mas não a maior. Sem rodas, volante e motorista, o carro flutuava sobre um campo magnético e deslizava com suavidade. Cabia ao passageiro apenas dizer para onde queria ir.

-Shopping do Parque Central. – Disse Herbert, assim que se acomodou no assento.

O veículo cruzou a porta do estacionamento subterrâneo em poucos segundos, descortinando uma paisagem impensável para Adam. Um relevo irregular, cheio de pequenas montanhas e crateras oriundas de impactos de meteoritos, em tons que iam do amarelo ao ocre, davam um ar sinistro ao lugar.

-Onde estamos? – Perguntou, boquiaberto.

-Titã, reconhece?

-Como reconhecer? Nunca estive aqui!

-Você nasceu aqui, Adam. – Disse Herbert, sorrindo.

Adam entendeu a brincadeira, porém, queria respostas sérias. Tudo aquilo era muito novo para ele. Incluindo a vida.

-Não é a Terra! Onde estamos?

-Olhe para o céu, Adam! Posso chamá-lo assim?

-Claro! – Disse Adam, olhando para um céu completamente escuro em pleno dia.

O espetáculo era grandioso, principalmente para quem estava ali pela primeira vez. O céu, como um fundo completamente negro, evidenciava a beleza dos corpos celestes. As outras luas e os anéis eram magníficos, mas o mais impressionante era o planeta. Ficou evidente para Adam o lugar onde estavam. A cor do céu também passou a fazer sentido. A atmosfera tênue de Titã não oferecia as mesmas possibilidades de difusão de fótons da camada gasosa da Terra.

Herbert acompanhava atentamente as expressões do companheiro, ele próprio já tinha passado por momento semelhante há algum tempo.

-Sem dúvidas, estamos em uma lua de Saturno. Mas como podemos caminhar fora das instalações?

-Titã foi escolhida para abrigar o projeto Érebus justamente por apresentar uma atmosfera mais consistente. A questão mais trabalhosa estava em ajustar esta mistura de gases de modo a permitir a vida como conhecemos. Originalmente o nitrogênio prevalecia. Contudo, a abundância de gelo nas calotas polares oferecia o material necessário para o ajuste.

-Uma hidrólise descomunal. – Disse Adam, em tom de brincadeira.

-Exatamente. Quebrar as moléculas da água era fácil, o problema estava na quantidade necessária. Mas, com o advento dos reatores de antimatéria, tudo se tornou possível.

Continua ...

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O S Berquó
Enviado por O S Berquó em 06/12/2012
Reeditado em 06/12/2012
Código do texto: T4022646
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