Expresso Transcroniano - Parte 10
*** Banquetes Ilegais ***
Após se convencer plenamente do caráter sintético daqueles bifes vindos do futuro, o vagão de carga se tornou fonte inesgotável de delícias para Leonardo! Seu vegetarianismo não estava necessariamente no sabor, textura ou aroma das carnes. Inclusive circulava por aí um livro seu de receitas, entre tantas outras habilidades do gênio, no qual vários tipos de carnes eram ingredientes principais. Não, seu vegetarianismo era muito mais por princípios, ele não rejeitava o produto protéico final, e sim o sofrimento de seres conscientes envolvido no processo de obtê-lo. Uma vez tendo compreendido que nenhum animal fôra sacrificado na obtenção daquelas peças orgânicas, que elas foram, por um maravilhoso domínio técnico do ser humano, criadas em laboratórios, nada mais o impedia de consumí-las. E seu companheiro clandestino aceitava de bom grado a inventividade do novo amigo mestre-cuca!
Tinha mesmo todas as características do gênio inquieto aquele tal Leo da província de Vinci! O volume de rascunhos que ele produzia por minuto não deixava negar! Reparou rápido que ele era canhoto. O fato dele escrever da direita para a esquerda, mesmo usando alfabeto latino, na verdade passou despercebido para o clandestino. Ele nem estranhou, pois de onde vinha era mesmo esta a convenção padrao de escrita. E do pouco que conhecia do alfabeto latino (inexistente em sua era natal), uma das características que lhe escapava completamente era o sentido de sua escrita. Leonardo escrevia da direita para a esquerda? Oras, mas não é este mesmo o sentido de escrita usual, pelo que ele conhecia?
- Leonardo? É este o seu nome, não é?
- Meu amigo! Obrigado por me apresentar a estas carnes futuras! Qual é mesmo seu nome? Já me disse?
Não, ainda não dissera. Nem pretendia fazê-lo. Tentou desviar-se da situação constrangedora. Não confiava ainda tanto assim nele a ponto de entregar logo o jogo!
- Autômatos de metal... isto está bem além de sua época, não é? - se esforçou por se expressar em Latim, a língua universal dos que nasceram nos séculos 14, 15, 16... O sotaque ainda era bem pronunciado. Mas descupável, já que a língua nem era ainda consolidada em sua época natal!
- Viajo para o futuro, vejo que são possíveis, e faço de tudo para acelerar seu desenvolvimento! Dou a minha parte! Me entrego à idéia.
- Deve ser bem difícil, "professor"! - o termo lhe escapou sem querer, espontâneo! - Ter este monte de idéias, e viver numa época em que é incapaz de concretizá-las... Por que você...
- Vai em frente, amigo! - encoraja Leonardo.
- Já pensou em se mudar definitivamente para o futuro? Em viver lá? Numa era onde pode concretizar todas as suas invenções sem freios?
- Não adianta! Sempre estaremos presos à nossa época natal, meu caro... Caro quem mesmo? - tentou mais uma vez Leonardo fazer o novo amigo se apresentar.
"É um nome comum! Tanto faz eu revelar... Como pretendo fazer novos amigos sem ao menos lhe revelar meu nome?" E foi com isto em mente que o clandestino disse:
- Judas!!! Pode me chamar de Judas, amigo Leo! É um prazer conhecê-lo!