Quando as estrelas começarem a cair

Sanek Mir Daton prometera aos filhos durante meses que iria retomar as aulas de astronomia - quando tivesse tempo. O tempo andava escasso, ele tinha que admitir, particularmente depois que havia terminado o relacionamento com a mãe das crianças e se mudara para outra cidade. Mas, finalmente, o momento havia chegado: ele colocara os dois rebentos no seu velho aeromóvel e rumara para o topo de uma meseta no meio do deserto de Padozan, mais de 200 km de distância da cidade mais próxima.

- A luz refletida no céu pelas cidades atrapalha a observação das estrelas - explicara para a ex-mulher antes de partir.

O topo da meseta havia sido um local de culto dos Kikaiq, mais de 10 milênios atrás, e ainda haviam ruínas de antigos templos de arenito, estátuas gigantescas com corpos humanoides e cabeça de animal, e estradas de paralelepípedos que não levavam mais a lugar nenhum. Sanek Mir escolheu o centro de uma praça circular, circundada por colunas avermelhadas, para montar o acampamento.

- Aquele prédio redondo é um antigo observatório Kikaiq - explicou Sanek Mir para os filhos, Colia e Naha. - Antes que escureça, vamos subir até lá e imitar os antigos astrônomos.

Subiram por uma escada de pedra em caracol até o terraço do antigo observatório, levando um cobertor grosso e um aquecedor portátil para espantar o frio da noite. O sol central do sistema se pôs pouco depois e o céu encheu-se com estrelas incontáveis. O planeta não tinha lua e o segundo sol só nasceria umas quatro horas-padrão mais tarde.

Deitados sobre o cobertor, o pai ao centro, os Mir Daton olhavam para as estrelas que faiscavam acima deles.

- Onde é o Golfo de Nenya, pai? - Perguntou a pequena Naha Mir.

- É aquela área escura ali no meio, está vendo? - Apontou o pai. - Redonda e com poucas estrelas.

- Por que tem menos estrelas ali?

- Na verdade, existem muitas estrelas ali, mas não podemos vê-las. O Golfo de Nenya é uma nebulosa escura... como uma nuvem de fumaça preta, que encobre tudo o que está por trás dela.

- E a gente pode ir até lá e ver o que tem do outro lado? - Quis saber Naha Mir.

- Sim, do outro lado fica o Império Q'til. Talvez um dia possamos viajar até lá...

"Se os Idirans permitirem, é claro", pensou Sanek Mir.

- Pai, estou vendo uma estrela se mexer - disse Colia Mir, muito sério.

- Onde... ah! - Sanek Mir sentou-se no cobertor e olhou para o ponto brilhante que cruzava o céu.

- Outra ali!

- Mais uma!

- As estrelas estão caindo, pai? - Perguntou Naha Mir, assustada.

- Não são estrelas... - começou a dizer Sanek Mir.

No oeste, o horizonte iluminou-se com um clarão alaranjado. E ele sabia que não era o segundo sol que estava nascendo.

[20-11-2012]