Noite feliz
– Mariah está grávida!
A notícia caiu como uma bomba na mansão dos Cintra. Família de educação severa e tradição com lastro na nobreza lusitana, mantida a ferro e fogo pelo irredutível Barão Alcântara de Cintra. Patriarca e controlador do fabuloso império econômico da família, que tinha negócios que se estendiam das comunicações à indústria aeronáutica.
– Mãe solteira! A desmiolada está grávida – espumava o Barão. – Esse filho não pode nascer Pedro! Sua filha não vai jogar na lama o nome de meus ancestrais. Sempre vi em você um pai fraco! Eu lhe disse para ser mais firme com sua filha. Veja no que deu sua liberalidade!
Apesar da aparente frivolidade, Mariah se manteve firme na decisão de ter o filho. Atitude que foi tomada como provocação pelo avô, dominador. Isso fez piorar o clima na mansão. Os atritos se intensificaram, trazendo dor e sofrimento para a moça. Quando a situação se tornou insuportável, para proteger o bebê que se formava em seu ventre, Mariah, magoada com a reação do avô e a impotência do pai, deixa o seio da família e parte em viagem para o estrangeiro. Em seu exílio, longe da tormenta familiar, as dores da jovem são pela solidão e a saudade de seu amado. Da solidão ela se confortava conversando com o filho que crescia em suas entranhas. Do amor distante, ela revivia os momentos felizes, deixando fluir as imagens gravadas na memória...
A partida de Mariah arrefeceu a ira do Barão, que, vendo afastada a possibilidade de escândalo, conduziu, com mão firme, a volta da rotina à mansão. Contudo a normalidade durou pouco. Nuvens de verdadeira tempestade se abateram sobre a família, agora sob a forma de uma terrível doença que acometeu Pedro, o pai de Mariah e único filho do Barão Alcântara de Cintra. Debalde as vultosas somas despendidas em sofisticados tratamentos, a saúde de Pedro definhava. Equipes médicas foram trazidas dos mais adiantados países, sem, contudo, lograr qualquer sucesso. Afastada desse torvelinho, sem ter conhecimento do estado do pai, Mariah passava longas horas distraindo-se, através da vidraça da janela, com o brilho dos milhares de pequenas lâmpadas que enfeitavam a cidade, anunciando as festas de fim de ano. Também na mansão dos Cintra, como todos os anos, as luzes foram instaladas, mas, por ordem do Barão, eram mantidas desligadas em sinal de tristeza pela morte iminente do filho, esperada para qualquer momento.
Numa noite, a poucos dias do Natal, o Barão abatido, sentindo esvaírem-se as esperanças, conversava com um médico da equipe que cuidava de seu filho, quando uma serviçal entra no aposento com um aparelho telefônico na mão e anuncia uma ligação internacional de Mariah.
– Desligue imediatamente esse telefone! Não quero que atendam ligação dessa desmiolada, que insiste em desonrar esta casa!
– Mas ela disse que é importante Senhor Barão, e que precisa falar com o pai.
– Então, ela sequer sabe em que estado se encontra o pai? Desligue!
– Ela está em um hospital, Senhor, e disse que está em trabalho de parto. Seu bisneto vai nascer!
– Espere, não desligue! – interrompeu-o o doutor. – Por que não me disse que seu filho ia ser avô, Barão? Isso muda tudo e pode ser a salvação para ele.
Após as explicações do dono da casa, o médico disse-lhe que, havia muitos dias, sua equipe pesquisava bancos de células em todo o mundo, procurando Células-Tronco compatíveis com as de Pedro e que havia grandes chances de elas estarem no cordão umbilical do filho de Mariah e que, mesmo estando esse tipo de tratamento ainda em desenvolvimento, gostaria de aplicá-lo em Pedro, como uma última tentativa. O material foi utilizado e os resultados começaram a surgir imediatamente.
Embora o clima de animação começasse a ressurgir na mansão, com a prodigiosa recuperação de Pedro, as luzes de Natal ainda permaneciam apagadas. Questionado sobre o assunto, o Barão apenas se limitou a dizer que elas seriam acesas no momento certo. E assim foi. Era Noite de Natal, todos estavam no jardim, quando os grandes portões de ferro se abriram e, de um carro estacionado, desceu Mariah com o filho nos braços. Então, sinos repicaram e as luzes se acenderam com toda a intensidade para iluminarem uma feliz Noite de Natal, noite de paz e reconciliação.