Expresso Transcroniano - Parte 7
*** Terrores de uma linha paralela ***
H. G. Wells ainda não se cansara de olhar, lá fora, as maravilhas de um tempo correndo acelerado para trás. Em meio à penumbra do céu, um arco solar ligando o leste ao oeste piscava sem parar, contando sobre a rápida transição atual entre dias e noites. Naquele retroceder acelerado, tratava-se obviamente do sol descrevendo a sua trajetória diária numa velocidade inimaginável. E o bambolear do arco solar, se movendo para norte e sul sem parar, certamente descrevia o correr das estações, o efeito do eixo inclinado do planeta ao longo dos anos, que na velocidade vertiginosa do trem passava atualmente em pouco menos de 1 minuto. Ele não conseguia parar de se adimirar com a precisão de suas previsões!
Ninguém esperava por aquele solavanco. Logo ficou claro se tratar de outro trem, avançando em direção oposta, mas numa linha paralela próxima demais, desafiando todas as regras de segurança! De onde vinha? Tão próxima, certamente não obtivera uma aprovação oficial para construção! Vinha de uma linha histórica alternativa, não controlável? Andrew Harlan freou imediatamente o comboio, causando caos! H. G. Wells não reconheceu o símbolo estampado nos vagões daquele trem, em alta velocidade vindo da direção contrária. Nem poderia: apesar de milenar, não era um símbolo muito difundido em seu tempo. Mas Einstein o reconheceu rápido, apesar da velocidade estonteante do trem cruzando a linha paralela: eram suásticas!!
- Já passou o perigo, gente! Já passou... - veio Harlen pessoalmente tranquilizar os passageiros. - Devemos ter nos desviado em algum ponto da linha. Óbviamente saímos da linha história convencional, mas logo vamos retomar a viagem...
- Era um trem nazista, não era, caro condutor? - perguntou Einstein.
- Não compreendo, meu caro...
- Albert Einstein! Físico do começo do século XX.
- Realmente não me lembro de nenhum...
Einstein percebeu que não era a melhor hora para continuar se escondendo. Abriu o jogo:
- Venho de outra linha temporal, Harlan!
- Mas... como pôde ser? Como passou pela fiscalização?
- Tenho autorização dos Controladores Temporais. Era importante demais a mudança histórica que provoquei. Cedo demais, infelizmente! O mundo não estava preparado para ela ainda.
- Certo, senhor...
- Albert Einstein!
- Einstein... Judeu?
- Naturalizado alemão.
- Entende que preciso conferir esta autorização que mencionou.
- Certamente! Eis ela aqui... - apresenta um cartão ao condutor.
Harlan confere. As assinaturas digitais dos dirigentes do tempo eram inquestionáveis! "Autorizado a transferir conhecimentos sobre energia atômica, adiando descoberta para o século XXI"
- Qual é mesmo sua época natal, Dr.Eintein? És doutor, se não me engano...
- Desenvolvi a teoria no começo do século 20.
- Impressionante! Energia atômica descoberta no começo do século 20? Nem imagino as consequências de uma descoberta tão precoce! O mundo ainda não estava pronto para ela nesta época...
- Este trem que acaba de passar por nós, caro Harlan, é prova de que não desistiram de buscá-la!
- Estes tais... nazistas? - Harlan puxou pela memória, mas definitivamente nunca havia ouvido falar deles em suas aulas de história. Ao menos não em sua linha alohistórica.
- Ah, caro Harlan! Como invejo sua linha alohistórica por isso! A propósito, onde estamos agora? Digo, em coordenadas X, Y, Z e T.
Tentou se guiar pela janela. A planície desolada lá fora nada lhe dizia, e se rendeu, recorrendo ao seu GPTS portátil (sigla de Global Positioning and Temporal System).
- Polônia, Dr Einstein. Em meados de 1943.
- Poderia ser mais preciso? Em termos espaciais, quero dizer! Nos eixos XYZ...
- Birkenau.
- Auschwitz 2, meu caro! Aquele trem provavelmente levava judeus e ciganos condenados a execução nas câmaras de gás...
- Mas... por que alguém faria isto, meu caro Einstein?
O cientista olhou com tristeza nos olhos do maquinista.
- Ah, meu caro! Que inveja tenho de você por ter nascido numa linha histórica em que nada disso aconteceu...
- Não podemos ficar aqui de braços cruzados, sem fazer nada! - era Isaac Asimov se levantando indignado. - Ouvi falar desta história alternativa lá no futuro, mas até agora nunca havia acreditado que ela fosse real. Aconteceu mesmo, não aconteceu, Dr Einstein?
- Lamento que sim, Dr Asimov...
Harlan abriu a porta do vagão.
- Existe uma bifurcação lá fora. Mas...
- Que estamos esperando? - Asimov estava exaltado. - Vamos atrás deles! Evitar esta tragédia!
- Temo que... - Harlan examinou rápido os trilhos. - As bitolas são diferentes! Não podemos seguir pela linha paralela...
- Diferentes?
- A bitola paralela é métrica, separadas em 1000 milímetros. O expresso segue a bitola internaconal, de 1435 milímetros. Lamento...
Isaac Asimov não estava disposto a desistir.
- Imagino que o trem seja adaptável, não é?
- Apenas a locomotiva. Não seus vagões...
- Deixemos aqui os vagões! Persigamos com a locomotiva esses assassinos!
Um murmurinho de aprovação indicava que os passageiros concordavam com a idéia.
- Seria uma interferência histórica que não sei se estou autorizado a...
- Eles vão morrer, Harlan! - Einstein foi bem enfático! - Sacrificados como animais... - se corrigiu, pensando melhor. - Não! Nem animais mereceriam tal tratamento!
Harlan não compreendia aquilo tudo. Realmente o mundo estava à beira do caos quando uma estação do transcroniano foi fixada em Paris no ano de 1899. Chegara na época certa! Uma Guerra Mundial parecia iminente, mas toda aquela promessa de futuro pacífico mudou completamente a história do mundo! A humanidade poderia chegar à Lua (isto ainda não havia acontecido na linha alohistórica em questão), poderiam conquistar o espaço, poderiam curar doenças que consumiam vidas há milênios! E a promessa de unir o mundo numa enorme comunidade onde extremos opostos do planeta poderiam se conectar em milisegundos? Isto dissolveu qualquer sentimento egoísta e mesquinho de formar "nações soberanas", o desejo imbecil de dominar seus semelhantes. Um mundo novo surgia diante dos olhos de uma humanidade incrédula, na forma de uma locomotiva a vapor prateada.
- É arriscado, meus caros! Podemos nos perder nesta bifurcação histórica alternativa! Nunca se tentou nada parecido...
- O risco vale a pena.
- Quantos devem estar nos vagões que vimos?
- Uns 100, 200, 500...
- Fará diferença, Dr Einstein?
Ele pensou bem. Milhões de executados, foi o estimado depois, não é? Que diferença faria mesmo salvar uns, na melhor das hipóteses, 500? Concluiu enfim:
- Fará muita diferença para ELES, meu caro!
Com a aprovação da maioria dos passageiros, Harlan desengatou a locomotiva, ajustou sua bitola e tomou aquela bifurcação alohistórica alternativa, tentando salvar aqueles condenados... Einstein e Asimov o acompanharam na locomotiva.
*** CONTINUA ***