Caçador de ratos

CAÇADOR DE RATOS


Ano 2175. Os seres humanos vivem em edifícios com trezentos apartamentos, a estrutura familiar foi quebrada. Primeiro o governo, depois dos 12 bilhões de habitantes, proibiu a reprodução. Indivíduos que recebiam castração química, ou esterilização eram beneficiados da seguinte maneira: os castrados recebiam a chefia dos COMUNAS, que era uma espécie de milícia que andava pelo setor 7. Eles não poderia mais copular com fêmeas, mas receberiam casa, comida e um certo conforto, além do transporte para a zona rica uma vez por ano. Os esterilizados, poderiam ter fêmeas prostitutas da zona 9. As Fêmeas, caso elas não morressem, eram transportadas para Agamenon – centro religioso, controlado por Juarez Espósito, bispo eterno de nosso senhor, ou então era usadas como prostitutas.
Dos quase treze bilhões de habitantes do planeta, a Zona 7 sozinha, tinha oito milhões. A quantidade de matéria proteica que alimentavam essa quantidade de pessoa tinha chegado a níveis críticos, sobrando apenas como alimento os roedores que viviam nos esgotos. O governador da Zona Sete, o Comuna Alexandre, criou por decreto a função caçador de ratos, a qual depois de anos na clandestinidade foi legalizada. O cinismo dos Comunas, que a partir do ato de Alexandre, se tornaria legal, foi a criação do imposto: cada quatro ratos capturados, um seria dos Comunas.
Lucas acordou em seu apartamento 1358, um cubículo quatro por quatro, com uma janela, que dava para o fétido beco treze. Ali havia uma cama, um fogão e um banheiro. Há mais de vinte dias a água não chegava naquela região, e quando chegava, era água de péssima qualidade dos revendedores piratas. Apenas os canibais de fora da Zona 6 tinham água limpa. Mas a moeda deles era muito cara, carne viva e fresca.

Lucas tinha que andar até a fronteira da Zona 8, vinte quilômetros, ou comprar água reciclada que, além de ser cara, tinha gosto de urina. A vida estava se tornando muito difícil. O rapaz não via ninguém do sexo feminino há dias. A maioria dos homens procurava por prostituição da Zona 9. Às vezes ele também fazia isso. naquele dia teria que sair para caçar, pois era o dia do imposto e dois Comunas viriam pegar os três ratos do imposto. O Problema era que estava difícil caçar os ratos, uma vez que a concorrência era muito grande.
Ele tinha uma pistola trinta e oito e um arco e flecha feitos por ele mesmo. Os ratos estavam escassos. Existiam muitos caçadores legalizados, além dos homens azuis, que os Comunas tornaram ilegais e estavam restritos à Zona 10. Somente estas pessoas podiam caçar lá.
Quando Lucas nasceu, há trinta anos, aquele foi o ano quando os ricos se aglutinaram e a noção de nação, país, etnia foi abandonada. A separação foi feita de forma criteriosa, pelo tamanho da riqueza. Ficamos separados definitivamente, ricos e pobres. Com o fim do capitalismo, no formato que se conhecia no século vinte, nasceu uma nova nobreza. Esta foi uma junção entre os juízes, políticos, o exército e os chamados super ricos. Nessa época foi criada a zona especial, com tudo que essa nobreza queria. Um forte esquema de segurança, protegia a Zona rica, ou como fala Zenon, Zona 1.
Lucas carregou a arma com as seis balas, que recebera do Comuna pelo seis ratos que pegou em um dia de boas caça. Esse Comuna levava os ratos para a casa dele, onde mantinha uma amante escondida. Quando Lucas ficou sabendo disso, achou que poderia ser um trunfo, pois Comunas não podiam ter mulher dentro da Zona 7. Comunas azuis se quisessem teriam que ir para zona 9.

A arma era para sua defesa pessoal, pois os canibais, restritos à Zona 6, invadiam a Zona 7 para caçar humanos saudáveis. Lucas então teve que matar dois deles. A arma salvara a sua vida pelo menos duas vezes. Seu estoque de balas agora somavam cento e vinte e ele as guardava em um esconderijo debaixo da privada. Sempre que ia caçar carregava a arma com seis balas, mas só a usava para matar ratos em situações de emergência, como agora, apertado que fora pelo Comunas, para pagar o imposto.


Não era seguro sair sozinho pela Zona 7, pois havia ladrões, assassinos e canibais. Quando saía para caçar ratos sempre esperava seu amigo Zenon. Este morava no mesmo andar que o seu. O amigo vivia sozinho, apesar de sempre ouvir barulhos de mulheres lá no apartamento 1356 e risos de Zenon.


Zenon era mais velho e sabia como tinha sido o mundo antes da fusão.


– Era a mesma merda, só que agora os nobres deixaram a máscara cair.


Zenon ainda tinha livros e lia coisas antigas. Além disso, traficava ICAN, uma droga que dava paz de espírito por trinta segundos e que tinha milhares de viciados. Lucas fazia a proteção de Zenon nas entregas. Era perigoso, mas só caçar ratos não o mantinha vivo. Ele precisava da companhia de Zenon, do dinheiro extra para água e mulheres e ainda havia a sua medicação para epilepsia a qual custava caro.

Vamos – disse Lucas pegando o arco e flecha.

Tem outro jeito? Eu, magnata das drogas, preciso fingir que caço ratos, eca! Se não os Comunas descobrem o meu negócio.

Lucas já tinha usado a sua dose de ICAN, mas parou. A droga o deixava muito lento, e tinha gosto muito ruim. Ninguém sabia sua origem. Diziam que no templo Agamenon usava-se livremente uma droga mais forte e de gosto melhor. Na Zona rica as pessoas ficavam no sofá se injetando coisa muito pura, e aquilo reduzia a vida a uma festa diária.

Às vezes Lucas sonhava em se tornar sacerdote pelo menos, mas a vida na Zona 2 era considerada perigosa para homens. Talvez o melhor fosse manter a esperança de conseguir o seu passaporte para a Zona rica, o qual custava milhões, mas era o que mantinha, tanto Lucas quanto Zenon, vivos.

Chegaram ao solo e viram duas pessoas conversando. Quando Zenon se virou para pegar as bicicletas, Comuna pegou o seu braço. Era um homem de cabelos compridos e com três armas. Imediatamente ele puxou as algemas para colocar em Zenon.

Onde pensa que vai traficante? Em nome da autoridade a mim conferida, você está preso.

Aquele era um dos Comunas castrados. Eles vestiam um uniforme vermelho e todos falavam do rigor com que desempenhavam a sua função. Considerados justos, porém maus, tinham uma pele vermelha curtida pelo sol e um olhar maligno.


– Sou caçador, vou caçar ratos. O que está fazendo?
– Não vai não, hoje você vem comigo – Mostrou uma das prostitutas da Zona 9, segura por outro Comuna verde. Este era um homem baixo, careca, usava um sinto de balas no peito e segurava a prostituta com uma única mão. Ela provavelmente havia dedurado Zenon.
Os Comunas vermelhos recebiam treinamento militar completo, além de ser imunes aos telepatas, um implante cerebral impedia a penetração do telepata na mente do Comuna vermelho.
Lucas sabia que esse dia chegaria. Tinha jurado proteger Zenon e agora precisaria matar os dois Comunas. Se matasse, as câmeras de segurança, que ficavam por toda parte gravariam a cena. Ele seria visto, e sua vida no Zona 7, seria incompatível.

Para onde iria? Não havia lugar para fugir, e fugindo nunca mais teria chance de entrar na Zona rica por meios legais.
Atirou no primeiro Comuna na testa e no segundo acertou a lateral da cabeça.
Olhou para o veículo de transporte dos Comunas. Era um carro azul e havia uma menina loura dentro do veículo. Zenon puxou o braço de Lucas.
– Vamos! Dentro de cinco minutos isso aqui vai estar cheio de Comunas.
– Tem uma mulher dentro do carro.
– Lucas, vamos deixe ela aí. Já tem complicação suficiente.
Lucas foi até o carro. A partida do veículo era dada com a digital do Comuna vermelho. Então ele foi até ele e cortou a sua mão com a faca de caçador que estava na cintura.
– Não me diga que você vai pilotar um carro de Comuna. Eles vão entregar todos depois de devidamente esfolados, aos canibais.
Lucas olhou a mulher. Era uma sacerdotisa de Agamenon e tinha olhos azuis. Sentiu um bem estar como nunca tinha sentido antes. A beleza da sacerdotisa era genuína. Lucas nunca havia visto nada igual. De repente toda a sua vida sem sentido passou a ter sentido. Dentro de sua cabeça ele escutou: ”você é um homem bom, Lucas”.
– Zenon, você vem ou não? – perguntou ligando o carro.
Zenon pareceu estar em dúvida, mas acabou dizendo

Merda, os Comunas vão matar a gente de uma forma ainda não pensada no mundo.
O nome da jovem sacerdotisa era Michele, do templo Agamenon. Ela havia fugido do templo, pois Juarez ESPÓSITO a tinha escolhido para ser uma de suas esposas. Além disso, castrara seu irmão Túlio para que a vigiasse a futura esposa e servisse na guarda. Apesar da violência com o irmão, ela tinha sido uma esposa cordial, até que Juarez passou a confiar demais na esposa, enfeitiçado que estava pela sua beleza. Com a ajuda do irmão, arquitetou o plano de fuga, mas o irmão morrera detendo o avanço dos guardas de Juarez. Entretanto, ela conseguiu escapar. Não foi longe, porque os Comunas vermelhos eram imunes a sua habilidade de telepata.
– Onde eles estavam levando você? – perguntou Lucas
– Para Juarez. Ele estipulou uma recompensa.
Zenon, que estava escutando tudo calado, perguntou.
– É grande essa recompensa?
– Dez anos de alimentos frescos.

Neste momento a sacerdotisa olhou para Lucas com simpatia e disse:

talvez um passaporte para Zona rica.
– Muito boa recompensa. Você acha que pode confiar em mim e no meu amigo Lucas?
– Em você não, mas nele sim – apontou para Lucas.
– Como você sabe disso?

Zenon estava enfurecido, como aquela menina julgava bem o caráter?
– Sou uma telepata – disse ela olhando para Lucas. – Você nasceu no ano da “junção” não foi?
Ele balançou a cabeça, afirmativamente e falou:

Sacerdotisa, você tem que trocar de roupa, cortar o cabelo e usar um boné,. Se na Zona 7 os homens souberem que tem uma mulher circulando, com todo respeito para com a sua beleza, teremos problema.
– Sérios problemas – resmungou Zenon.
Pararam em uma estação de transporte. Lá existiam banheiros públicos e quase não tinha fila. O problema na Zona 7 é que tinha fila para tudo. Deixaram o carro azul e olharam na TV o noticiário. Quase todos os Comunas da Zona 7 tinham apenas uma prioridade: os três fugitivos, sendo que Lucas seria tratado como assassino de Comunas.

A morte de um assassino de Comuna foi inventada pelos chineses: milhões de cortes de gilete no corpo, depois o individuo era dependurado de cabeça para baixo e deixavam-no lá sangrando até a morte. Depois disso, seu corpo era liberado para os canibais “desossrdores”, que eram os mais famintos e viviam na Zona 5.
Zenon deu um telefonema. Um homem alto apareceu trazendo roupas e com uma tesoura improvisada, cortou o cabelo de Michele. Daí os três decidiram passar pela zona de prostituição. Zona 9. Ficariam por lá escondidos por um período. Zenon tinha um contato naquele lugar, mas quando viraram a esquina para seguir o caminho para zona 9, os canibais estavam por toda parte. O líder deles, Igor, falou sem tirar os olhos de Michele.
– Pessoal, diga olá para a sua comida?
Zenon sabia que Igor, o líder dos canibais, era difícil de ser passado para trás. Ele queria apenas saciar o seu apetite, mas, mesmo assim, tentou suborná-lo.
– Igor, seja razoável – disse Zenon tirando de sua mochila uma quantidade de ICAN.
– Zenon, Zenon, Zenon, seu filho da mãe,você é mesmo um sem noção – disse Igor olhando para Michele. – Sabe que isso faz mal para a saúde, além do mais você sabe que eu gosto mesmo de carne fresca.
Um raio de luz azul partiu a cabeça do canibal como uma faca afiada. Sua cabeça rolou para a sarjeta, depois o corpo caiu de joelhos.
– Juarez Espósito – disse Michele – agora é o nosso fim. Se eu pudesse matava esse desgraçado, mas o meu irmão caçula ainda é refém dele.
Naves redondas pararam no céu nublado da zona sete e naquele momento nada podiam fazer. O fim estava próximo e Michele sabia disso.
Zenon pegou a arma e segurou no pescoço de Michele.
Um homem alto, com uma vestimenta branca, cabelos negros bem aparados, penteados para trás, desceu da nave central.
– Então você está aí. Minha querida Michele.
– Fomos nós, eu e meu amigo Lucas que o capturamos para você. Agora queremos nossa recompensa – disse Zenon.
– Sim, então terão a minha recompensa.
Alguma coisa invadiu a sua cabeça e Zenon soltou Michele. Lucas puxou a arma e mirou na cabeça de Espósito. Michele, dentro da sua cabeça disse não, ele não deve morrer. Todos ficaram parados, presos pelo poder da telepata. Michele estava controlando todos. Sem comunas, ela poderia livrar a si própria e a seus amigos
– Só consigo manter esses homens hipnotizados por meia hora, por isso temos que fugir – disse Michele dentro da cabeça de Lucas.
Juarez olhou novamente, libertado do controle mental, pelo irmão mais velho de Michele. Neste momento um raio atingiu Lucas no peito. Ele caiu e estava ferido mortalmente. O raio viera da quita nave.
“Tem outro telepata aqui”. pensou Michele.
Era a nave de Plex, seu irmão mais velho, outro telepata.
– Plex, você me entregou – gritou Michele, sentindo a fraqueza do irmão.

Plex era considerado um homem azul, tinha uma doença incurável. Provavelmente Juarez Espósito encontrara Plex na zona azul, a zona das pessoas doentes, também chamada de zona 10. Foi quando comprou o seu apoio, deu conforto, mulheres e prometeu uma cura.
Lucas ferido, ainda podia ver Espósito. O poder de Michele havia acabado. Espósito começou a mover se, mas Lucas foi muito mais rápido, afinal ele caçava ratos. Foi neste momento que ele matou o seu ultimo rato.

JJ DE SOUZA
Enviado por JJ DE SOUZA em 01/10/2012
Reeditado em 19/08/2013
Código do texto: T3910934
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