Expresso Transcroniano - Parte 1

Os passageiros da estação olhavam fixo aquele portal circular misterioso. Sabiam que logo chegaria o comboio prateado, embora tudo o que viam dentro daquela abertura circular era breu absoluto. Muitos especulavam sobre como o trem chegava daquele portal. Alguns sugeriam que aquelas pareces cilíndricas além dele mantinham aberto um gigantesco buraco de minhoca, dentro do qual passava o comboio. Mas a maioria, mais inteirados das teorias físicas contemporâneas, sabiam ainda não haver provas de que poderia existir um buraco de minhoca estável com aquele diâmetro. Teria que ser um minhocão e tanto! Mas o consenso da maioria era de que se tratava apenas do bom e velho teletransporte mesmo... Na verdade não havia segredo algum nisso, mas as pessoas adoravam especular. Qualquer técnico da ferrovia, se questionado, responderia sem perda de tempo que aquele portal sem fundo era simples consequência do túnel fazer uma curva bem fechada no espaço-tempo ao se aproximar daquela estação. Nada mais além disso...

O comboio enfim chegou, arrastando consigo a fila interminável de vagões cilíndricos atrás dele. Um espaço seguro entre um vagão e outro, mantidos unidos apenas por força eletromagnética pulsante. A idéia do formato cilíndrico e da ligação magnética entre eles, a princípio excelente, se mostrou na verdade uma falha de projeto grosseira. Fazer os vagões girarem independentes sobre os próprios eixos para criar uma pseudo-gravidade nas regiões de gravidade reduzida pelas quais ele precisava atravessar em alguns trechos da linha? Idéia péssima esta... Eles precisariam parar de girar para os passageiros embarcarem e desembarcarem, não concordam? E que fariam os infelizes passageiros que, naquele momento, estivessem de cabeça para baixo? Se segurariam em suas poltronas até que os passageiros de baixo desembarcassem todos ou ocupassem os respectivos lugares? Divididos em três setores de assentos paralelos, os vagões de passageiros sempre partiam com 2/3 de suas capacidades. O terço restante era aquele que sempre ficava "no teto" quando o trem parava nas estações... Felizmente os vagões de carga, invariavelmente os últimos da fila, não tinham este mesmo problema: as cargas não costumavam reclamar da gravidade apontando para o sentido oposto ao normal.

Equilibrado no centro daquele longo túnel, seus vagões agora paravam aos poucos de girar à medida em que o trem ocupava a plataforma. Estabilizou, começou a descer, e as portas se abriram. Os passageiros da estação aguardavam pacientes que os outros saíssem dos vagões, antes de começarem a ocupá-los.

"Estação 22-01. Alienígenas, humanos modificados, híbridos e humanóides mecânicos, solicitamos que desembarquem nesta plataforma. Lembramos que a cada 15 minutos partem cápsulas de integração gratuitas em direção ao planeta Terra." Parecia inacreditável, mas em pleno século XXIII muita gente ainda tinha receios infundados quanto ao teletransporte, e preferiam se locomover entre a Terra e a Lua usando este tipo de veículo antiquado.

Andrew Harlan, o condutor, sempre costumava descer nesta estação para ver o movimento de passageiros entrando e saindo dos seus vagões. Era a estação de desembarque obrigatória para todas as espécies que não eram totalmente humanas. Ainda não se sabia qual seria a reação das pessoas de épocas anteriores ao ver toda aquela fauna humanóide de várias cores e tamanhos desembarcando. Temiam o choque cultural que isto poderia provocar. Mas exatamente por este motivo, era naquela estação mesmo que muitos passageiros, embarcando em suas primeiras viagens, tinham o primeiro contato em suas vidas com aqueles seres estranhos. E Andrew adorava contemplar as caras de espanto desses passageiros quando isso acontecia.

Aquele passageiro na sua frente já havia feito esta viagem uma dúzia de vezes, mas ainda assim se admirava com o desfile daquelas espécies exóticas. Andrew Harlan não podia deixar de comentar isto com ele:

- Tantas vezes o senhor já embarcou nesta estação e ainda se espanta com os aliens, Doutor Asimov?

- Ah, meu caro Harlan! De fato, não consigo deixar de olhar para eles! A vida toda sonhei com estes seres, e toda vez que chego aqui é como se eles saíssem de dentro da minha cabeça e criassem vida própria.

- Entendo como é, Doutor... Bom, eu estou acostumado. Cresci desde criança com eles.

- De quando o senhor é, a propósito? Acho que nunca perguntei...

- Nasci em meados do século XXVII. Não lembro exatamente em que ano. Viajando transtemporalmente a vida toda, a gente acaba se esquecendo destes detalhes. Mas devo ter uns 40 ou 41 anos fisiológicos, se é que já não me perdi nas contas...

- Entendo... Eu também costumo me "confundir" com estas coisas, mas por outros motivos, hehe. - riu o doutor, sempre procurando algum motivo para fazer piadas.

"Próxima parada estação 20-50. Queiram assumir seus lugares..."

- Depois nos falamos mais, Doutor! Precisamos partir agora...

- Lógico, Harlan! Andrew, não é?

- Andrew Harlan!

- Bom nome! Bom!!! Sonoro!!!

Andrew tentou imaginar o que se passava na cabeça do escritor.

- Me permitiria usar este nome no personagem que estou imaginando num próximo livro?

- Doutor!!! Eu me sentiria honrado com isto!

- Combinado então! - finalizou o doutor. - Seu nome vai aparecer na minha próxima obra!

Andrew estava radiante! Entrou com o rosto iluminado no trem condutor...

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Existia um segredo muito bem guardado no expresso transtemporal: sua curiosa metamorfose ao se mover pelo tempo! Ninguém sabia explicar como acontecia. Sabem aquelas mudanças que, se vocês tentam acompanhar, não conseguem, mas se esquecem delas, acabam ficando evidente? Era assim que o expresso se transformava. Suas formas se transformavam lentamente, os materiais de suas paredes, a disposição interna... O fato é que, sempre que chegava nas estações das várias épocas históricas, ele já havia se metamorfoseado para se adaptar a elas, se tornando parecido com outros veículos que existiam nas épocas em questão.

- Imaginei tais viagens, mas nunca pensei que elas seriam tão confortáveis assim... - disse Herbert particularmente para ninguém... mais para si mesmo.

- Nunca cheguei a tentar pensar nos detalhes de tais viagens no tempo! Mas... agora os vejo ao vivo! - comentou Asimov com seu companheiro de viagem.

- Posso... Ah, estou sem jeito de pedir...

- Fala, amigo!

- Posso ficar na janela?

Asimov se riu por dentro.

- Lógico, meu caro! Já fiz esta viagem várias vezes! Não tem nada de novo pra eu ver lá fora!

Herbert olhava radiante a luz caleidoscópica pulsando lá fora.

- Imagino que esta luz piscando sejam os dias e noites passando acelerados à medida em que voltamos no tempo, não é?

Asimov olhou para a figura, tentando se lembrar quem poderia ser. Não conseguiu identificar, mas o rosto lhe parecia familiar.

- Acredito que sim, meu caro! Mas acho que vai se tornar impercepitível à medida em que o trem for ganhando mais velocidade temporal. O céu lá fora deve parar de piscar logo e permanecer numa penumbra constante quando o trem atingir velocidades mais altas.

- Ah, que sensação boa é esta de descobrir que se acertou no alvo algumas previsões...

Asimov não conseguiu se conter:

- Amigo, é esta sua primeira viagem no tempo?

- Segunda, na verdade! A primeira me trouxe do fim do século XIX até o século XL. No momento estou voltando, mas agora parando em cada uma das estações para conhecer o mundo em várias épocas futuras.

- Que veio fazer aqui no futuro?

- Testar minhas teorias! Mas temo que a linha ainda não chegou tão longe quanto queria...

- Quão longe você queria chegar?

- Muito, meu caro!!! Muito, muito longe!

- Vem do século XIX, não é? E como ficou sabendo do Expresso?

- Logo depois que publiquei meu primeiro livro, sobre viagens no tempo. Lembro bem, era o ano de 1898. Um velho francês me bate à porta. Entra mancando (um acidente antigo, me explicou) e se apresenta como Jules Verne. Imagine só meu espanto ao descobrir isto!

- Conheceu Jules Verne? Eu também ficaria espantado! Nunca soube que ele conhecia o expresso.

- Conhecia. Falou muito de um livro que eu havia publicado a pouco tempo, "A Máquina do Tempo". E me perguntou: "Gostaria de ver uma máquina dessas de verdade?" Obviamente achei que ele se divertia às minhas custas, mas ele logo negou. Disse que queria ver em mais alguém aquela satisfação que ele mesmo sentira em ver realizada uma de suas previsões. No caso, as viagens à Lua, com a qual, pelo que entendi, ele estava particularmente envolvido naquela época.

Asimov tentou identificá-lo mais uma vez. Sem sucesso, tentou o caminho oposto:

- Prazer! Sou Isaac Asimov! Autor de ficção científica do século XX. Já ouviu falar de mim?

- Sinto muito, amigo! - disse Herbert tentando evitar qualquer indelicadeza. - Ainda nada conheço ainda do século XX. É minha primeira viagem...

- É escritor? "A Máquina do Tempo", você disse não é?

- Comecei recentemente. "Romances científicos", é como chamam os livros que escrevo...

- ...ficção científica? - interrompeu Asimov.

- Que termo excelente! - se admirou Herbert. - Explica muito bem aquilo que escrevo! Nunca havia pensado em descrevê-los assim...

- Que obra você publicou até agora, amigo?

- "A Máquina do Tempo" e "Ilha do Dr Moreu", por enquanto...

Isac Asimov não conseguiu segurar a surpresa?

- "Dr Moreu"?? H. G. Wells? Você é H. G. Wells?

- Assim meu nome foi publicado nos livros... mas...

Ele estava intrigado.

- Você me conhece de onde?

- De seus livros, meu caro!

- Destes dois? Mas comecei agora...

Asimov estava numa saia justa.

- Sabe que não posso te revelar mais que isso. Mas garanto que não serão os únicos! Virão outros, muitos outros!

Herbert estava radiante.

- Meus livros! Que ainda nem escrevi! Conhecidos no futuro?

- Me fale mais de suas previsões, meu caro!

Ele olhou pela janela. Estavam no meio de uma cidade. Sempre se transformando, voltando! Mas... estavam parados?

- Continuamos nos movendo. Seguindo uma helicóide orbital quadridimensional da terra girando e translacionando em torno do sol. Mas, do ponto de vista do ambiente ao redor, estacionados!

- Não entendo isso...

- Imagine um ponto de origem no centro de Londres, onde agora estamos. Estamos com nossos eixos XYZ em relação a esta origem invariáveis, enquanto nos movemos negativamente pelo eixo T. Neste trecho específico, a linha é perfeitamente ortogonal ao "semiespaço espacial" das vizinhanças, e paralela perfeita em relação ao deslocamento do eixo temporal. Por isso parecemos estar parados, observando apenas as mudanças temporais lá fora. Na verdade continuamos "descendo" bem rápido, mas apenas na direção do eixo do tempo...

Realmente era incrível ver as construções encolhendo e sumindo em segundos. Árvores diminuindo, ficando menores, sumindo, dando lugar a outras que surgiam de repente, recuperadas, garranchos de galhos caquéticos que vez ou outra surgiam ser dar aviso e se enchiam rápido de folhas, mudando rápido de cor com o passar das estações. Árvores que morriam, apodreciam e caiam rápido, mas vista a história rápida e contrariamente mudava totalmente de figura.

- Agora está bem parecido com o que imaginei! Variações no tempo sem que a máquina saísse do lugar. Só que na minha história a máquina avançava, e não regredia.

H.G.Wells admirava pela janela aquela viagem, orgulhoso da precisão de sua previsão do livro que publicara três anos atrás, antes de saber da existência do misterioso Expresso Transcroniano naquela época pela boca de Jules Verne. Infelizmente não tinha capacidade de dar atenção a dois eventos ao mesmo tempo. Por isso, admirado com as mutações que via lá fora pela janela do trem, não percebeu a mutação dentro do próprio vagão. A transformação gradual e imperceptível de um vagão futurista cilíndrico girando sobre o próprio eixo para um Maglev, trem de levitação magnética, típico dos meados do século XXI para onde agora se dirigiam.

- Desço na próxima estação, amigo... como se chama mesmo?

- Asimov! Isaac Asimov!

- Quero conhecer o mundo dos anos 2050 também! Espero que possamos nos ver de novo.

- Aproveite a viagem, amigo! Nos vemos de novo sim! E... procure pelos meus livros! Você vai gostar!

O Maglev, resultado da última metamorfose do comboio, desacelerava ao chegar perto da Estação 20-50.

*** CONTINUA ***