Voz de pato - Parte 7
- Namorados? A gente se conheceu hoje! O que ele quis dizer?
- Ah, vocês da superfície são tão lentos...
- E aquela cerimônia de união que seu pai começou, Nereida? Que foi aquilo?
Ela me sorriu. Um sorriso lindo!
- Você demora pra perceber as coisas, né? - me aponta uma construção, um tipo de "minicúpula geodésica". - Vamos lá! Você deve estar mais acostumado... e tem ár!!! - me piscou, com ár de gracejo.
Entramos por baixo daquela construção em forma de concha gigante. Subimos. Lá no alto havia um bolsão pressurizado de nitroheliox, e pude me desfazer da máscara. Nereida também emergiu. Vi que não estava confortável em respirar oxigênio "seco", mas se esforçava. Chegou até a tentar falar, apesar de ficar claro que não tinha prática nenhuma em coordenar respiração pulmonar com cordas vocais:
- Eu te amo! Te amo! - e o rosto vermelho mostrava seu esforço em modular fonemas no ár. Me fez o sinal para submergir. Repetiu então na linguagem de gestos: - Te amo, meu príncipe da superfície! E quero ter híbridos com você...
Não, eu devo ter entendido errado! Sim, era impossível ela ter me dito isto! Me enganei...
- Quer o que, Nereida? Não entendi muito bem o final da sua frase...
- Híbridos! Combinação genética de Homo Sapiens com Homo Aquaticus. Meu pai aprovou...
Não, não! Definitivamente minha compreensão daquele idioma estava mesmo bem equivocada. Mas ela continuava:
- Existe 70% de chance da combinação Homo Sapiens com Homo Aquaticus gerar um híbrido independente, mais evoluído, capaz de extrair oxigênio do mar. Sem precisar dos implantes.
- Combinando espécies diferentes? Isto não degenera os descendentes?
- Não somos espécies diferentes, seu bobinho! Os Homo Aquaticus são o Homo Sapiens com um gene primordial, normalmente inativo, reativado! Mas ainda não totalmente. Este chute artificial é impreciso, sempre foi! Nada substitui a seleção natural... Faltam elementos importantes, que a recombinação aleatória pode reativar...
- Calma aí! Calma aí!! - comecei a me sentir muito mal. - Você está me procurando como simples reprodutor, fornecedor genético para aperfeiçoar a própria espécie?
- Lógico que não! Que está pensando que sou, hein??
Levanta o dedo, para subirmos de novo à bolha de ár. E se esforça para falar:
- Só estou tentando juntar o útil com o agradável, querido!
Me abraça, envolve todo, e me arrasta para o fundo. Ah, me perdoem os que estavam esperando por isso, mas não sou capaz de fazê-lo. No fundo do mar? Sempre tenso procurando respirar, e ao mesmo tempo tentando não parar, prolongar o momento ao máximo? Nem vou tentar, sei que nunca vou conseguir descrever com perfeição como é a sensação de se fazer amor com uma sereia...
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Como prometido, Nereida me conduz até a piscina de ascesso 235-Y de Aqualung-15. A beijo com ternura. Lógico que nos veríamos de novo! Saio pelas escadas. Ah, que saudades da roupa seca! Corro até a casa de minha tia. Meu primo me espera na porta. Olho o relógio: uma e vinte da manhã...
- Entra devagar! Consegui enrolar ela, disse que você tinha voltado cedo e já estava dormindo! Não vai estragar tudo, hein!
Entro na ponta dos pés, tiro a roupa de borracha, tomo uma ducha, ponho uma roupa seca. Meu primo me espera na porta do quarto.
- Vem! Os caras estão na sala de telepresença! Querem saber também!
- Saber o quê?
- Ah! Não dá uma de idiota, hein!
Entramos na ala central da casa. Duas imagens holográficas estão à nossa frente.
- E aí primo? Conta pra gente como é que é?
- Como é que é o quê?
- O quê? Nem vem com essa!! Como que é transar com uma sereia?
- Quem disse que eu...
- Ah vai!!! Tá na cara! Ou quer convencer a gente que vocês ficaram até agora jogando xadrez?
Bom, não dava para evitar. Tentei satisfazer a curiosidade deles sem entrar em detalhes íntimos (se é que isto era possível). Felizmente ouvi uma voz ao longe: "Que barulho é esse? Que estão fazendo?" As figuras holográficas sumiram rápido, e meu primo tentou consertar a situação: "Nada, tia! A gente só veio pegar um chocolate!"
Ele se despediu de mim:
- Amanhã a gente conversa melhor, hein!
Que dia agitado! Merecia um repouso! Mas, tentativa inútil! Não preguei os olhos, o tempo todo pensando em Nereida!
*** CONTINUA ***