Festa dos Indexadores (miniconto)
A reunião estava bem animada. Os indexadores comiam, bebiam e discutiam sobre sua importante missão de classificar tudo. Tudo mesmo! Cada coisa no mundo organizada em números, transformando uma sequência ambígua de palavras descrevendo os tais objetos em uns poucos dígitos representando-os numa organização lógica, uma classificação hierárquica perfeita. Por exemplo, estavam agora sendo servidos do excelente vinho de tipo #37 da safra #2766341. Qualquer um que entendesse o significado de tais números seria capaz de afirmar imediatamente que o tal vinho fôra produzido na época #3751 e que vinha da região #477. Óbvio demais!
Um indexador literário idoso se aproximou de uma roda. Estava levemente embriagado. Era um reconhecido poeta.
- Se me permitem senhoras, senhores, senhoritas... Gostaria de declamar um poema. Não é meu, mas de um autor que aprecio demais.
- À vontade, por favor!
Todos fizeram uma roda ao redor dele. Alguns se sentaram em bancos e poltronas. O velho fechou os olhos, e começou, com uma voz comovente.
- Do autor #35217, obra #233. - fez uma pausa dramática, e continuou com voz inflamada: - poema #74, versos #12.. #13, #14... #18... - as lágrimas escorriam pelo rosto da platéia. O poeta concluiu, emocionado: - poema #97, verso #271.
A platéia de indexadores aplaudiu entusiasmada seu poeta. Aquele poema era mesmo maravilhoso!
- Que coisa linda! Não tenho palavras para descrever isto! Talvez... qual seria mesmo a palavra? Me fugiu.
- Quem sabe dicionário #578, palavra #27 da página #3425.
- É isto mesmo, #4357789023!! Você tirou os números da minha boca!
- A propósito, #4233711257, este poema me lembrou muito a notícia #577 do dia #238819. Vocês lembram dela?
- Como esquecer o conflito #4771 entre o primeiro ministro #37 do país #275 e o ditador #344 do #177? Realmente, é tão triste quanto o poema!
- Ei ei!! Que é isto? Estamos numa festa ou num funeral, hein?
- Tem razão! Quem sabe uma piadinha para descontrair o ambiente? Lembram daquela? Livro #2775, piada #734!
Ninguém sabia dizer se a piada realmente era boa ou era a maneira especial que o #3227185010 tinha para contar anedotas, mas o fato é que todos cairam na gargalhada. Ele continuou com seu repertório:
- Tem também aquela, a... trezentos e... - fez uma pausa de efeito - ...vinte e... - alguns, já adivinhando a piada, começaram a rir baixinho antes do fim; finalmente revelou - ...vinte e sete!!! Piada #327!!!
Novamente gargalhada geral. A barriga doía de tanto rir! O #3227185009, gêmeo mais velho do #3227185010, também quis participar.
- E aquela então, gente? Do livro #2549, a piada #271! - ninguém riu. - Não, não! errei! É a piada #217!!! Hahahaha...
Alguns riram por educação. Realmente o #3227185009 não tinha jeito para contar piadas, apesar de ser irmão gêmeo do #3227185010. Como pode, né? Tão parecidos, mas ao mesmo tempo tão diferentes!
Mas outros nem se deram ao trabalho de fingir um riso. Entre eles estava o #4372184317. Particularmente ele nunca gostou muito do livro de piadas #2549. Mas talvez fosse mesmo o vinho tipo #37 da safra #2766341 que não lhe tinha caído bem, o que #4357789023 percebeu logo e sugeriu:
- Tenho este medicamento aqui comigo, o #4438791 , que sempre me ajudou com isto. Quer um pouco?
- Não, #4357789023, muito obrigado! Vou para casa mesmo.
- E perder a festa?
- É melhor assim. Se descansar um pouco, acho que me recupero.
#4372184317 deixou a reunião, pedindo educadas desculpas. Não se sentia bem mesmo. Tomou o ônibus da linha #347561. Seria uma demorada viagem até a sua casa #276 na rua #7713, localizada no setor #4471 daquela cidade #886723...
*** FINAL #27739 ***